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José Roberto Afonso defende a reestruturação do sistema tributário brasileiro

Entra ano, sai ano e a necessária reforma tributária continua sendo adiada. A complexidade do sistema tributário do Brasil corrói a competitividade da indústria e prejudica as camadas mais pobres da população, que precisa de serviços públicos de melhor qualidade e redução dos impostos. A arrecadação cresce ano após ano. O “Impostômetro” mostra que, somente em 2014, a sociedade brasileira já pagou mais de R$ 400 bilhões ao fisco. Pior, […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 8 de abril de 2014 às, 16h09.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 08h32.

José Roberto Afonso

Entra ano, sai ano e a necessária reforma tributária continua sendo adiada. A complexidade do sistema tributário do Brasil corrói a competitividade da indústria e prejudica as camadas mais pobres da população, que precisa de serviços públicos de melhor qualidade e redução dos impostos. A arrecadação cresce ano após ano. O “Impostômetro” mostra que, somente em 2014, a sociedade brasileira já pagou mais de R$ 400 bilhões ao fisco. Pior, não vê o retorno em bens e serviços e não consegue entender para onde vai o dinheiro.

Para falar sobre o sistema tributário, o Instituto Millenium entrevistou o economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), José Roberto Afonso, autor de “Keynes, crise e política fiscal” (Saraiva, 2012), “Crise, Estado e economia brasileira” (Agir, 2011) e “Tributación, seguridade y cohesión social en Brasil” (Cepal, 2007), que escreveu em parceria com José Serra. Especialista no tema, José Roberto não acredita em uma reforma que torne o sistema atual eficiente: “Nós precisamos é de outro sistema tributário, afinal, o atual fará 50 anos e o mundo e o Brasil mudaram”, afirma. Leia a entrevista:

Instituto Millenium – A problemática dos impostos no Brasil é maior no que se refere à complexidade do sistema, à falta de transparência na aplicação dos recursos ou às altas taxas?
José Roberto Afonso – Não conheço uma forma de dosar os problemas. Todas as distorções citadas são graves e mostram que, em essência, não temos mais um “sistema”, como significa tal vocábulo no dicionário. Para as famílias, a injustiça dos tributos, especialmente os indiretos, seria o mais grave. Estudos comprovam que quanto menos se ganha, mais se paga de tributos, ainda que, na maioria das vezes, sem o conhecimento dos impostos embutidos nos preços dos produtos.

Para as empresas, os danos à competitividade são grandes, a começar pela tributação indireta das exportações e investimentos produtivos. E, para todos, a complexidade, que torna o Brasil campeão mundial em avaliações sobre o custo de pagar imposto (compliance), e a opacidade dos tributos são pecados importantes. A única virtude está do lado do fisco, porque se arrecada como raros outros países emergentes conseguem fazer. Inclusive, conseguimos contrariar a teoria e aumentar os recolhimentos à frente da produção interna, mesmo quando ela desacelera.

É lógico que o fisco não faz isso porque quer maltratar os contribuintes e sim para responder a demanda por mais gasto público e para honrar a enorme dívida pública que o país possui. Se é algo inevitável ter uma carga tributária elevada para atender tanta necessidade de recursos, o desafio maior, a meu ver, está relacionado com a qualidade da tributação: seria necessário arrecadar de forma mais simples, equânime e menos danosa à produção interna.

Instituto Millenium – Existe modelo ideal de reforma tributária? Como seria uma reforma tributária eficiente?
J.R. Afonso – Não existe um modelo ótimo, em minha opinião. Cada sistema tributário retrata as condições políticas, sociais, culturais e econômicas de um país. É verdade que a maioria dos países adota uma sistemática muito próxima de competências tributárias e distribuição entre entes federados. O Brasil é, de longe, um ponto fora da curva, em grande parte por dois motivos singulares: é o único país que atribuiu ao âmbito subnacional, aos estados, a cobrança do imposto sobre valor adicionado e também é o único que cobra contribuições sociais que não se limitam à folha salarial e alcançam bases múltiplas – vendas, valor adicionado, lucros, loterias e até receitas governamentais.

Sou cético que uma reforma consiga tornar esse sistema mais eficiente. Nós precisamos é de outro sistema tributário, afinal, o atual fará 50 anos em breve e o mundo e o Brasil mudaram. Já passa a hora de reestruturar o sistema e não apenas tentar consertar suas distorções.

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