Exame Logo

“Gostaria de ver mais diálogo entre as universidades e o setor privado”

O empreendedorismo no Brasil vem ganhando força nas últimas duas décadas, mas ainda enfrenta barreiras como a necessidade de qualificação, a alta carga tributária e a burocracia para continuar evoluindo. Entrevistamos a professora Silvina Ana Ramal sobre o empreendedorismo no país, suas principais características e desafios. Mestre em Administração de Empresas pela PUC-Rio, professora de Planejamento de Negócios e coordenadora de Pós-graduação de Empreendedorismo na PUC-Rio e presidente da ONG […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2012 às 11h32.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 09h15.

O empreendedorismo no Brasil vem ganhando força nas últimas duas décadas, mas ainda enfrenta barreiras como a necessidade de qualificação, a alta carga tributária e a burocracia para continuar evoluindo. Entrevistamos a professora Silvina Ana Ramal sobre o empreendedorismo no país, suas principais características e desafios.

Mestre em Administração de Empresas pela PUC-Rio, professora de Planejamento de Negócios e coordenadora de Pós-graduação de Empreendedorismo na PUC-Rio e presidente da ONG Pro-Social, Ramal destaca o grande potencial empreendedor do brasileiro, mas alerta para a falta qualificação como um dos entraves: “O que falta ao Brasil é educação. Temos o espírito empreendedor, mas precisamos melhorar a qualidade de nosso esforço. Não vamos ter empreendedorismo de alta qualidade ocupando o 88º lugar no ranking de educação da Unesco.”

Instituto MilleniumQuais as características que um empreendedor deve ter para conquistar o sucesso empresarial?
Silvina Ana Ramal – Existem estudos a esse respeito e livros publicados, que tentam definir os traços do empreendedor de sucesso. Na internet mesmo há muitas listas desse tipo. Nunca gostei delas, porque considero impossível colocar seres humanos em moldes, e dizer que um molde funciona e outro não. Os empreendedores que conheci tinham personalidades completamente diferentes, alguns eram ótimos em coisas que outros mal dominavam. Mas tenho sim algumas características que minha experiência mostrou serem fundamentais, e que acredito devem ser estimuladas nos jovens.

1. Locus de controle interno: é um termo da psicologia, e significa a expectativa do indivíduo sobre a medida que ele influencia os próprios resultados em sua vida. Uma pessoa com locus de controle externo costuma se vitimizar, culpar os outros por seus fracassos ou infelicidades. É aquela pessoa que está sempre reclamando da família, da educação que recebeu, do governo, ou até da sorte. Quem nunca viu, por exemplo, um aluno de faculdade justificando que estuda pouco porque seu curso ou faculdade são fracos? O indivíduo com locus de controle interno considera que tudo na vida é resultado de seus próprios esforços, sua competência, seu trabalho. Ele se sente responsável por seus fracassos, mas por outro lado, por se ver no controle da situação, sabe que tem possibilidades de construir o próprio sucesso.

Desenvolver locus de controle interno pode ser menos confortável, uma vez que não podemos mais culpar ninguém pelo que acontece em nossas vidas. No entanto, é uma postura adotada não só pelas pessoas que têm sucesso, mas também pelas que são mais felizes. Para o empreendedor, será decisivo em sua rotina. Ele precisará sempre chamar a responsabilidade para si, não terá chefes para obedecer, precisará tomar decisões o tempo todo, lidar com a incerteza. Um dia terá funcionários cujas famílias dependerão de seu empreendimento. Ele não pode contar com sorte ou azar. Costumo dizer que num lugar, em que todos vêm um problema e reclamam. Aquele que tem olhar empreendedor vê uma oportunidade de negócios.

2. Curiosidade intelectual: Alguns empreendedores que admiro muito têm em comum estarem atualizados, com o que há de mais novo, em termos de tendências de consumo, costumes, novas tecnologias. A informação é uma das principais armas do empreendedor e daquele que quer inovar.

3. Idealismo: Finalmente, um empreendedor tem que ter como meta melhorar a vida no mundo, intervir de forma positiva. Não digo apenas no sentido de ter ética, honestidade, isso para mim é condição sine qua non. Mas penso, por exemplo, nos criadores dos telefones celulares, imaginando que as pessoas poderiam se conectar com suas famílias em qualquer lugar. Nos criadores de moda, imaginando mulheres com melhor autoestima e mais felizes. Um dono de restaurante que sonha em ver as pessoas acolhidas e confortáveis, tendo prazer em seu estabelecimento. Primeiro temos que trabalhar de maneira eficiente para servir as pessoas, oferecer-lhes qualidade. Depois os resultados financeiros virão inevitavelmente.

Imil – A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2011 (GEM) – resultado da parceria entre o Sebrae e o Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) – mostra que o Brasil é o terceiro país com maior número de empresas num ranking de 54 países, ficando atrás somente da China e dos Estados Unidos. Como a senhora avalia o desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil?
Ramal – O brasileiro é sem dúvida um povo empreendedor. Lembro ter ouvido uma história da Segunda Guerra Mundial. Parece que os soldados brasileiros driblaram o frio colocando jornal dentro das botas para esquentar os pés, foram os únicos que tiveram essa ideia. Ilustra como, já há muito tempo, temos flexibilidade, criatividade para analisar os problemas por novos ângulos, em vez de esperar por ajuda de um superior. Isso é ter postura empreendedora.

Não é só o número de empresas que são abertas todos os anos no país que impressiona. Se observarmos as estatísticas do comercio informal, que inclui o comercio não registrado, veremos essa força das pessoas que querem gerar renda para si e sua família, e colocam a criatividade para funcionar. O que falta ao Brasil é educação. Temos o espírito empreendedor, mas precisamos melhorar a qualidade de nosso esforço. Não vamos ter empreendedorismo de alta qualidade ocupando o 88º lugar no ranking de educação da Unesco. O mesmo estudo mostra que enquanto os Estados Unidos têm sete entre as dez primeiras universidades do ranking das melhores do mundo, e 45 entre as 100, o Brasil não tem nenhuma.

Imil – Em sua opinião o que pode ser feito para melhorar o ambiente para o empreendedor no país?
Ramal – Decididamente investir muito mais na qualidade da educação, em todos os níveis. Também considero importante aumentar o investimento em pesquisa científica, e sei que esse é um assunto polêmico, mas gostaria de ver os recursos de pesquisa no Brasil melhor direcionados, de modo a gerar resultados de forma mais direta para nossa economia. Gostaria também de ver mais diálogo entre as universidades e o setor privado.

Quanto ao ambiente de negócios do país, creio que os números falam por si. O Brasil ocupa hoje a 46ª colocação no Índice de Competitividade Mundial 2012, que é desenvolvido pelo Institute for Management Development. Ainda há muito a ser feito para melhorar as condições de trabalho do setor privado. Sinto falta de uma organização melhor deste setor, para ter mais representatividade e diálogo com o governo, de modo a ver suas necessidades atendidas.

Imil – Transformar uma ideia em um projeto empreendedor, um negócio, é um dos principais desafios para o empreendedor. No caso do Brasil, quais são os fatores favoráveis e limitantes ao empreendedorismo?
Ramal – Os fatores limitantes são o ambiente de negócios, que como vimos antes, deixa a desejar. Na prática, isso se traduz, por exemplo, em excesso de burocracia, muitas exigências trabalhistas, carga tributária alta e complexa, pouca oferta de mão de obra qualificada. Entre os fatores favoráveis, destaco a enorme oportunidade que representa o crescimento econômico e a redução da desigualdade. É a chamada economia da base da pirâmide. Outra oportunidade, mais global, ainda é a convergência das mídias de informática e telecomunicações. Sei que não estou dizendo nada novo, mas a verdade é que o mundo digital está apenas começando a mostrar seu enorme potencial de novos negócios.

Imil – A pesquisa GEM também mostra que, no Brasil, 27 milhões de pessoas possuem um negócio ou estão envolvidas na criação de um negócio no país. O que representa esse número?
Ramal – É formidável pensar nesse enorme contingente de pessoas que está intervindo na economia, gerando produtos e serviços, melhorando a oferta de consumo. Mostra nosso enorme potencial, e como um pequeno esforço poderia ter efeitos enormes. Imagine o efeito que teria um programa de qualificação, linhas de crédito mais acessíveis ou um projeto de desburocratização, com tanto talento espalhado.ao

Imil – Ainda de acordo com a pesquisa, mais da metade, 14,4 milhões de empreendedores têm entre 25 e 44 anos. Outros 3,4 milhões têm até 24 anos. Seis milhões estão na faixa de 45 a 54 anos, e 3,3 milhões têm mais de 55 anos. Quais os segmentos de mercado mais explorados por essas camadas da população?
Ramal – As pequenas empresas estão bastante concentradas no setor de comércio e serviços. Elas estão menos presentes no setor de indústria pelas barreiras próprias desse setor. Não só a necessidade intensiva de capital, mas também a escala de produção exigida para ter eficiência muitas vezes inviabilizam a sobrevivência de produtores pequenos. Embora haja boas oportunidades para empresas menores como fornecedoras das empresas grandes, em áreas como, por exemplo, a construção civil e energia.

Tento sempre estimular os empreendedores a procurar setores onde seja necessário alto conhecimento técnico. Quanto maior a barreira de entrada em um mercado, mais rentável ele pode ser. As pequenas empresas têm menos capacidade de criar barreiras. Uma possibilidade é o atendimento e a fidelização do cliente, outra é o fortalecimento da marca, mas uma forma muito interessante é o trabalho em uma área onde se exija um nível de conhecimento dominado por poucos.

Imil – Em 2011, a faixa etária com maior concentração de empreendedores no país era e 25 a 34 anos. Quase 4,9 milhões de brasileiros nessa faixa etária estavam envolvidos com algum tipo de negócio. Existe hoje uma maior necessidade de formalização do conhecimento sobre o empreendedorismo. Com sua longa experiência em sala de aula, a senhora acredita que as instituições de ensino deveriam dar mais atenção ao ensino do empreendedorismo, por exemplo, nas escolas e nas universidades?
Ramal – O empreendedorismo deveria ser transversal a todos os cursos, pois em qualquer profissão hoje podemos ter empreendedores. Médicos, psicólogos, advogados, engenheiros podem ter o próprio negócio. Recentemente ministrei o curso de empreendedorismo num departamento de artes, foi uma experiência muito interessante. Fiquei impressionada com o interesse dos alunos por assuntos de marketing, planejamento financeiro e gestão de pessoas. Eles sabem que um dia podem ter sua própria confecção (design de moda) ou seu próprio escritório de design, e precisarão lidar com todos esses assuntos. No entanto, a grade do curso não acompanha suas aspirações. Isso acontece com a maior parte das carreiras. É por isso que os cursos de MBA em gestão hoje recebem alunos das mais diferentes áreas de formação. Em outros países os cursos de graduação estão muito mais voltados para formar empreendedores do que aqui no Brasil.

Imil – A burocracia, os impostos, as diversas exigências legais são algumas das dificuldades enfrentadas pela pequena empresa no país. Isso, de alguma forma desanima o jovem empreendedor? Ramal – Não é fácil ensinar essa parte em sala de aula. Quando tenho que ministrar uma aula sobre legislação, tributos ou obrigações trabalhistas para empreendedores, eu mesma fico um pouco desanimada. É tudo complexo, há certas arbitrariedades, muitas vezes não há lógica. Mas não vejo que isso desanime os jovens, aliás, poucas coisas desanimam um jovem empreendedor. Ele já cresceu nesse ambiente de negócios, e embora saiba que muita coisa precisa ser mudada no Brasil, é como disse antes. Onde muitos vêm um problema, um empreendedor vê uma oportunidade.

Imil – A renda mensal obtida por metade dos empreendedores no Brasil chega a, no máximo, três salários mínimos. Um terço fatura entre três e seis salários mínimos e menos de 15% tira mais de seis salários mínimos por mês com o próprio negócio. O que fazer para melhorar esses resultados?
Ramal – Qualificação, qualificação e qualificação. Também melhoria do ambiente de negócios e da competitividade do Brasil, que se traduz em desburocratização, redução e simplificação dos tributos, eliminação de obrigações trabalhistas. Também melhor acesso a crédito, especialmente aquele para acesso à tecnologia. Melhoria da oferta de mão de obra. Finalmente, um velho sonho meu seria ver melhores condições das empresas de pequeno e médio porte às compras governamentais. Hoje é preciso ser muito pequeno para ter o acesso facilitado. No outro extremo, é caro participar de licitações, e as exigências feitas inviabilizam a participação de empresas de porte médio.

Imil – De um modo geral, os negócios são iniciados por duas razões básicas: ou porque os empreendedores detectaram uma oportunidade de negócio ou por necessidade de ter uma renda. O que diferencia basicamente esses dois grupos?
Ramal – Você está falando do empreendedorismo de oportunidade e de necessidade. Quando um empreendedor empreende por necessidade, ele está fora do mercado de trabalho e precisa gerar renda. Já o outro vislumbra uma oportunidade de negócios e decide se lançar como empreendedor. É claro que o segundo é muito mais desejável que o primeiro. Mas nesse sentido o Brasil está muito bem. Os dados da pesquisa do GEM mostram que há doze anos, quando esta foi iniciada, a razão entre oportunidade/necessidade era próxima de 1. Hoje está por volta de 2,24, o que mostra uma melhoria significativa e maior aproximação ao índice dos países desenvolvidos.

Imil – A mulher brasileira é apontada como uma das mais empreendedoras do mundo. No Brasil as mulheres atingiram a quarta maior TEA dentre os 54 países da pesquisa GEM. Em quais segmentos de mercado as mulheres estão investindo mais no Brasil? Quais características as qualificam para o mundo dos negócios?
Ramal – As mulheres têm varias motivações para abrir um empreendimento no Brasil. Embora a carga horária em um negócio próprio possa ser maior, tende a ser mais flexível, o que facilita a vida de uma pessoa que acumula a função de provedora e mãe. Entre 2001 e 2009, o percentual de famílias brasileiras chefiadas por mulheres subiu de aproximadamente 27% para 35%. Em termos absolutos, são quase 22 milhões de famílias que identificam como principal provedora alguém do sexo feminino. Por outro lado, embora as mulheres no Brasil acumulem mais anos de estudos que os homens, ainda têm salários 30% menores que os homens no mercado formal, segundo dados do IBGE.

Imil – O que a motivou a criar a ONG Pro-Social e quais os resultados obtidos até agora?
Ramal – Sempre gostei de iniciativas sociais vinculadas a empreendedorismo, porque ensinam a pescar, ao invés de dar o peixe. Salvo ações de caráter emergencial, não gosto de iniciativas sociais que se baseiem na caridade a longo prazo, pois reforçam a dependência dos mais fracos e menos preparados. A Pro-Social surgiu há dez anos. Percebi que em geral as iniciativas de empreendedorismo se limitavam a qualificar empreendedores. Mas não basta qualificar, é preciso acompanha-lo, dar-lhe consultoria nos primeiros anos de existência, até que se fortaleça e consiga caminhar sozinho.

Imil – A ONG atua na formação e consultoria em gestão empresarial, com programas de geração de renda para comunidades carentes. Como é feito esse trabalho? Que tipos de projetos são desenvolvidos?
Ramal – O primeiro passo foi desenvolver a metodologia, fiz um livro didático que chegou a ser publicado pela editora Campus/Elsevier, intitulado “Como transformar seu talento em um negócio de sucesso”. O objetivo era explicar gestão de negócios para pessoas que não têm nenhuma formação na área. Usamos esse livro em nossos programas de formação. Depois da formação, procuramos acompanhar os empreendedores por alguns anos. Trabalhamos nas comunidades do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e algumas poucas iniciativas em outros estados. Uma grata surpresa foi ser convidada para capacitar professores na metodologia em um programa no Uruguai. Visitei esse país durante três anos para isso.

Trabalhamos com negócios como, por exemplo, agências de turismo, uma escola de capoeira, grupos de artesãs e comércio local. Os resultados foram muito promissores. Agora atuamos dando consultoria técnica a projetos, tudo de forma gratuita e voluntaria. Ou seja, não trabalhamos mais na ponta. Pessoalmente, além de minha empresa com fins de lucro, atuo como angel investor e mentora. Percebi que investir em negócios de jovens e aportar meu conhecimento e experiência poderia ser extremamente divertido. E, por incrível que pareça, pode ter muito alcance social. Com o tempo, percebi que um empreendimento privado pode ter tanto ou mais impacto social e econômico quanto uma ONG. Por exemplo, um empreendimento no qual sou angel investor e mentora pode gerar vários empregos qualificados, contratar fornecedores, fazer a economia girar. Meu sonho é um dia ser angel investor de um empreendimento nascido em alguma comunidade. Sei que há possibilidades concretas, e procuro acompanhar a evolução de alguns antigos alunos.

O empreendedorismo no Brasil vem ganhando força nas últimas duas décadas, mas ainda enfrenta barreiras como a necessidade de qualificação, a alta carga tributária e a burocracia para continuar evoluindo. Entrevistamos a professora Silvina Ana Ramal sobre o empreendedorismo no país, suas principais características e desafios.

Mestre em Administração de Empresas pela PUC-Rio, professora de Planejamento de Negócios e coordenadora de Pós-graduação de Empreendedorismo na PUC-Rio e presidente da ONG Pro-Social, Ramal destaca o grande potencial empreendedor do brasileiro, mas alerta para a falta qualificação como um dos entraves: “O que falta ao Brasil é educação. Temos o espírito empreendedor, mas precisamos melhorar a qualidade de nosso esforço. Não vamos ter empreendedorismo de alta qualidade ocupando o 88º lugar no ranking de educação da Unesco.”

Instituto MilleniumQuais as características que um empreendedor deve ter para conquistar o sucesso empresarial?
Silvina Ana Ramal – Existem estudos a esse respeito e livros publicados, que tentam definir os traços do empreendedor de sucesso. Na internet mesmo há muitas listas desse tipo. Nunca gostei delas, porque considero impossível colocar seres humanos em moldes, e dizer que um molde funciona e outro não. Os empreendedores que conheci tinham personalidades completamente diferentes, alguns eram ótimos em coisas que outros mal dominavam. Mas tenho sim algumas características que minha experiência mostrou serem fundamentais, e que acredito devem ser estimuladas nos jovens.

1. Locus de controle interno: é um termo da psicologia, e significa a expectativa do indivíduo sobre a medida que ele influencia os próprios resultados em sua vida. Uma pessoa com locus de controle externo costuma se vitimizar, culpar os outros por seus fracassos ou infelicidades. É aquela pessoa que está sempre reclamando da família, da educação que recebeu, do governo, ou até da sorte. Quem nunca viu, por exemplo, um aluno de faculdade justificando que estuda pouco porque seu curso ou faculdade são fracos? O indivíduo com locus de controle interno considera que tudo na vida é resultado de seus próprios esforços, sua competência, seu trabalho. Ele se sente responsável por seus fracassos, mas por outro lado, por se ver no controle da situação, sabe que tem possibilidades de construir o próprio sucesso.

Desenvolver locus de controle interno pode ser menos confortável, uma vez que não podemos mais culpar ninguém pelo que acontece em nossas vidas. No entanto, é uma postura adotada não só pelas pessoas que têm sucesso, mas também pelas que são mais felizes. Para o empreendedor, será decisivo em sua rotina. Ele precisará sempre chamar a responsabilidade para si, não terá chefes para obedecer, precisará tomar decisões o tempo todo, lidar com a incerteza. Um dia terá funcionários cujas famílias dependerão de seu empreendimento. Ele não pode contar com sorte ou azar. Costumo dizer que num lugar, em que todos vêm um problema e reclamam. Aquele que tem olhar empreendedor vê uma oportunidade de negócios.

2. Curiosidade intelectual: Alguns empreendedores que admiro muito têm em comum estarem atualizados, com o que há de mais novo, em termos de tendências de consumo, costumes, novas tecnologias. A informação é uma das principais armas do empreendedor e daquele que quer inovar.

3. Idealismo: Finalmente, um empreendedor tem que ter como meta melhorar a vida no mundo, intervir de forma positiva. Não digo apenas no sentido de ter ética, honestidade, isso para mim é condição sine qua non. Mas penso, por exemplo, nos criadores dos telefones celulares, imaginando que as pessoas poderiam se conectar com suas famílias em qualquer lugar. Nos criadores de moda, imaginando mulheres com melhor autoestima e mais felizes. Um dono de restaurante que sonha em ver as pessoas acolhidas e confortáveis, tendo prazer em seu estabelecimento. Primeiro temos que trabalhar de maneira eficiente para servir as pessoas, oferecer-lhes qualidade. Depois os resultados financeiros virão inevitavelmente.

Imil – A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2011 (GEM) – resultado da parceria entre o Sebrae e o Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) – mostra que o Brasil é o terceiro país com maior número de empresas num ranking de 54 países, ficando atrás somente da China e dos Estados Unidos. Como a senhora avalia o desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil?
Ramal – O brasileiro é sem dúvida um povo empreendedor. Lembro ter ouvido uma história da Segunda Guerra Mundial. Parece que os soldados brasileiros driblaram o frio colocando jornal dentro das botas para esquentar os pés, foram os únicos que tiveram essa ideia. Ilustra como, já há muito tempo, temos flexibilidade, criatividade para analisar os problemas por novos ângulos, em vez de esperar por ajuda de um superior. Isso é ter postura empreendedora.

Não é só o número de empresas que são abertas todos os anos no país que impressiona. Se observarmos as estatísticas do comercio informal, que inclui o comercio não registrado, veremos essa força das pessoas que querem gerar renda para si e sua família, e colocam a criatividade para funcionar. O que falta ao Brasil é educação. Temos o espírito empreendedor, mas precisamos melhorar a qualidade de nosso esforço. Não vamos ter empreendedorismo de alta qualidade ocupando o 88º lugar no ranking de educação da Unesco. O mesmo estudo mostra que enquanto os Estados Unidos têm sete entre as dez primeiras universidades do ranking das melhores do mundo, e 45 entre as 100, o Brasil não tem nenhuma.

Imil – Em sua opinião o que pode ser feito para melhorar o ambiente para o empreendedor no país?
Ramal – Decididamente investir muito mais na qualidade da educação, em todos os níveis. Também considero importante aumentar o investimento em pesquisa científica, e sei que esse é um assunto polêmico, mas gostaria de ver os recursos de pesquisa no Brasil melhor direcionados, de modo a gerar resultados de forma mais direta para nossa economia. Gostaria também de ver mais diálogo entre as universidades e o setor privado.

Quanto ao ambiente de negócios do país, creio que os números falam por si. O Brasil ocupa hoje a 46ª colocação no Índice de Competitividade Mundial 2012, que é desenvolvido pelo Institute for Management Development. Ainda há muito a ser feito para melhorar as condições de trabalho do setor privado. Sinto falta de uma organização melhor deste setor, para ter mais representatividade e diálogo com o governo, de modo a ver suas necessidades atendidas.

Imil – Transformar uma ideia em um projeto empreendedor, um negócio, é um dos principais desafios para o empreendedor. No caso do Brasil, quais são os fatores favoráveis e limitantes ao empreendedorismo?
Ramal – Os fatores limitantes são o ambiente de negócios, que como vimos antes, deixa a desejar. Na prática, isso se traduz, por exemplo, em excesso de burocracia, muitas exigências trabalhistas, carga tributária alta e complexa, pouca oferta de mão de obra qualificada. Entre os fatores favoráveis, destaco a enorme oportunidade que representa o crescimento econômico e a redução da desigualdade. É a chamada economia da base da pirâmide. Outra oportunidade, mais global, ainda é a convergência das mídias de informática e telecomunicações. Sei que não estou dizendo nada novo, mas a verdade é que o mundo digital está apenas começando a mostrar seu enorme potencial de novos negócios.

Imil – A pesquisa GEM também mostra que, no Brasil, 27 milhões de pessoas possuem um negócio ou estão envolvidas na criação de um negócio no país. O que representa esse número?
Ramal – É formidável pensar nesse enorme contingente de pessoas que está intervindo na economia, gerando produtos e serviços, melhorando a oferta de consumo. Mostra nosso enorme potencial, e como um pequeno esforço poderia ter efeitos enormes. Imagine o efeito que teria um programa de qualificação, linhas de crédito mais acessíveis ou um projeto de desburocratização, com tanto talento espalhado.ao

Imil – Ainda de acordo com a pesquisa, mais da metade, 14,4 milhões de empreendedores têm entre 25 e 44 anos. Outros 3,4 milhões têm até 24 anos. Seis milhões estão na faixa de 45 a 54 anos, e 3,3 milhões têm mais de 55 anos. Quais os segmentos de mercado mais explorados por essas camadas da população?
Ramal – As pequenas empresas estão bastante concentradas no setor de comércio e serviços. Elas estão menos presentes no setor de indústria pelas barreiras próprias desse setor. Não só a necessidade intensiva de capital, mas também a escala de produção exigida para ter eficiência muitas vezes inviabilizam a sobrevivência de produtores pequenos. Embora haja boas oportunidades para empresas menores como fornecedoras das empresas grandes, em áreas como, por exemplo, a construção civil e energia.

Tento sempre estimular os empreendedores a procurar setores onde seja necessário alto conhecimento técnico. Quanto maior a barreira de entrada em um mercado, mais rentável ele pode ser. As pequenas empresas têm menos capacidade de criar barreiras. Uma possibilidade é o atendimento e a fidelização do cliente, outra é o fortalecimento da marca, mas uma forma muito interessante é o trabalho em uma área onde se exija um nível de conhecimento dominado por poucos.

Imil – Em 2011, a faixa etária com maior concentração de empreendedores no país era e 25 a 34 anos. Quase 4,9 milhões de brasileiros nessa faixa etária estavam envolvidos com algum tipo de negócio. Existe hoje uma maior necessidade de formalização do conhecimento sobre o empreendedorismo. Com sua longa experiência em sala de aula, a senhora acredita que as instituições de ensino deveriam dar mais atenção ao ensino do empreendedorismo, por exemplo, nas escolas e nas universidades?
Ramal – O empreendedorismo deveria ser transversal a todos os cursos, pois em qualquer profissão hoje podemos ter empreendedores. Médicos, psicólogos, advogados, engenheiros podem ter o próprio negócio. Recentemente ministrei o curso de empreendedorismo num departamento de artes, foi uma experiência muito interessante. Fiquei impressionada com o interesse dos alunos por assuntos de marketing, planejamento financeiro e gestão de pessoas. Eles sabem que um dia podem ter sua própria confecção (design de moda) ou seu próprio escritório de design, e precisarão lidar com todos esses assuntos. No entanto, a grade do curso não acompanha suas aspirações. Isso acontece com a maior parte das carreiras. É por isso que os cursos de MBA em gestão hoje recebem alunos das mais diferentes áreas de formação. Em outros países os cursos de graduação estão muito mais voltados para formar empreendedores do que aqui no Brasil.

Imil – A burocracia, os impostos, as diversas exigências legais são algumas das dificuldades enfrentadas pela pequena empresa no país. Isso, de alguma forma desanima o jovem empreendedor? Ramal – Não é fácil ensinar essa parte em sala de aula. Quando tenho que ministrar uma aula sobre legislação, tributos ou obrigações trabalhistas para empreendedores, eu mesma fico um pouco desanimada. É tudo complexo, há certas arbitrariedades, muitas vezes não há lógica. Mas não vejo que isso desanime os jovens, aliás, poucas coisas desanimam um jovem empreendedor. Ele já cresceu nesse ambiente de negócios, e embora saiba que muita coisa precisa ser mudada no Brasil, é como disse antes. Onde muitos vêm um problema, um empreendedor vê uma oportunidade.

Imil – A renda mensal obtida por metade dos empreendedores no Brasil chega a, no máximo, três salários mínimos. Um terço fatura entre três e seis salários mínimos e menos de 15% tira mais de seis salários mínimos por mês com o próprio negócio. O que fazer para melhorar esses resultados?
Ramal – Qualificação, qualificação e qualificação. Também melhoria do ambiente de negócios e da competitividade do Brasil, que se traduz em desburocratização, redução e simplificação dos tributos, eliminação de obrigações trabalhistas. Também melhor acesso a crédito, especialmente aquele para acesso à tecnologia. Melhoria da oferta de mão de obra. Finalmente, um velho sonho meu seria ver melhores condições das empresas de pequeno e médio porte às compras governamentais. Hoje é preciso ser muito pequeno para ter o acesso facilitado. No outro extremo, é caro participar de licitações, e as exigências feitas inviabilizam a participação de empresas de porte médio.

Imil – De um modo geral, os negócios são iniciados por duas razões básicas: ou porque os empreendedores detectaram uma oportunidade de negócio ou por necessidade de ter uma renda. O que diferencia basicamente esses dois grupos?
Ramal – Você está falando do empreendedorismo de oportunidade e de necessidade. Quando um empreendedor empreende por necessidade, ele está fora do mercado de trabalho e precisa gerar renda. Já o outro vislumbra uma oportunidade de negócios e decide se lançar como empreendedor. É claro que o segundo é muito mais desejável que o primeiro. Mas nesse sentido o Brasil está muito bem. Os dados da pesquisa do GEM mostram que há doze anos, quando esta foi iniciada, a razão entre oportunidade/necessidade era próxima de 1. Hoje está por volta de 2,24, o que mostra uma melhoria significativa e maior aproximação ao índice dos países desenvolvidos.

Imil – A mulher brasileira é apontada como uma das mais empreendedoras do mundo. No Brasil as mulheres atingiram a quarta maior TEA dentre os 54 países da pesquisa GEM. Em quais segmentos de mercado as mulheres estão investindo mais no Brasil? Quais características as qualificam para o mundo dos negócios?
Ramal – As mulheres têm varias motivações para abrir um empreendimento no Brasil. Embora a carga horária em um negócio próprio possa ser maior, tende a ser mais flexível, o que facilita a vida de uma pessoa que acumula a função de provedora e mãe. Entre 2001 e 2009, o percentual de famílias brasileiras chefiadas por mulheres subiu de aproximadamente 27% para 35%. Em termos absolutos, são quase 22 milhões de famílias que identificam como principal provedora alguém do sexo feminino. Por outro lado, embora as mulheres no Brasil acumulem mais anos de estudos que os homens, ainda têm salários 30% menores que os homens no mercado formal, segundo dados do IBGE.

Imil – O que a motivou a criar a ONG Pro-Social e quais os resultados obtidos até agora?
Ramal – Sempre gostei de iniciativas sociais vinculadas a empreendedorismo, porque ensinam a pescar, ao invés de dar o peixe. Salvo ações de caráter emergencial, não gosto de iniciativas sociais que se baseiem na caridade a longo prazo, pois reforçam a dependência dos mais fracos e menos preparados. A Pro-Social surgiu há dez anos. Percebi que em geral as iniciativas de empreendedorismo se limitavam a qualificar empreendedores. Mas não basta qualificar, é preciso acompanha-lo, dar-lhe consultoria nos primeiros anos de existência, até que se fortaleça e consiga caminhar sozinho.

Imil – A ONG atua na formação e consultoria em gestão empresarial, com programas de geração de renda para comunidades carentes. Como é feito esse trabalho? Que tipos de projetos são desenvolvidos?
Ramal – O primeiro passo foi desenvolver a metodologia, fiz um livro didático que chegou a ser publicado pela editora Campus/Elsevier, intitulado “Como transformar seu talento em um negócio de sucesso”. O objetivo era explicar gestão de negócios para pessoas que não têm nenhuma formação na área. Usamos esse livro em nossos programas de formação. Depois da formação, procuramos acompanhar os empreendedores por alguns anos. Trabalhamos nas comunidades do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e algumas poucas iniciativas em outros estados. Uma grata surpresa foi ser convidada para capacitar professores na metodologia em um programa no Uruguai. Visitei esse país durante três anos para isso.

Trabalhamos com negócios como, por exemplo, agências de turismo, uma escola de capoeira, grupos de artesãs e comércio local. Os resultados foram muito promissores. Agora atuamos dando consultoria técnica a projetos, tudo de forma gratuita e voluntaria. Ou seja, não trabalhamos mais na ponta. Pessoalmente, além de minha empresa com fins de lucro, atuo como angel investor e mentora. Percebi que investir em negócios de jovens e aportar meu conhecimento e experiência poderia ser extremamente divertido. E, por incrível que pareça, pode ter muito alcance social. Com o tempo, percebi que um empreendimento privado pode ter tanto ou mais impacto social e econômico quanto uma ONG. Por exemplo, um empreendimento no qual sou angel investor e mentora pode gerar vários empregos qualificados, contratar fornecedores, fazer a economia girar. Meu sonho é um dia ser angel investor de um empreendimento nascido em alguma comunidade. Sei que há possibilidades concretas, e procuro acompanhar a evolução de alguns antigos alunos.

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se