Evidências sobre a economia circular: a necessidade de uma reinvenção
Embalada por uma evolução do debate sobre tecnologias limpas e desenvolvimento sustentável, o tema tem ganhado espaço na última década
Da Redação
Publicado em 6 de dezembro de 2022 às 09h00.
Por Vinícius Picanço Rodrigues*
Embalada por uma evolução do debate sobre tecnologias limpas e desenvolvimento sustentável, a economia circular tem ganhado espaço na última década. A ideia é aposentar modelos industriais lineares que poluem, geram desperdício em larga escala e causam destruição ambiental e social para adotar modelos circulares que desacoplam o crescimento econômico da extração de matérias-primas não-renováveis. Mas “circularizar” os centenários modelos industriais realmente reduz a extração de matérias-primas virgens? Havia muitos anseios e pouca evidência.
Munidos de uma base de dados sobre 28 economias europeias ao longo de 10 anos (2010-2019), Marco Bianchi e Mauro Cordella avaliaram o impacto de iniciativas circulares na extração de recursos naturais. A boa notícia é que, sim, iniciativas de economia circular reduzem a extração de recursos naturais. Na média, países que apresentam mais empregos em setores ligados à economia circular e que reintroduzem maiores quantidades de material recuperado ou reciclado em seu processo produtivo extraem menos recursos naturais virgens da natureza. Mas as boas-novas param por aí.
Os efeitos mitigadores dessas iniciativas são puramente marginais quando comparados com o impacto avassalador do crescimento econômico. Mais precisamente, a dupla de pesquisadores descobriu que um aumento de 1% no PIB pode elevar a extração de recursos naturais entre 0,3% e 0,6%. Isso significa, segundo o estudo, que a quantidade de recursos naturais extraídos anualmente como resultado do crescimento do PIB é quatro vezes maior que a quantidade de recursos naturais poupada pelas iniciativas de economia circular.
Críticas recentes à economia circular afirmam que o modelo é fadado ao fracasso por oferecer o “business-as-usual” com nova roupagem. Por se conformar ao modelo político, econômico e social dominante baseado na lógica de mercado, a economia circular ataca os sintomas e não as estruturas do sistema. As principais premissas da lógica de mercado, dizem os críticos, são fundamentalmente antagônicas ao modelo circular: crescimento infinito, produtos com ciclo de vida curto, sistemas e produtos sub-ótimos e logística reversa ineficaz.
A verdadeira promessa de reinventarmos nossas capabilidades técnicas para imitar ecossistemas resilientes e regenerativos não pode ser atingido pela versão de economia circular que é defendida nos corredores de governos e empresas. Para atingirmos essa reinvenção, torna-se imperativa uma abordagem sistêmica que olhe atentamente para as trajetórias e padrões de consumo insustentáveis de nossa sociedade e defenda modelos de organização orientados à suficiência. Mais que isso, defenda a integração desses modelos no desenho de políticas públicas.
Além de fornecer um conjunto importante de evidências para qualificar o debate, esses novos estudos apontam para os perigos de uma visão míope acerca de iniciativas de economia circular. Se fracassarmos em ter essa abordagem sistêmica para o nosso modelo de produção e consumo para desafiar suas premissas fundamentais, a circularização da economia vai continuar sendo destruída pelo imperativo do crescimento. E, com ela, destruiremos nossos ideais de possíveis futuros justos e sustentáveis para todas as espécies.
* Vinícius Picanço Rodrigues é Ph.D. em Engenharia pela Technical University of Denmark (DTU), professor de operações e sustentabilidade da University of Strathclyde e research fellow do Insper.
Por Vinícius Picanço Rodrigues*
Embalada por uma evolução do debate sobre tecnologias limpas e desenvolvimento sustentável, a economia circular tem ganhado espaço na última década. A ideia é aposentar modelos industriais lineares que poluem, geram desperdício em larga escala e causam destruição ambiental e social para adotar modelos circulares que desacoplam o crescimento econômico da extração de matérias-primas não-renováveis. Mas “circularizar” os centenários modelos industriais realmente reduz a extração de matérias-primas virgens? Havia muitos anseios e pouca evidência.
Munidos de uma base de dados sobre 28 economias europeias ao longo de 10 anos (2010-2019), Marco Bianchi e Mauro Cordella avaliaram o impacto de iniciativas circulares na extração de recursos naturais. A boa notícia é que, sim, iniciativas de economia circular reduzem a extração de recursos naturais. Na média, países que apresentam mais empregos em setores ligados à economia circular e que reintroduzem maiores quantidades de material recuperado ou reciclado em seu processo produtivo extraem menos recursos naturais virgens da natureza. Mas as boas-novas param por aí.
Os efeitos mitigadores dessas iniciativas são puramente marginais quando comparados com o impacto avassalador do crescimento econômico. Mais precisamente, a dupla de pesquisadores descobriu que um aumento de 1% no PIB pode elevar a extração de recursos naturais entre 0,3% e 0,6%. Isso significa, segundo o estudo, que a quantidade de recursos naturais extraídos anualmente como resultado do crescimento do PIB é quatro vezes maior que a quantidade de recursos naturais poupada pelas iniciativas de economia circular.
Críticas recentes à economia circular afirmam que o modelo é fadado ao fracasso por oferecer o “business-as-usual” com nova roupagem. Por se conformar ao modelo político, econômico e social dominante baseado na lógica de mercado, a economia circular ataca os sintomas e não as estruturas do sistema. As principais premissas da lógica de mercado, dizem os críticos, são fundamentalmente antagônicas ao modelo circular: crescimento infinito, produtos com ciclo de vida curto, sistemas e produtos sub-ótimos e logística reversa ineficaz.
A verdadeira promessa de reinventarmos nossas capabilidades técnicas para imitar ecossistemas resilientes e regenerativos não pode ser atingido pela versão de economia circular que é defendida nos corredores de governos e empresas. Para atingirmos essa reinvenção, torna-se imperativa uma abordagem sistêmica que olhe atentamente para as trajetórias e padrões de consumo insustentáveis de nossa sociedade e defenda modelos de organização orientados à suficiência. Mais que isso, defenda a integração desses modelos no desenho de políticas públicas.
Além de fornecer um conjunto importante de evidências para qualificar o debate, esses novos estudos apontam para os perigos de uma visão míope acerca de iniciativas de economia circular. Se fracassarmos em ter essa abordagem sistêmica para o nosso modelo de produção e consumo para desafiar suas premissas fundamentais, a circularização da economia vai continuar sendo destruída pelo imperativo do crescimento. E, com ela, destruiremos nossos ideais de possíveis futuros justos e sustentáveis para todas as espécies.
* Vinícius Picanço Rodrigues é Ph.D. em Engenharia pela Technical University of Denmark (DTU), professor de operações e sustentabilidade da University of Strathclyde e research fellow do Insper.