Exame Logo

Economista Alexandre Schwartsman analisa as diretrizes da reforma tributária

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC acredita que a proposta caminha para resolver alguns dos principais problemas do sistema tributário brasileiro

(Instituto Millenium/Reprodução)
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 7 de junho de 2023 às 16h52.

O relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou nesta terça-feira (6) as linhas gerais da proposta. Entre outras coisas, o texto aponta para um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) para substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, e que será igual para bens e serviços. De forma macro, o economista e consultor Alexandre Schwartsman, que já foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, acredita que a proposta caminha para resolver alguns dos principais problemas do sistema tributário brasileiro. No entanto, teme que haja aumento de impostos e critica a não retirada dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus. Confira abaixo a entrevista do especialista para o Instituto Millenium:

1) Na sua opinião, quais são os principais problemas do sistema tributário atual? As diretrizes apresentadas contemplam soluções para esses problemas?

Alexandre Schwartsman - São vários, mas vale citar o próprio relatório do Deputado Aguinaldo Ribeiro, que afirma que “a tributação sobre o consumo no Brasil é complexa, disfuncional, ineficiente, desequilibrada e injusta”. Concretamente, a existência de 5 diferentes tributos administrados por 3 diferentes níveis de governo gera enorme complexidade, portanto incerteza e um contencioso tributário sem paralelo no mundo. Adicionalmente, há assimetria na tributação de bens e serviços, os últimos sujeitos, como regra, a tributação muito menor do que os primeiros, o que gera, inclusive, ineficiências na escolha de técnicas de produção (por exemplo, no setor de construção, mais uso de produção “in site” – serviço – do que a aquisição de perfis pré-fabricados, tributados como bens), além de favorecer extratos mais ricos da população, que consomem mais serviços do que os mais pobres.

Além disto, a tributação na origem leva à guerra fiscal, isto é, o oferecimento de vantagens tributárias para o estabelecimento de produção em determinados estados, sem considerações quanto ao custo logístico (proximidade de matérias primas e mercado consumidor, por exemplo), fonte de perda de produtividade e eficiência.

Persistem tributos cumulativos (isto é, tributos sobre tributos), que distorcem preços e levam à verticalização da produção, mesmo que não seja o resultado mais eficiente economicamente falando.

Há o reconhecimento destes problemas no relatório e a proposta se encaminha no sentido de resolvê-los. A proposta contempla, por exemplo, tributação em princípio igual para bens e serviços, cobrada no destino (o que elimina os incentivos para a guerra fiscal) e com pleno aproveitamento dos créditos tributários (ou seja, os impostos pagos na aquisição de insumos são descontados dos impostos a pagar na venda do produto). De maneira geral, sim, o projeto endereça alguns dos problemas listados acima.

2) Você é favorável ao IVA? Preferia o modelo unificado, ou concorda que o dual é a melhor solução? Por quê?

AS - Sim, trata-se da melhor maneira de lidar com o imposto sobre consumo, precisamente por eliminar (ou, ao menos, reduzir) as distorções acima apontadas. Isto dito, o IVA dual, em que há uma separação na gestão do IVA federal e do IVA subnacional (estados e municípios) gera risco de problemas de coordenação entre os entes subnacionais, e entre eles e o governo federal. O Conselho Federativo proposto para o IVA subnacional me parece muito próximo do CONFAZ como existe hoje, que não funciona bem e tem se mostrado inclusive incapaz de limitar ações de estados que ferem suas próprias regras.

Enfim, parece o preço a ser pago para superar restrições políticas, e mesmo um IVA dual é melhor que o regime atual (o sarrafo é muito baixo, diga-se). Mas vejo como uma oportunidade perdida, matéria na qual o país se especializou há anos.

3) Três setores (imobiliário, combustíveis e sistema financeiro) conseguiram um regime especial. Concorda com essas exceções?

AS - Em dois destes segmentos (imobiliário e financeiro) há mais dificuldade na identificação de insumo e produto, e talvez faça sentido pensar numa forma distinta de tributação. Já no caso do segmento de combustíveis e lubrificantes, me parece uma questão mais operacional: é bem mais fácil tributar no refino do que sair correndo atrás de cada posto de combustível no país.

4) Há ainda um imposto seletivo, para produtos que o governo quer desestimular (cigarro e álcool). Acha uma boa saída, uma vez que o consumo excessivo dessas substâncias pode sobrecarregar o sistema público de saúde?

AS - Se não incluir vinho e cerveja, tudo bem. Falando sério, sim, há certo consenso de que devemos tributar mais produtos (bens e serviços) que produzam aquilo que em economês chamamos de “externalidade negativa”, ou seja, um custo que não recai apenas sobre o usuário do produto, mas sobre terceiros. Assim como o consumo de tabaco e bebidas gera custos para a sociedade como um todo, além dos que recaem sobre o usuário apenas (seus problemas de saúde afetam não apenas o usuário, mas o sistema de saúde público, etc), faz sentido um tributo extra. Da mesma forma, atividades poluidoras (ou, de maneira geral, que afetem negativamente o meio ambiente) devem sofrer alguma oneração adicional, obviamente calculada de forma técnica.

5) E a Zona Franca de Manaus? Como você vê a não retirada dos benefícios fiscais dessa região específica?

AS - Bom, trata-se de uma indústria infante com 50 anos passados e mais gloriosos 50 anos à frente: uma criança centenária. É um atraso de vida, que não serviu para acelerar o desenvolvimento sustentável da região e não servirá para isto. Mas o lobby conseguiu, sem muito custo, diga-se, convencer o Congresso do contrário. Azar do país e da região; sorte das empresas que lá se instalaram. A verdade é que com a renúncia fiscal (R$ 35 bilhões orçados para 2024, pouco mais de 7% do conjunto das renúncias fiscais para o ano que vem), poderíamos financiar programas mais efetivos para desenvolver a região (maior ênfase na formação de mão-de-obra, produtos extrativos da região), mas vamos continuar com a cabeça enterrada na areia.

6) Acredita que a reforma por si só gerará aumento de tributação?

AS - Supostamente (ênfase no “supostamente”) não, na prática, provavelmente sim.

A transição (parcial e incompleta) do PIS-PASEP e da Cofins do regime cumulativo para o valor adicionado em 2003 e 2004, respectivamente, provê um exemplo prático. Em ambos os casos a mudança de regime (portanto de alíquota) seria “supostamente” neutra. No entanto, a arrecadação do PIS-PASEP saltou de R$ 45 bilhões (a preços de hoje) em 2002 para R$ 54 bilhões em 2003; já a arrecadação da Cofins, que permaneceu com as mesmas regras naquele ano, aumentou de R$ 186 bilhões para R$ 189 bilhões no mesmo período. O PIS, que equivalia a cerca de 25% da Cofins em 2002, saltou para 29% em 2003. Quando a mudança ocorreu com a Cofins, em 2004, foi esta que saltou de R$ 189 bilhões para R$ 235 bilhões, enquanto o PIS aumentou de R$ 54 bilhões para R$ 59 bilhões, isto é, voltou-se à proporção de 25%.

Ficou claro no episódio que a Receita se aproveitou da mudança de regime para elevar os tributos: como ambos são similares, mas a mudança ocorreu em anos distintos, tratou-se praticamente de um “experimento” natural. A Cofins foi o grupo de controle em 2003 e o PIS fez esta função em 2004.

Não duvido que se possa oportunisticamente elevar os tributos com a reforma, mesmo porque não teremos um grupo de controle tão nítido na transição dos atuais tributos sobre consumo para os novos, o que favorece a ação oportunista.

Veja também

O relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou nesta terça-feira (6) as linhas gerais da proposta. Entre outras coisas, o texto aponta para um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) para substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, e que será igual para bens e serviços. De forma macro, o economista e consultor Alexandre Schwartsman, que já foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, acredita que a proposta caminha para resolver alguns dos principais problemas do sistema tributário brasileiro. No entanto, teme que haja aumento de impostos e critica a não retirada dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus. Confira abaixo a entrevista do especialista para o Instituto Millenium:

1) Na sua opinião, quais são os principais problemas do sistema tributário atual? As diretrizes apresentadas contemplam soluções para esses problemas?

Alexandre Schwartsman - São vários, mas vale citar o próprio relatório do Deputado Aguinaldo Ribeiro, que afirma que “a tributação sobre o consumo no Brasil é complexa, disfuncional, ineficiente, desequilibrada e injusta”. Concretamente, a existência de 5 diferentes tributos administrados por 3 diferentes níveis de governo gera enorme complexidade, portanto incerteza e um contencioso tributário sem paralelo no mundo. Adicionalmente, há assimetria na tributação de bens e serviços, os últimos sujeitos, como regra, a tributação muito menor do que os primeiros, o que gera, inclusive, ineficiências na escolha de técnicas de produção (por exemplo, no setor de construção, mais uso de produção “in site” – serviço – do que a aquisição de perfis pré-fabricados, tributados como bens), além de favorecer extratos mais ricos da população, que consomem mais serviços do que os mais pobres.

Além disto, a tributação na origem leva à guerra fiscal, isto é, o oferecimento de vantagens tributárias para o estabelecimento de produção em determinados estados, sem considerações quanto ao custo logístico (proximidade de matérias primas e mercado consumidor, por exemplo), fonte de perda de produtividade e eficiência.

Persistem tributos cumulativos (isto é, tributos sobre tributos), que distorcem preços e levam à verticalização da produção, mesmo que não seja o resultado mais eficiente economicamente falando.

Há o reconhecimento destes problemas no relatório e a proposta se encaminha no sentido de resolvê-los. A proposta contempla, por exemplo, tributação em princípio igual para bens e serviços, cobrada no destino (o que elimina os incentivos para a guerra fiscal) e com pleno aproveitamento dos créditos tributários (ou seja, os impostos pagos na aquisição de insumos são descontados dos impostos a pagar na venda do produto). De maneira geral, sim, o projeto endereça alguns dos problemas listados acima.

2) Você é favorável ao IVA? Preferia o modelo unificado, ou concorda que o dual é a melhor solução? Por quê?

AS - Sim, trata-se da melhor maneira de lidar com o imposto sobre consumo, precisamente por eliminar (ou, ao menos, reduzir) as distorções acima apontadas. Isto dito, o IVA dual, em que há uma separação na gestão do IVA federal e do IVA subnacional (estados e municípios) gera risco de problemas de coordenação entre os entes subnacionais, e entre eles e o governo federal. O Conselho Federativo proposto para o IVA subnacional me parece muito próximo do CONFAZ como existe hoje, que não funciona bem e tem se mostrado inclusive incapaz de limitar ações de estados que ferem suas próprias regras.

Enfim, parece o preço a ser pago para superar restrições políticas, e mesmo um IVA dual é melhor que o regime atual (o sarrafo é muito baixo, diga-se). Mas vejo como uma oportunidade perdida, matéria na qual o país se especializou há anos.

3) Três setores (imobiliário, combustíveis e sistema financeiro) conseguiram um regime especial. Concorda com essas exceções?

AS - Em dois destes segmentos (imobiliário e financeiro) há mais dificuldade na identificação de insumo e produto, e talvez faça sentido pensar numa forma distinta de tributação. Já no caso do segmento de combustíveis e lubrificantes, me parece uma questão mais operacional: é bem mais fácil tributar no refino do que sair correndo atrás de cada posto de combustível no país.

4) Há ainda um imposto seletivo, para produtos que o governo quer desestimular (cigarro e álcool). Acha uma boa saída, uma vez que o consumo excessivo dessas substâncias pode sobrecarregar o sistema público de saúde?

AS - Se não incluir vinho e cerveja, tudo bem. Falando sério, sim, há certo consenso de que devemos tributar mais produtos (bens e serviços) que produzam aquilo que em economês chamamos de “externalidade negativa”, ou seja, um custo que não recai apenas sobre o usuário do produto, mas sobre terceiros. Assim como o consumo de tabaco e bebidas gera custos para a sociedade como um todo, além dos que recaem sobre o usuário apenas (seus problemas de saúde afetam não apenas o usuário, mas o sistema de saúde público, etc), faz sentido um tributo extra. Da mesma forma, atividades poluidoras (ou, de maneira geral, que afetem negativamente o meio ambiente) devem sofrer alguma oneração adicional, obviamente calculada de forma técnica.

5) E a Zona Franca de Manaus? Como você vê a não retirada dos benefícios fiscais dessa região específica?

AS - Bom, trata-se de uma indústria infante com 50 anos passados e mais gloriosos 50 anos à frente: uma criança centenária. É um atraso de vida, que não serviu para acelerar o desenvolvimento sustentável da região e não servirá para isto. Mas o lobby conseguiu, sem muito custo, diga-se, convencer o Congresso do contrário. Azar do país e da região; sorte das empresas que lá se instalaram. A verdade é que com a renúncia fiscal (R$ 35 bilhões orçados para 2024, pouco mais de 7% do conjunto das renúncias fiscais para o ano que vem), poderíamos financiar programas mais efetivos para desenvolver a região (maior ênfase na formação de mão-de-obra, produtos extrativos da região), mas vamos continuar com a cabeça enterrada na areia.

6) Acredita que a reforma por si só gerará aumento de tributação?

AS - Supostamente (ênfase no “supostamente”) não, na prática, provavelmente sim.

A transição (parcial e incompleta) do PIS-PASEP e da Cofins do regime cumulativo para o valor adicionado em 2003 e 2004, respectivamente, provê um exemplo prático. Em ambos os casos a mudança de regime (portanto de alíquota) seria “supostamente” neutra. No entanto, a arrecadação do PIS-PASEP saltou de R$ 45 bilhões (a preços de hoje) em 2002 para R$ 54 bilhões em 2003; já a arrecadação da Cofins, que permaneceu com as mesmas regras naquele ano, aumentou de R$ 186 bilhões para R$ 189 bilhões no mesmo período. O PIS, que equivalia a cerca de 25% da Cofins em 2002, saltou para 29% em 2003. Quando a mudança ocorreu com a Cofins, em 2004, foi esta que saltou de R$ 189 bilhões para R$ 235 bilhões, enquanto o PIS aumentou de R$ 54 bilhões para R$ 59 bilhões, isto é, voltou-se à proporção de 25%.

Ficou claro no episódio que a Receita se aproveitou da mudança de regime para elevar os tributos: como ambos são similares, mas a mudança ocorreu em anos distintos, tratou-se praticamente de um “experimento” natural. A Cofins foi o grupo de controle em 2003 e o PIS fez esta função em 2004.

Não duvido que se possa oportunisticamente elevar os tributos com a reforma, mesmo porque não teremos um grupo de controle tão nítido na transição dos atuais tributos sobre consumo para os novos, o que favorece a ação oportunista.

Acompanhe tudo sobre:Reforma tributária

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se