Exame Logo

Carlos de Melo: “O malandro não pode ser o nosso modelo de liderança”

Imaginar Steve Jobs segurando um Iphone e atrás dele visualizar figuras como Renan Calheiros. Esse é o desafio que cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Carlos de Melo, propõe a seus alunos para ilustrar a incompatibilidade entre a política nacional e a sociedade atual. Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, Melo aponta o respeito aos valores éticos e a compreensão da sociedade atual como os principais desafios […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 15 de fevereiro de 2013 às 11h10.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 09h09.

Carlos de Melo

Imaginar Steve Jobs segurando um Iphone e atrás dele visualizar figuras como Renan Calheiros. Esse é o desafio que cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Carlos de Melo, propõe a seus alunos para ilustrar a incompatibilidade entre a política nacional e a sociedade atual. Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, Melo aponta o respeito aos valores éticos e a compreensão da sociedade atual como os principais desafios das lideranças políticas no século XXI.

Nessa conversa, ele alerta para o anacronismo da política nacional e explica que ela deve ser a síntese de uma sociedade, estando na vanguarda e conduzindo os cidadãos. Para Melo, vivemos uma crise política agravada pela falta de figuras públicas em que os jovens possam se espelhar. “Será que as instituições norte-americanas teriam a qualidade que elas têm se não tivessem existido George Washington, Thomas Jefferson e Abraham Lincoln?”.

Instituto Millenium: Qual é o perfil da nova geração de líderes brasileiros?
Carlos de Melo: Há uma crise de liderança política no Brasil. Os líderes não são exatamente líderes. Em primeiro lugar, é preciso distinguir poder e liderança. O sujeito pode ter poder e não ser um líder. O poder é o controle de meios muitos explícitos. Enquanto que a liderança é uma adesão, uma concordância ao líder. O líder não deixa de ter um certo carisma. Temos mania de achar que o carisma é um mal porque o confundimos com populismo. Se diz muito que tanto Fernando Henrique Cardoso quanto o Lula são figuras absolutamente sedutoras. É necessário que eles tenham essa característica de saber seduzir, persuadir, mais do que simplesmente ter o controle do Diário Oficial e da folha de pagamentos. Em muitos casos, o que tem acontecido hoje é uma confusão entre liderança e poder.  Algumas pessoas julgam-se líderes por terem o poder e não o são. Estamos chamando de líderes pessoas simplesmente poderosas, que alcançaram o poder sem exercer a liderança.

Há uma escassez muito grande de pessoas com capacidade de persuasão e de sedução em torno de ideias

Quando a gente olha para a liderança política brasileira, vemos muito mais pessoas que tem o poder, mas não têm liderança. Elas não têm capacidade de se fazer seguir. Normalmente são levadas pelo senso comum e não conseguem colocar questões novas, diferentes e criativas. Esse é um grande problema para o que chamo de crise de liderança política. Por mais que o Jack Welch e Lee Iacocca tenham sido grandes líderes empresariais, nunca vamos poder afirmar que a dramaticidade das suas decisões possam ser comparadas com as de Churchill e Roosevelt.

Há uma escassez muito grande de pessoas com capacidade de persuasão e de sedução em torno de ideias, de projetos e de uma perspectiva de futuro e de mudanças. Não se trata do bonitão por quem todo mundo se encanta, mas do cara que tem ideias e que aponta caminhos novos. Abraham Lincoln era um sujeito feiosíssimo e, no entanto, tinha uma capacidade de encantamento e persuasão extraordinária.

Imil: Ainda vemos casos de médicos, empresários e advogados negligentes. O que falta para formarmos profissionais mais comprometidos com os valores éticos de suas respectivas profissões?
Carlos de Melo: Em primeiro lugar não podemos imaginar que as escolas possam substituir as famílias. O sujeito aprende os valores éticos com os pais. Sou professor há vários anos e formei muita gente, acho que essa é uma confusão que a gente não pode cometer. A escola, por sua vez, tem obrigação de insistir e alertar os alunos em relação aos valores éticos. Ela precisa provar que a escolha correta é melhor coletivamente. Mas isso deve se somar ao esforço das famílias.

Na política também é necessário ter exemplos morais, não se trata de ter moralistas. É necessário que se reconheçam pessoas que fazem as coisas certas como modelos para a política e para a sociedade. O malandro não pode ser o nosso modelo. É preciso ir contra essa corrente de que a esperteza, a malandragem e o jeitinho são mais vantajosos do que o correto. A vantagem individual pode gerar um desastre coletivo. Tanto o Renan Calheiros quanto o Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha não são exemplos de sagacidade, porque a política sempre teve essa coisa do líder sagaz e sensitivo. Ulisses Guimarães e Tancredo Neves eram extremamente sagazes. Hoje, não estamos falando de sagacidade mas de fisiologismo. Estamos falando de tirar proveito de relações políticas para interesses individuais ou de grupos. Isso é um mau exemplo.

Eu costumo fazer a seguinte brincadeira em sala de aula. Peço para os meus alunos mentalizarem a imagem do Steve Jobs com o Iphone na mão e atrás dele o Renan Calheiros e o Henrique Eduardo Alves. Depois pergunto o que eles têm a ver com essa nova sociedade cujo Iphone é um símbolo. A resposta é nenhuma. Ou seja, há um abismo brutal entre sociedade e política. Enquanto a sociedade foi para um lado, a política ficou paralisada, na melhor das hipóteses, ou regrediu. Esses nomes que estão no Congresso representam uma sociedade arcaica que não tem nada a ver com a nova. Isso é um grande problema. Por definição, a política precisa ser a síntese de uma sociedade e não estar atrás dela. A política tem que ser vanguarda. No Brasil sempre tivemos um conflito entre a vanguarda e o atraso. Hoje em dia não há mais esse conflito. Ninguém reconhece a vanguarda na política; ela se retirou. Até agora não foi provado que haja, de fato, uma nova geração de líderes.

Imil: Existe uma postura mais madura e comprometida nos jovens de hoje?
Carlos de Melo: Em virtude de uma série de fatores a adolescência está se prolongando por muito mais tempo; demorado cada vez mais para assumir a idade adulta, a maturidade e a responsabilidade. O universo das novas tecnologias tem mudado a postura dos jovens. Ele dá mais recursos, mas também os compromete em termos de atenção e dedicação. É muito difícil afirmar que houve uma melhora. Cada geração tem as suas características. Os jovens de hoje têm características muito específicas, mas isso não os torna nem melhores e nem piores do que a anterior. Não os vejo assumindo mais responsabilidades e, sob esse aspecto, ela tem características muito parecidas com as gerações anteriores.

Imil: Qual é o principal desafio dos líderes do século XXI?
Carlos de Melo: O desafio dos líderes é entender essa nova sociedade e saber para onde o mundo está indo em vez de ficar discutindo demandas corporativas ou interesses de grupos, como os cargos do governo. A política tem que ser algo muito maior do que isso. Quem é o político que discute essa nova sociedade? Os líderes precisam resgatar a grande política, a que conduz a sociedade. É preciso fazer com quem as pessoas encarem este desafio.

Imil: Em uma entrevista recente, o senhor citou o livro “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, para falar da presença do desleixo na formação da “alma brasileira”. Em que medida essa característica está presente na postura dos líderes nacionais?
Carlos de Melo: Na verdade, há um grande improviso de tudo. Não se busca fazer nada como dever ser feito. Existe algo mais nacional do que a gambiarra, do que essa improvisação? Nós chamamos isso de criatividade, mas é um grande problema quando criatividade significa um rebaixamento daquilo que é necessário fazer. A frase do Sérgio Buarque de Holanda diz o seguinte “não é falta de energia, não é falta de capacidade, mas a íntima convicção de que não vale a pena”. Ao invés de resolvermos questões como a burocracia, simplificando e buscando o que é tecnicamente melhor, a gente não faz bem feito. Isso pode significar tanto uma grande perda de produtividade, quando falamos de empresas, e uma grande tragédia quando se trata da segurança das pessoas.

A expressão “jeitinho brasileiro” é absolutamente ambígua porque tanto pode significar alguma coisa grandiosa do ponto de vista da criatividade, como pode significar a esperteza e o mal coletivo em busca da vantagem individual. Temos que diferenciar o que é desleixo e esperteza gananciosa do que é criatividade e capacidade de adaptação.

Imil: O que ainda falta para que o Brasil alcance o nível de formação de líderes dos países desenvolvidos?
Carlos de Melo: Quando a gente fala dos países desenvolvidos, é claro que os EUA vêm a nossa cabeça. As instituições norte-americanas funcionam. Será que as instituições norte-americanas teriam a qualidade que elas têm se não tivessem existido uma George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt, Franklin D. Roosevelt?

Será que as instituições europeias teriam o grau de preocupação que têm se não tivessem passado por lá figuras como De Gaulle, Konrad Adenauer, Felipe González, François Mitterrand e Margaret Thatcher? Então, para formar líderes é preciso ter exemplos em que os jovens possam se espelhar. Mas vivemos uma crise de liderança. E crise é justamente o momento em que a gente não consegue compreender por onde sair. A situação é mais ou menos como um minotauro em um labirinto. É exasperador e não te mostra saída. A gente tem que afastar o animal e encontrar a saída desse labirinto.

Carlos de Melo

Imaginar Steve Jobs segurando um Iphone e atrás dele visualizar figuras como Renan Calheiros. Esse é o desafio que cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Carlos de Melo, propõe a seus alunos para ilustrar a incompatibilidade entre a política nacional e a sociedade atual. Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, Melo aponta o respeito aos valores éticos e a compreensão da sociedade atual como os principais desafios das lideranças políticas no século XXI.

Nessa conversa, ele alerta para o anacronismo da política nacional e explica que ela deve ser a síntese de uma sociedade, estando na vanguarda e conduzindo os cidadãos. Para Melo, vivemos uma crise política agravada pela falta de figuras públicas em que os jovens possam se espelhar. “Será que as instituições norte-americanas teriam a qualidade que elas têm se não tivessem existido George Washington, Thomas Jefferson e Abraham Lincoln?”.

Instituto Millenium: Qual é o perfil da nova geração de líderes brasileiros?
Carlos de Melo: Há uma crise de liderança política no Brasil. Os líderes não são exatamente líderes. Em primeiro lugar, é preciso distinguir poder e liderança. O sujeito pode ter poder e não ser um líder. O poder é o controle de meios muitos explícitos. Enquanto que a liderança é uma adesão, uma concordância ao líder. O líder não deixa de ter um certo carisma. Temos mania de achar que o carisma é um mal porque o confundimos com populismo. Se diz muito que tanto Fernando Henrique Cardoso quanto o Lula são figuras absolutamente sedutoras. É necessário que eles tenham essa característica de saber seduzir, persuadir, mais do que simplesmente ter o controle do Diário Oficial e da folha de pagamentos. Em muitos casos, o que tem acontecido hoje é uma confusão entre liderança e poder.  Algumas pessoas julgam-se líderes por terem o poder e não o são. Estamos chamando de líderes pessoas simplesmente poderosas, que alcançaram o poder sem exercer a liderança.

Há uma escassez muito grande de pessoas com capacidade de persuasão e de sedução em torno de ideias

Quando a gente olha para a liderança política brasileira, vemos muito mais pessoas que tem o poder, mas não têm liderança. Elas não têm capacidade de se fazer seguir. Normalmente são levadas pelo senso comum e não conseguem colocar questões novas, diferentes e criativas. Esse é um grande problema para o que chamo de crise de liderança política. Por mais que o Jack Welch e Lee Iacocca tenham sido grandes líderes empresariais, nunca vamos poder afirmar que a dramaticidade das suas decisões possam ser comparadas com as de Churchill e Roosevelt.

Há uma escassez muito grande de pessoas com capacidade de persuasão e de sedução em torno de ideias, de projetos e de uma perspectiva de futuro e de mudanças. Não se trata do bonitão por quem todo mundo se encanta, mas do cara que tem ideias e que aponta caminhos novos. Abraham Lincoln era um sujeito feiosíssimo e, no entanto, tinha uma capacidade de encantamento e persuasão extraordinária.

Imil: Ainda vemos casos de médicos, empresários e advogados negligentes. O que falta para formarmos profissionais mais comprometidos com os valores éticos de suas respectivas profissões?
Carlos de Melo: Em primeiro lugar não podemos imaginar que as escolas possam substituir as famílias. O sujeito aprende os valores éticos com os pais. Sou professor há vários anos e formei muita gente, acho que essa é uma confusão que a gente não pode cometer. A escola, por sua vez, tem obrigação de insistir e alertar os alunos em relação aos valores éticos. Ela precisa provar que a escolha correta é melhor coletivamente. Mas isso deve se somar ao esforço das famílias.

Na política também é necessário ter exemplos morais, não se trata de ter moralistas. É necessário que se reconheçam pessoas que fazem as coisas certas como modelos para a política e para a sociedade. O malandro não pode ser o nosso modelo. É preciso ir contra essa corrente de que a esperteza, a malandragem e o jeitinho são mais vantajosos do que o correto. A vantagem individual pode gerar um desastre coletivo. Tanto o Renan Calheiros quanto o Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha não são exemplos de sagacidade, porque a política sempre teve essa coisa do líder sagaz e sensitivo. Ulisses Guimarães e Tancredo Neves eram extremamente sagazes. Hoje, não estamos falando de sagacidade mas de fisiologismo. Estamos falando de tirar proveito de relações políticas para interesses individuais ou de grupos. Isso é um mau exemplo.

Eu costumo fazer a seguinte brincadeira em sala de aula. Peço para os meus alunos mentalizarem a imagem do Steve Jobs com o Iphone na mão e atrás dele o Renan Calheiros e o Henrique Eduardo Alves. Depois pergunto o que eles têm a ver com essa nova sociedade cujo Iphone é um símbolo. A resposta é nenhuma. Ou seja, há um abismo brutal entre sociedade e política. Enquanto a sociedade foi para um lado, a política ficou paralisada, na melhor das hipóteses, ou regrediu. Esses nomes que estão no Congresso representam uma sociedade arcaica que não tem nada a ver com a nova. Isso é um grande problema. Por definição, a política precisa ser a síntese de uma sociedade e não estar atrás dela. A política tem que ser vanguarda. No Brasil sempre tivemos um conflito entre a vanguarda e o atraso. Hoje em dia não há mais esse conflito. Ninguém reconhece a vanguarda na política; ela se retirou. Até agora não foi provado que haja, de fato, uma nova geração de líderes.

Imil: Existe uma postura mais madura e comprometida nos jovens de hoje?
Carlos de Melo: Em virtude de uma série de fatores a adolescência está se prolongando por muito mais tempo; demorado cada vez mais para assumir a idade adulta, a maturidade e a responsabilidade. O universo das novas tecnologias tem mudado a postura dos jovens. Ele dá mais recursos, mas também os compromete em termos de atenção e dedicação. É muito difícil afirmar que houve uma melhora. Cada geração tem as suas características. Os jovens de hoje têm características muito específicas, mas isso não os torna nem melhores e nem piores do que a anterior. Não os vejo assumindo mais responsabilidades e, sob esse aspecto, ela tem características muito parecidas com as gerações anteriores.

Imil: Qual é o principal desafio dos líderes do século XXI?
Carlos de Melo: O desafio dos líderes é entender essa nova sociedade e saber para onde o mundo está indo em vez de ficar discutindo demandas corporativas ou interesses de grupos, como os cargos do governo. A política tem que ser algo muito maior do que isso. Quem é o político que discute essa nova sociedade? Os líderes precisam resgatar a grande política, a que conduz a sociedade. É preciso fazer com quem as pessoas encarem este desafio.

Imil: Em uma entrevista recente, o senhor citou o livro “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, para falar da presença do desleixo na formação da “alma brasileira”. Em que medida essa característica está presente na postura dos líderes nacionais?
Carlos de Melo: Na verdade, há um grande improviso de tudo. Não se busca fazer nada como dever ser feito. Existe algo mais nacional do que a gambiarra, do que essa improvisação? Nós chamamos isso de criatividade, mas é um grande problema quando criatividade significa um rebaixamento daquilo que é necessário fazer. A frase do Sérgio Buarque de Holanda diz o seguinte “não é falta de energia, não é falta de capacidade, mas a íntima convicção de que não vale a pena”. Ao invés de resolvermos questões como a burocracia, simplificando e buscando o que é tecnicamente melhor, a gente não faz bem feito. Isso pode significar tanto uma grande perda de produtividade, quando falamos de empresas, e uma grande tragédia quando se trata da segurança das pessoas.

A expressão “jeitinho brasileiro” é absolutamente ambígua porque tanto pode significar alguma coisa grandiosa do ponto de vista da criatividade, como pode significar a esperteza e o mal coletivo em busca da vantagem individual. Temos que diferenciar o que é desleixo e esperteza gananciosa do que é criatividade e capacidade de adaptação.

Imil: O que ainda falta para que o Brasil alcance o nível de formação de líderes dos países desenvolvidos?
Carlos de Melo: Quando a gente fala dos países desenvolvidos, é claro que os EUA vêm a nossa cabeça. As instituições norte-americanas funcionam. Será que as instituições norte-americanas teriam a qualidade que elas têm se não tivessem existido uma George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt, Franklin D. Roosevelt?

Será que as instituições europeias teriam o grau de preocupação que têm se não tivessem passado por lá figuras como De Gaulle, Konrad Adenauer, Felipe González, François Mitterrand e Margaret Thatcher? Então, para formar líderes é preciso ter exemplos em que os jovens possam se espelhar. Mas vivemos uma crise de liderança. E crise é justamente o momento em que a gente não consegue compreender por onde sair. A situação é mais ou menos como um minotauro em um labirinto. É exasperador e não te mostra saída. A gente tem que afastar o animal e encontrar a saída desse labirinto.

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se