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A crise nos estados brasileiros: o caso Alagoas

Os setores públicos vem sofrendo brutalmente para que o estado torne possível o pagamento de sua dívida

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institutomillenium

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 11h10.

Quem acompanha o Millenium Fiscaliza vai lembrar que já tratamos da crise no estado do Rio de Janeiro, causada principalmente pela corrupção e pelas obras superfaturadas no contexto da preparação para a Copa do Mundo e Olimpíadas. Depois, tratamos da crise no estado do Rio Grande do Sul, em grande parte causada pela forma como os governos financiaram a dívida pública com os bancos: os juros eram tão altos que, mesmo pagando valores que impactavam fortemente os cofres públicos, a dívida se tornou praticamente impossível de ser paga. Hoje, o nosso assunto será outro estado com um grande endividamento público: o de Alagoas.

Alagoas se encontra atualmente entre os quatro estados com o maior valor de dívida com a União. Para se ter uma ideia do problema, o socorro financeiro do governo ao pagamento de suas dívidas teve um impacto, entre 2017 e 2019, de R$ 90,3 bilhões nas contas públicas. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas e Rio Grande do Sul são responsáveis por 90% do total desse valor. Ou seja, apenas 5 estados da União acumulam dívidas que, juntas, representam quase a totalidade do que os estados brasileiros devem ao erário.

Em 2017, de acordo com levantamento feito pela Gazeta, a dívida de Alagoas chegava a R$ 6,8 bilhões, porém a estimativa é de que esse valor já tenha superado os R$ 10 bilhões. Segundo a matéria, “em 2012, o estado de Alagoas pagou ao serviço da dívida pública R$ 766 milhões, valor superior aos gastos com saúde e próximo aos gastos com educação. Ao mesmo tempo, o estado chegou a um quadro dramático, com uma dívida de R$ 8,5 bilhões. O governo que assumiu em 2018 deu início a uma nova etapa de endividamento que chega, agora, aos R$ 10 bilhões.”

Quais os fatores que levaram a essa crise?

Muitos são os fatores que levaram o estado a esse nível de endividamento. Em primeiro lugar, o próprio modelo de desenvolvimento do estado, que é quase todo baseado em latifúndios e monoculturas, ou seja, um desenvolvimento que se sustenta na exploração e concentração de terras na mão de poucas pessoas. Na prática, isto significa baixos salários e condições de trabalho precárias para os trabalhadores, o que tem como consequência, muitas vezes, a expulsão de camponeses da terra, por exemplo. O segundo problema é justamente a grande renúncia fiscal praticada no estado, que cresce ano a ano e traz uma redução para a receita de cerca de R$ 567 milhões, segundo dados do ano de 2017. Mais um fator de agravamento da crise foi a promulgação da Lei Kandir (nº 87/1996), que acaba por interferir negativamente na arrecadação visto que seu efeito desonera as exportações, isentando o pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre produtos primários como itens agrícolas, semielaborados ou serviços.

O primeiro momento da aceleração do crescimento da dívida no estado foi durante a ditadura militar, através de um endividamento externo que respeitava a política monetária estadunidense. Isto se agravou principalmente durante a transição para o Plano Real, em 1994, quando as dívidas externas foram convertidas para dívidas internas como parte das exigências do plano Brady. Além disso, veio ainda a conversão da dívida alagoana em dívida federal, de acordo com a Lei 9496/97. O resultado é o que vemos hoje: números alarmantes nas contas públicas. Alagoas pagou, até 2014, R$ 7,3 bilhões, época em que devia cerca de R$ 10,5 bilhões. A renegociação da dívida era pra ser feita por 30 anos, no entanto, 20 anos depois o estado já havia entrado em colapso novamente. Basicamente, Alagoas voltou ao patamar em que estava no ano de 1997, quando pediu empréstimos externos com taxas de juros baixas. No entanto, a taxa americana, de lá pra cá, subiu de 5% para 20%.

Como tudo mundo sabe, a consequência das decisões do estado recai sempre sobre a população. Atualmente, 48% do povo alagoano encontra-se vivendo abaixo da linha da pobreza e o estado tentar justificar a falta de recursos para investimentos sociais, ao mesmo tempo em que contrai um novo empréstimo de R$ 700 milhões e anuncia sucessivas renúncias fiscais concedendo isenção de pagamentos de tributos para certos setores e empresários. Não faz muito sentido, mas essa é a lógica adotada.

O governo anunciou que realizaria um certo equilíbrio fiscal, porém com o alto déficit nos setores de segurança, saúde e educação, a população passou a questionar o pagamento da dívida, já que 50% dos tributos arrecadados é destinado apenas para este fim. No final das contas, é dinheiro do contribuinte, mais uma vez, pagando juros e mais juros de dívida. O corte na educação, por exemplo, é um caso de alerta que pode ser visto quando se observa a alta taxa de analfabetismo do estado, cerca de 17% da população.

Segundo o professor José Menezes, “o volume (da dívida) que tínhamos dois anos atrás era de R$ 10,5 bilhões. É praticamente o orçamento de Alagoas. Proporcionalmente ao seu orçamento, estão as dívidas. Hoje, com a renegociação, o débito chegaria a R$ 7,5 bilhões. Só que tudo isso poderia ser diferente se Alagoas tivesse colocado, em prática, a liminar concedida pelo STF [Supremo Tribunal Federal], em função do que o Estado questionou do chamado ‘juros sobre juros’. Com isso, o saldo devedor diminuiria bruscamente. Alguns estados, por exemplo, ficariam até com saldo de credor, o que não é o caso de Alagoas, porque, com a dívida em 97, foram estabelecidos taxas e juros. Isso dava uma taxa estratosférica”.

Para completar, Alagoas também fez um empréstimo de R$ 620 milhões junto ao Banco do Brasil, no entanto, dados sobre como e para onde esse valor seria destinado não foram divulgados de forma clara. Mesmo com toda a repercussão do endividamento do estado, ele ainda consta como o único dos 27 estados do Brasil sem dados detalhados no site do Tesouro Nacional Transparente. A Secretaria da Fazenda (Sefaz) optou pelo silêncio quanto aos valores exatos. Como você pode ver na imagem abaixo, há apenas uma tela em branco.

Como sair dessa crise?

Uma das saídas para essa crise seria a venda da distribuidora Ceal, federalizada e assumida pela Eletrobras em 1988. No entanto, segundo uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, a privatização foi suspensa. Isso significa que o estado precisa obrigatoriamente manter esta empresa, ainda que não tenha qualquer capacidade de investir nela ou em qualquer outra coisa. Segundo o governador do estado, Renan Filho, “o ministro fala que a União investiu dinheiro para manter a empresa nesses anos.” No entanto, para ele, “Alagoas não tem nada a ver com o que foi colocado de recursos depois que a empresa foi federalizada. A gestão também foi transferida”

Apesar disso, Alagoas conseguiu, pelo menos, uma vitória junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a obtenção de liminar que assegura a renegociação da dívida com a União sem o pagamento de juros, um valor que chegava a R$ 1,3 bilhão, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Essa cobrança é referente a uma ação judicial iniciada em 2012, no qual o Estado pediu a redução dos juros de 7,5% para 6% ao ano, tendo como limitação do valor do serviço da dívida, no máximo, 11% da receita líquida real.

O fato é que é necessária uma mudança urgente na forma de desenvolvimento do estado de Alagoas. Além disso, é preciso que haja uma fiscalização sobre os efeitos das renúncias fiscais federal e estadual, principalmente no que concerne à sonegação fiscal e consequências da Lei Kandir. Os setores públicos de prioridade para a população vem sofrendo brutalmente para que o estado torne possível o pagamento de sua dívida. É mais do que urgente que se reavalie o modo como o estado arrecada tributos, faz empréstimos e planeja seus investimentos. Atualmente, trata-se de uma obrigação. Que isso seja feito no menor prazo possível, afinal, quem está pagando essa conta é a população de Alagoas.

Dicas do IMIL

A população alagoana precisa cobrar os seus deputados sobre essa situação calamitosa em que o Estado se encontra. Mesmo que muitos dos responsáveis por essa crise não sejam os atuais representantes da população, é um dever de todos tentar reverter essa situação. Não deixe de contatar o seu deputado (no site da câmara dos deputados ) para exigir as medidas cabíveis nessa situação que o estado se encontra.

Quem acompanha o Millenium Fiscaliza vai lembrar que já tratamos da crise no estado do Rio de Janeiro, causada principalmente pela corrupção e pelas obras superfaturadas no contexto da preparação para a Copa do Mundo e Olimpíadas. Depois, tratamos da crise no estado do Rio Grande do Sul, em grande parte causada pela forma como os governos financiaram a dívida pública com os bancos: os juros eram tão altos que, mesmo pagando valores que impactavam fortemente os cofres públicos, a dívida se tornou praticamente impossível de ser paga. Hoje, o nosso assunto será outro estado com um grande endividamento público: o de Alagoas.

Alagoas se encontra atualmente entre os quatro estados com o maior valor de dívida com a União. Para se ter uma ideia do problema, o socorro financeiro do governo ao pagamento de suas dívidas teve um impacto, entre 2017 e 2019, de R$ 90,3 bilhões nas contas públicas. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas e Rio Grande do Sul são responsáveis por 90% do total desse valor. Ou seja, apenas 5 estados da União acumulam dívidas que, juntas, representam quase a totalidade do que os estados brasileiros devem ao erário.

Em 2017, de acordo com levantamento feito pela Gazeta, a dívida de Alagoas chegava a R$ 6,8 bilhões, porém a estimativa é de que esse valor já tenha superado os R$ 10 bilhões. Segundo a matéria, “em 2012, o estado de Alagoas pagou ao serviço da dívida pública R$ 766 milhões, valor superior aos gastos com saúde e próximo aos gastos com educação. Ao mesmo tempo, o estado chegou a um quadro dramático, com uma dívida de R$ 8,5 bilhões. O governo que assumiu em 2018 deu início a uma nova etapa de endividamento que chega, agora, aos R$ 10 bilhões.”

Quais os fatores que levaram a essa crise?

Muitos são os fatores que levaram o estado a esse nível de endividamento. Em primeiro lugar, o próprio modelo de desenvolvimento do estado, que é quase todo baseado em latifúndios e monoculturas, ou seja, um desenvolvimento que se sustenta na exploração e concentração de terras na mão de poucas pessoas. Na prática, isto significa baixos salários e condições de trabalho precárias para os trabalhadores, o que tem como consequência, muitas vezes, a expulsão de camponeses da terra, por exemplo. O segundo problema é justamente a grande renúncia fiscal praticada no estado, que cresce ano a ano e traz uma redução para a receita de cerca de R$ 567 milhões, segundo dados do ano de 2017. Mais um fator de agravamento da crise foi a promulgação da Lei Kandir (nº 87/1996), que acaba por interferir negativamente na arrecadação visto que seu efeito desonera as exportações, isentando o pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre produtos primários como itens agrícolas, semielaborados ou serviços.

O primeiro momento da aceleração do crescimento da dívida no estado foi durante a ditadura militar, através de um endividamento externo que respeitava a política monetária estadunidense. Isto se agravou principalmente durante a transição para o Plano Real, em 1994, quando as dívidas externas foram convertidas para dívidas internas como parte das exigências do plano Brady. Além disso, veio ainda a conversão da dívida alagoana em dívida federal, de acordo com a Lei 9496/97. O resultado é o que vemos hoje: números alarmantes nas contas públicas. Alagoas pagou, até 2014, R$ 7,3 bilhões, época em que devia cerca de R$ 10,5 bilhões. A renegociação da dívida era pra ser feita por 30 anos, no entanto, 20 anos depois o estado já havia entrado em colapso novamente. Basicamente, Alagoas voltou ao patamar em que estava no ano de 1997, quando pediu empréstimos externos com taxas de juros baixas. No entanto, a taxa americana, de lá pra cá, subiu de 5% para 20%.

Como tudo mundo sabe, a consequência das decisões do estado recai sempre sobre a população. Atualmente, 48% do povo alagoano encontra-se vivendo abaixo da linha da pobreza e o estado tentar justificar a falta de recursos para investimentos sociais, ao mesmo tempo em que contrai um novo empréstimo de R$ 700 milhões e anuncia sucessivas renúncias fiscais concedendo isenção de pagamentos de tributos para certos setores e empresários. Não faz muito sentido, mas essa é a lógica adotada.

O governo anunciou que realizaria um certo equilíbrio fiscal, porém com o alto déficit nos setores de segurança, saúde e educação, a população passou a questionar o pagamento da dívida, já que 50% dos tributos arrecadados é destinado apenas para este fim. No final das contas, é dinheiro do contribuinte, mais uma vez, pagando juros e mais juros de dívida. O corte na educação, por exemplo, é um caso de alerta que pode ser visto quando se observa a alta taxa de analfabetismo do estado, cerca de 17% da população.

Segundo o professor José Menezes, “o volume (da dívida) que tínhamos dois anos atrás era de R$ 10,5 bilhões. É praticamente o orçamento de Alagoas. Proporcionalmente ao seu orçamento, estão as dívidas. Hoje, com a renegociação, o débito chegaria a R$ 7,5 bilhões. Só que tudo isso poderia ser diferente se Alagoas tivesse colocado, em prática, a liminar concedida pelo STF [Supremo Tribunal Federal], em função do que o Estado questionou do chamado ‘juros sobre juros’. Com isso, o saldo devedor diminuiria bruscamente. Alguns estados, por exemplo, ficariam até com saldo de credor, o que não é o caso de Alagoas, porque, com a dívida em 97, foram estabelecidos taxas e juros. Isso dava uma taxa estratosférica”.

Para completar, Alagoas também fez um empréstimo de R$ 620 milhões junto ao Banco do Brasil, no entanto, dados sobre como e para onde esse valor seria destinado não foram divulgados de forma clara. Mesmo com toda a repercussão do endividamento do estado, ele ainda consta como o único dos 27 estados do Brasil sem dados detalhados no site do Tesouro Nacional Transparente. A Secretaria da Fazenda (Sefaz) optou pelo silêncio quanto aos valores exatos. Como você pode ver na imagem abaixo, há apenas uma tela em branco.

Como sair dessa crise?

Uma das saídas para essa crise seria a venda da distribuidora Ceal, federalizada e assumida pela Eletrobras em 1988. No entanto, segundo uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, a privatização foi suspensa. Isso significa que o estado precisa obrigatoriamente manter esta empresa, ainda que não tenha qualquer capacidade de investir nela ou em qualquer outra coisa. Segundo o governador do estado, Renan Filho, “o ministro fala que a União investiu dinheiro para manter a empresa nesses anos.” No entanto, para ele, “Alagoas não tem nada a ver com o que foi colocado de recursos depois que a empresa foi federalizada. A gestão também foi transferida”

Apesar disso, Alagoas conseguiu, pelo menos, uma vitória junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a obtenção de liminar que assegura a renegociação da dívida com a União sem o pagamento de juros, um valor que chegava a R$ 1,3 bilhão, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Essa cobrança é referente a uma ação judicial iniciada em 2012, no qual o Estado pediu a redução dos juros de 7,5% para 6% ao ano, tendo como limitação do valor do serviço da dívida, no máximo, 11% da receita líquida real.

O fato é que é necessária uma mudança urgente na forma de desenvolvimento do estado de Alagoas. Além disso, é preciso que haja uma fiscalização sobre os efeitos das renúncias fiscais federal e estadual, principalmente no que concerne à sonegação fiscal e consequências da Lei Kandir. Os setores públicos de prioridade para a população vem sofrendo brutalmente para que o estado torne possível o pagamento de sua dívida. É mais do que urgente que se reavalie o modo como o estado arrecada tributos, faz empréstimos e planeja seus investimentos. Atualmente, trata-se de uma obrigação. Que isso seja feito no menor prazo possível, afinal, quem está pagando essa conta é a população de Alagoas.

Dicas do IMIL

A população alagoana precisa cobrar os seus deputados sobre essa situação calamitosa em que o Estado se encontra. Mesmo que muitos dos responsáveis por essa crise não sejam os atuais representantes da população, é um dever de todos tentar reverter essa situação. Não deixe de contatar o seu deputado (no site da câmara dos deputados ) para exigir as medidas cabíveis nessa situação que o estado se encontra.

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