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Uma nova economia global para um mundo resiliente e justo

O Acordo de Paris só será cumprido se os setores públicos e privados se comprometerem com ações assertivas e coniventes com a realidade de cada país

Ao lado de preços adequados, dado a externalidades negativas, investidores precisam de uma nova forma de medir seu desempenho, uma vez que a atual não é suficiente, pois o retorno financeiro não inclui valor intangível como benefícios para a sociedade e natureza (Thithawat_s/Getty Images)
Ao lado de preços adequados, dado a externalidades negativas, investidores precisam de uma nova forma de medir seu desempenho, uma vez que a atual não é suficiente, pois o retorno financeiro não inclui valor intangível como benefícios para a sociedade e natureza (Thithawat_s/Getty Images)
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Ideias renováveis

Publicado em 8 de setembro de 2022 às, 16h21.

Por Laurent Babikian*

A ação climática estagnou em várias partes do mundo, mostrando que estamos falhando. As taxas de desmatamento no Brasil aumentaram: conforme o MapBiomas - iniciativa criada pelo Observatório do Clima para mapear a cobertura e uso do solo do Brasil e monitorar as mudanças do uso da terra - entre 1985 e 2021, 13,1% de toda a vegetação nativa foi eliminada. Com a guerra na Ucrânia, a Alemanha reativou usinas de energia com base em carvão; o governo dos Estados Unidos está explorando o novo petróleo offshore e investidores argumentam que o net zero não é de sua responsabilidade.

Para resistir a crises sem despriorizar agendas como as de desmatamento e transição energética, temos de mudar nosso modelo econômico e o funcionamento dos mercados, nos questionando se o sistema atual ainda faz sentido. Aparentemente não, já que prioriza o lucro de um único stakeholder – no caso, os acionistas - em detrimento de todos os demais, incluindo a natureza. Nossa versão do capitalismo nem é sustentável, nem proporciona um progresso em direção ao net zero e à natureza resiliente.

O problema é que nossa economia considera a natureza - um bem comum global - um recurso livre e ilimitado. O cálculo do Produto Interno Bruto brasileiro, por exemplo, exclui o custo ambiental de bens e serviços, o que faz pouco sentido, pois todas as atividades humanas dependem da natureza. E, no entanto, a indústria não a vê dessa forma, tanto que nenhum grande produtor de petróleo e gás se comprometeu a encerrar a exploração.

Não podemos cumprir o Acordo de Paris usando velhas fórmulas. Questões inconvenientes devem ser debatidas: como colocar o clima como a primeira e mais importante agenda, salvaguardando-o das novas dinâmicas geopolíticas? Quando incorporaremos as externalidades negativas - que significa o quanto empresas custam para a sociedade - como os custos do carbono? Como a tributação do carbono pode apoiar a equidade na ação climática?

Um estudo recente feito pela  gestora de ativos holandesa, Kempen Capital Management mostra que uma taxa de carbono de US$ 150 aplicada às emissões de todas as empresas listadas geraria uma queda de 41% nos preços das ações, corroendo valores de acionistas e trazendo resistência da indústria ante à medida. Nossos líderes políticos devem chegar a um acordo sobre um preço global vinculante de US$ 250, necessário para alcançar o  net zero até 2050, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).

Ao lado de preços adequados, dado a externalidades negativas, investidores precisam de uma nova forma de medir seu desempenho, uma vez que a atual não é suficiente, pois o retorno financeiro não inclui valor intangível como benefícios para a sociedade e natureza. Para o Retorno do Patrimônio Líquido tradicional devemos  somar  o Retorno sobre o Impacto, que mede o impacto que as empresas têm na sociedade e na natureza.

Um sistema econômico que gera sistemicamente  riqueza desigual e queda do poder de compra de  gerações futuras não é o ideal. Hoje, se encaixarmos a sustentabilidade nesse processo, não limitaremos o aquecimento a 1,5°C. E continuaremos a arruinar a riqueza natural de nosso planeta, da qual dependemos para a prosperidade futura.

Quando vemos que a Apple, a maior empresa em capitalização de mercado do mundo, vale o dobro do PIB brasileiro, há algo que precisa ser consertado. Os mercados dependem de sinais claros sobre o custo das externalidades negativas para precificar os ativos considerando seu verdadeiro valor. Só assim, o investimento fluirá para financiar empresas sustentáveis. A transformação é possível. Por meio de novos padrões de sustentabilidade, a União Europeia (UE) fará com que as companhias relatem não apenas seus riscos, mas como seu modelo de negócios afeta nosso planeta e nossa sociedade. Esta abordagem pioneira, e necessária, impactará empreendimentos brasileiros com negócios em países da UE.

A harmonização internacional dos padrões de relatórios de ESG é muito necessária para um bom funcionamento do mercado. Haverá grave distorção caso esses padrões globais emergentes para relatórios de sustentabilidade sejam estabelecidos apenas com base no risco, pois nesse caso, o objetivo é maximizar o valor da empresa.

Há muito passamos do ponto em que o custo da ação é muito menor do que da inação. A humanidade tem as ferramentas, a tecnologia, as ideias e a ambição de alcançar um mundo de emissões líquidas zero, positivo para a natureza e justo. Mas devemos mudar o cenário.

POR LAURENT BABIKIAN (Diretor de Mercado de Capitais do CDP)