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A crise nos estados brasileiros: o caso Rio Grande do Sul

Millenium Fiscaliza: "A conta, mais uma vez, é o contribuinte quem paga"

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institutomillenium

Publicado em 27 de janeiro de 2020 às 10h27.

Quem acompanha o Millenium Fiscaliza sabe de nossa constante preocupação com o que é feito com o dinheiro dos contribuintes brasileiros. Em nossa última coluna, tratamos da imensa crise que assola grande parte dos nossos entes nacionais, com foco no caso mais grave, o do Rio de Janeiro. Pudemos ver, por exemplo, como a dívida pública do estado com a União é simplesmente estarrecedora e que isso se deve em grande parte pela má gestão das finanças públicas por parte do estado, além do superfaturamento de obras e enriquecimento ilícito dos políticos fluminenses. Entretanto, o caso do Rio de Janeiro não é o único. Hoje, vamos tratar de mais um estado que vive muitas dificuldades no que se refere às contas públicas: o Rio Grande do Sul que, atualmente, encontra-se com uma dívida consolidada em um valor que se aproxima dos R$85 bilhões de reais (veja tabela abaixo), dentre os quais, segundo dados de 2018, R$ 63 bilhões referem-se apenas à dívidas com a União. Além disso, o estado possui passivos com precatórios (R$ 8,3 bilhões), com pagamento de juros decorrentes do uso de depósitos judiciais não tributários (R$ 1,1 bilhão) e pelo não pagamento do piso do magistério (R$ 10 bilhões). Esta situação fez com que o governador, Eduardo Leite, se pronunciasse sobre o tema – e deixasse claro que, mais uma vez, quem pagará essa conta será a população. O governador afirmou que, diante da recuperação fiscal em que o Rio Grande do Sul entrou em 2018, parte dos investimentos atuais e futuros do estado estão comprometidos. “Os próximos governos vão ser chamados a pagar com juros os R$ 11 bilhões que deixarão de ser pagos nos próximos anos”, sentenciou. Ou isso, ou o estado para. Segundo Bruno Jatene, o subsecretário do Tesouro, o valor total desta dívida seria o equivalente a cada gaúcho, hoje, estar em déficit de R$ 6.640,00, em média.

Essa quantia se originou a partir de dois contratos de financiamento com organismos multilaterais e bancos de desenvolvimentos internacionais, entre eles o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamenicano de Desenvolvimento (BID). A ideia dos contratos era, por exemplo, conseguir, no ano de 1995, revitalizar a bacia hidrográfica através do Programa Pró-Guaíba, reformar escolas e fazer a manutenção de rodovias no Programa de Apoio a Retomada do Desenvolvimento Econômico e Social (ProRedes), entre outros fins. O problema é que isto culminou em um endividamento que, em relação à Receita Corrente Líquida (RCL), se encontra atualmente como o segundo pior do país, com índice de 2,23, abaixo apenas do estado do Rio de Janeiro, cujo índice é de 2,62.

Segundo o RRF (Regime de Recuperação Fiscal), o desequilíbrio financeiro pode ser considerado grave quando três fatores são observados: quando a receita corrente líquida é menor que a dívida consolidada ao final do último exercício; quando seus juros e amortizações são iguais ou maiores a 70% da RCL e quando suas obrigações estão com valor total superior às disponibilidades de caixa. Esses três quesitos são tidos como pré-requisitos para que um estado possa aderir ao regime de recuperação fiscal – e este é exatamente o caso em que se encontra o Rio Grande do Sul.

O estado está, desde 1998, obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (R$46 bilhões em valores corrigidos) à União, distribuídos em 30 anos, com juros de 6% ao ano mais correção pelo IGP-DI. O que agrava esta situação é que, na utilização do indexador, que acabou subindo além do esperado, acabou-se aumentando muito este passivo, tornando a dívida praticamente impagável. Em 2018, após já ter repassado mais de R$30 bilhões à União, o estado ainda devia cerca de R$ 63 bilhões aos cofres federais, ou seja, apesar de já ter pago três vezes mais do que o valor da dívida, o Rio Grande do Sul deve ainda mais que o dobro do que já pagou. É que este índice é altamente sensível à variação do câmbio, levando algumas commodities a terem seus preços determinados internacionalmente, através da variação do dólar. Com isso, quando o dólar valoriza, o serviço da dívida aumenta, expondo o estado a um “risco cambial”.

Ainda segundo o governador Eduardo Leite, o estado não tem condições de retomar o pagamento de parcelas milionárias mensalmente. Além disso, ele ainda teme que o estado seja cobrado em mais de 6,5 bilhões por ter desrespeitado a regra do teto de gastos, prevista na renegociação da dívida. “Aderir ao regime de recuperação é determinante. Não é mais uma opção. É uma necessidade que se impõe”, acrescentou o governador. “Como a gente não consegue fazer isso de uma hora para a outra especificamente em relação à dívida, a gente precisa de uma carência, precisa de tempo, continuar sem pagar a dívida durante alguns anos”, concluiu.

Atualmente, após liminar expedida em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o estado não se vê obrigado a pagar o valor mensal de aproximadamente R$300 milhões por mês. A decisão determinou que a União deixe de cobrar o contrato de refinanciamento da dívida, já que o estado não tem quaisquer condições financeiras para manter estes pagamentos. Um dos primeiros passos para amenizar a crise financeira do estado seria conseguir a privatização de empresas como a CEEE, CRM e Sul Gás. Essa medida é uma das exigências da União para que se possa firmar um acordo de recuperação com o estado. Segundo o secretário de Fazenda do estado, Marco Aurélio Cardoso, “o que é importante nesse momento é a gente construir um cenário de superávit para o estado. Enquanto a gente não conseguir parar de gerar déficits, a gente não vai conseguir estancar o crescimento da dívida”.

Com as privatizações, o governo espera, além de novos investimentos, conseguir aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, podendo assim suspender o pagamento da dívida por 3 anos e garantir que este prazo seja prorrogado por mais 3 anos. O governador, apesar do cenário, mantém o otimismo: “Encaminhamos agora os projetos de lei para a Assembleia e, uma vez que eles sejam aprovados, temos a expectativa de que isso aconteça até o final do primeiro semestre, antes do recesso parlamentar programado para 15 de julho, e aí nós estaremos muito próximos da assinatura do Regime de Recuperação Fiscal com a União”.

O momento não seria mais oportuno para concluir as vendas das estatais, já que o governo conseguiu, em maio de 2019, a aprovação na Assembleia Legislativa de uma PEC que retira a obrigatoriedade de submeter a venda das estatais a um plebiscito, como é previsto em lei estadual. Apesar de não serem encontrados casos de corrupção diretamente relacionados ao endividamento do estado, podemos notar que a administração precária levou à falta de visão na escolha de um planejamento correto para não continuar a aumentar o valor da dívida no decorrer dos anos. O uso equivocado do indexador (IGP-DI) e o aumento de gastos do governo deixaram o estado nessa situação complexa e, caso não se comece imediatamente a construir um cenário mínimo de superávit ou, pelo menos, inverter as constantes perdas, o Rio Grande do Sul não conseguirá estancar o crescimento da dívida, fazendo com que outras áreas do orçamento do estado comecem a ser prejudicadas. O resultado disso seria que o governo gastasse, mês a mês, parte desses investimentos no pagamento de juros e mais juros relativos às dívidas acumuladas. A conta, mais uma vez, é o contribuinte quem paga.

Dicas do IMIL

A população gaúcha precisa cobrar os seus deputados sobre essa situação calamitosa em que o estado se encontra. Mesmo que muitos dos responsáveis por essa crise não sejam os atuais representantes da população, é um dever de todos eles prezar pelo povo gaúcho. Não deixe de entrar em contato com o seu deputado (no site da câmara dos deputados ) para exigir as medidas cabíveis nessa situação em que um dos mais importantes estados brasileiros se encontra.

Quem acompanha o Millenium Fiscaliza sabe de nossa constante preocupação com o que é feito com o dinheiro dos contribuintes brasileiros. Em nossa última coluna, tratamos da imensa crise que assola grande parte dos nossos entes nacionais, com foco no caso mais grave, o do Rio de Janeiro. Pudemos ver, por exemplo, como a dívida pública do estado com a União é simplesmente estarrecedora e que isso se deve em grande parte pela má gestão das finanças públicas por parte do estado, além do superfaturamento de obras e enriquecimento ilícito dos políticos fluminenses. Entretanto, o caso do Rio de Janeiro não é o único. Hoje, vamos tratar de mais um estado que vive muitas dificuldades no que se refere às contas públicas: o Rio Grande do Sul que, atualmente, encontra-se com uma dívida consolidada em um valor que se aproxima dos R$85 bilhões de reais (veja tabela abaixo), dentre os quais, segundo dados de 2018, R$ 63 bilhões referem-se apenas à dívidas com a União. Além disso, o estado possui passivos com precatórios (R$ 8,3 bilhões), com pagamento de juros decorrentes do uso de depósitos judiciais não tributários (R$ 1,1 bilhão) e pelo não pagamento do piso do magistério (R$ 10 bilhões). Esta situação fez com que o governador, Eduardo Leite, se pronunciasse sobre o tema – e deixasse claro que, mais uma vez, quem pagará essa conta será a população. O governador afirmou que, diante da recuperação fiscal em que o Rio Grande do Sul entrou em 2018, parte dos investimentos atuais e futuros do estado estão comprometidos. “Os próximos governos vão ser chamados a pagar com juros os R$ 11 bilhões que deixarão de ser pagos nos próximos anos”, sentenciou. Ou isso, ou o estado para. Segundo Bruno Jatene, o subsecretário do Tesouro, o valor total desta dívida seria o equivalente a cada gaúcho, hoje, estar em déficit de R$ 6.640,00, em média.

Essa quantia se originou a partir de dois contratos de financiamento com organismos multilaterais e bancos de desenvolvimentos internacionais, entre eles o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamenicano de Desenvolvimento (BID). A ideia dos contratos era, por exemplo, conseguir, no ano de 1995, revitalizar a bacia hidrográfica através do Programa Pró-Guaíba, reformar escolas e fazer a manutenção de rodovias no Programa de Apoio a Retomada do Desenvolvimento Econômico e Social (ProRedes), entre outros fins. O problema é que isto culminou em um endividamento que, em relação à Receita Corrente Líquida (RCL), se encontra atualmente como o segundo pior do país, com índice de 2,23, abaixo apenas do estado do Rio de Janeiro, cujo índice é de 2,62.

Segundo o RRF (Regime de Recuperação Fiscal), o desequilíbrio financeiro pode ser considerado grave quando três fatores são observados: quando a receita corrente líquida é menor que a dívida consolidada ao final do último exercício; quando seus juros e amortizações são iguais ou maiores a 70% da RCL e quando suas obrigações estão com valor total superior às disponibilidades de caixa. Esses três quesitos são tidos como pré-requisitos para que um estado possa aderir ao regime de recuperação fiscal – e este é exatamente o caso em que se encontra o Rio Grande do Sul.

O estado está, desde 1998, obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (R$46 bilhões em valores corrigidos) à União, distribuídos em 30 anos, com juros de 6% ao ano mais correção pelo IGP-DI. O que agrava esta situação é que, na utilização do indexador, que acabou subindo além do esperado, acabou-se aumentando muito este passivo, tornando a dívida praticamente impagável. Em 2018, após já ter repassado mais de R$30 bilhões à União, o estado ainda devia cerca de R$ 63 bilhões aos cofres federais, ou seja, apesar de já ter pago três vezes mais do que o valor da dívida, o Rio Grande do Sul deve ainda mais que o dobro do que já pagou. É que este índice é altamente sensível à variação do câmbio, levando algumas commodities a terem seus preços determinados internacionalmente, através da variação do dólar. Com isso, quando o dólar valoriza, o serviço da dívida aumenta, expondo o estado a um “risco cambial”.

Ainda segundo o governador Eduardo Leite, o estado não tem condições de retomar o pagamento de parcelas milionárias mensalmente. Além disso, ele ainda teme que o estado seja cobrado em mais de 6,5 bilhões por ter desrespeitado a regra do teto de gastos, prevista na renegociação da dívida. “Aderir ao regime de recuperação é determinante. Não é mais uma opção. É uma necessidade que se impõe”, acrescentou o governador. “Como a gente não consegue fazer isso de uma hora para a outra especificamente em relação à dívida, a gente precisa de uma carência, precisa de tempo, continuar sem pagar a dívida durante alguns anos”, concluiu.

Atualmente, após liminar expedida em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o estado não se vê obrigado a pagar o valor mensal de aproximadamente R$300 milhões por mês. A decisão determinou que a União deixe de cobrar o contrato de refinanciamento da dívida, já que o estado não tem quaisquer condições financeiras para manter estes pagamentos. Um dos primeiros passos para amenizar a crise financeira do estado seria conseguir a privatização de empresas como a CEEE, CRM e Sul Gás. Essa medida é uma das exigências da União para que se possa firmar um acordo de recuperação com o estado. Segundo o secretário de Fazenda do estado, Marco Aurélio Cardoso, “o que é importante nesse momento é a gente construir um cenário de superávit para o estado. Enquanto a gente não conseguir parar de gerar déficits, a gente não vai conseguir estancar o crescimento da dívida”.

Com as privatizações, o governo espera, além de novos investimentos, conseguir aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, podendo assim suspender o pagamento da dívida por 3 anos e garantir que este prazo seja prorrogado por mais 3 anos. O governador, apesar do cenário, mantém o otimismo: “Encaminhamos agora os projetos de lei para a Assembleia e, uma vez que eles sejam aprovados, temos a expectativa de que isso aconteça até o final do primeiro semestre, antes do recesso parlamentar programado para 15 de julho, e aí nós estaremos muito próximos da assinatura do Regime de Recuperação Fiscal com a União”.

O momento não seria mais oportuno para concluir as vendas das estatais, já que o governo conseguiu, em maio de 2019, a aprovação na Assembleia Legislativa de uma PEC que retira a obrigatoriedade de submeter a venda das estatais a um plebiscito, como é previsto em lei estadual. Apesar de não serem encontrados casos de corrupção diretamente relacionados ao endividamento do estado, podemos notar que a administração precária levou à falta de visão na escolha de um planejamento correto para não continuar a aumentar o valor da dívida no decorrer dos anos. O uso equivocado do indexador (IGP-DI) e o aumento de gastos do governo deixaram o estado nessa situação complexa e, caso não se comece imediatamente a construir um cenário mínimo de superávit ou, pelo menos, inverter as constantes perdas, o Rio Grande do Sul não conseguirá estancar o crescimento da dívida, fazendo com que outras áreas do orçamento do estado comecem a ser prejudicadas. O resultado disso seria que o governo gastasse, mês a mês, parte desses investimentos no pagamento de juros e mais juros relativos às dívidas acumuladas. A conta, mais uma vez, é o contribuinte quem paga.

Dicas do IMIL

A população gaúcha precisa cobrar os seus deputados sobre essa situação calamitosa em que o estado se encontra. Mesmo que muitos dos responsáveis por essa crise não sejam os atuais representantes da população, é um dever de todos eles prezar pelo povo gaúcho. Não deixe de entrar em contato com o seu deputado (no site da câmara dos deputados ) para exigir as medidas cabíveis nessa situação em que um dos mais importantes estados brasileiros se encontra.

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