Crise dos ianomamis é alerta para a escalada do crime na Amazônia
A tragédia humanitária mostra a urgência de conter o avanço das quadrilhas que ameaçam a vida das pessoas, a soberania nacional e a segurança nos negócios
Da Redação
Publicado em 27 de janeiro de 2023 às 13h21.
Desnutrição, malária, contaminação por mercúrio, mortes de adultos e crianças, abandono do Estado. Há alguns dias, a crise sanitária e humanitária que afeta o povo ianomâmi, em Roraima (RR), está chocando o Brasil, principalmente pelas dimensões de sofrimento humano. Mas há um outro aspecto desse sofrimento que despertou a comoção geral e tem causado muita preocupação: a proporção avassaladora das invasões de terras públicas na Amazônia – das quais as Terras Indígenas (TI) fazem parte.
O que temos visto nos últimos anos é que quadrilhas do crime organizado têm cada vez mais invadido esses territórios, com muita violência e pouca resistência dos órgãos de proteção – em muitos casos, conforme indícios, até mesmo com conivência do Estado. O resultado disso é uma enorme crise de segurança, afinal, esses territórios são surrupiados por grupos criminosos associados, além da extração ilegal de ouro, ao tráfico de armas, à corrupção e ao próprio domímio da região, já que há casos em que quadrilhas de garimpeiros mantinham o controle de quem tomava vacina de covid-19, recebia auxílio emergencial e até o próprio direito de ir e vir dos moradores. Isso é o que acontece quando o crime organizado invade um território como dos ianomâmis.
Esse processo de invasão do crime organizado para praticar garimpo ilegal em uma terra pública é parecido com o processo da grilagem de terras na Amazônia, quando grandes quadrilhas, com muito dinheiro, se apropriam especialmente de florestas públicas não destinadas para derrubar árvores, roubar madeira, devastar áreas e, em seguida, negociá-las no mercado imobiliário ilegalmente. Só que o problema não acaba aí. Assim como garimpeiros, grileiros também ameaçam com violência populações tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas locais e outras comunidades que circulam ou vivem nessas terras.
O que tudo isso quer dizer? A tragédia que recai sob os ianomamis deve abrir os olhos dos brasileiros para a dimensão do crime organizado na Amazônia, que toma conta do território, seja indígena ou florestas públicas não destinadas, para cometer todo quanto é tipo de criminalidade e ameaçar a vida não só de quem vive ali, mas a segurança do Brasil e a soberania nacional.
Esse nível de insegurança numa região tão grande – quase metade do território nacional – ameaça a estabilidade de tudo no resto do país. A escalada de violência, insegurança jurídica, domínio de atividades ilegais e outros problemas associados na região da Amazônia comprometem o funcionamento das empresas do Brasil.
Grandes mineradoras (que pagam impostos, cumprem as leis e seguem padrões internacionais de compliance) estão com dificuldades para operar por causa de ameaças de quadrilhas em algumas de suas minas e linhas de transporte na Amazônia. Distribuidoras de combustível estão sendo ameaçadas pelas quadrilhas que roubam caminhões-tanque ou barcos com transporte de combustível e até assumem controle de alguns postos de combustíveis. Várias outras atividades legais estão prejudicadas. Algumas madeireiras que seguem a lei e extraem de forma manejada, preservando a floresta, estão desistindo de operar na Amazônia, por causa do assédio dos grileiros e garimpeiros. Esse nível de risco já afeta o interesse de investidores.
É importante lembrar que há conexões entre as quadrilhas de grileiros e garimpeiros e grandes facções criminosas do Brasil. Elas começam a dominar porções significativas do território nacional, ameaçando nossa soberania, criando bolsões controlados pela máfia. É uma situação semelhante ao descontrole vivido pelo México com o tráfico e pela Colômbia no auge das Farc. Ninguém pode se iludir ao pensar que esse tipo de escalada do crime não vai respingar nos grandes centros do Sul, Sudeste e Nordeste. Por isso, é preciso agir agora para coibir as principais atividades econômicas criminosas dessa cadeia de destruição: o garimpo ilegal e a grilagem de terras.
O garimpo, diante da tragédia ianomâmi, pode ser finalmente enquadrado no Brasil. Já a grilagem também merece um combate intenso. Ele é possível com as ferramentas institucionais já disponíveis. A campanha Seja Legal com a Amazônia, por exemplo, propõe medidas para combater a grilagem, dando mais segurança para quem vive e trabalha na região, desde as comunidades tradicionais, moradores das cidades aos pequenos, médios e grandes produtores rurais. O Brasil é grande demais para deixar a Amazônia refém dos bandidos.
*Alexandre Mansur é diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos.
Desnutrição, malária, contaminação por mercúrio, mortes de adultos e crianças, abandono do Estado. Há alguns dias, a crise sanitária e humanitária que afeta o povo ianomâmi, em Roraima (RR), está chocando o Brasil, principalmente pelas dimensões de sofrimento humano. Mas há um outro aspecto desse sofrimento que despertou a comoção geral e tem causado muita preocupação: a proporção avassaladora das invasões de terras públicas na Amazônia – das quais as Terras Indígenas (TI) fazem parte.
O que temos visto nos últimos anos é que quadrilhas do crime organizado têm cada vez mais invadido esses territórios, com muita violência e pouca resistência dos órgãos de proteção – em muitos casos, conforme indícios, até mesmo com conivência do Estado. O resultado disso é uma enorme crise de segurança, afinal, esses territórios são surrupiados por grupos criminosos associados, além da extração ilegal de ouro, ao tráfico de armas, à corrupção e ao próprio domímio da região, já que há casos em que quadrilhas de garimpeiros mantinham o controle de quem tomava vacina de covid-19, recebia auxílio emergencial e até o próprio direito de ir e vir dos moradores. Isso é o que acontece quando o crime organizado invade um território como dos ianomâmis.
Esse processo de invasão do crime organizado para praticar garimpo ilegal em uma terra pública é parecido com o processo da grilagem de terras na Amazônia, quando grandes quadrilhas, com muito dinheiro, se apropriam especialmente de florestas públicas não destinadas para derrubar árvores, roubar madeira, devastar áreas e, em seguida, negociá-las no mercado imobiliário ilegalmente. Só que o problema não acaba aí. Assim como garimpeiros, grileiros também ameaçam com violência populações tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas locais e outras comunidades que circulam ou vivem nessas terras.
O que tudo isso quer dizer? A tragédia que recai sob os ianomamis deve abrir os olhos dos brasileiros para a dimensão do crime organizado na Amazônia, que toma conta do território, seja indígena ou florestas públicas não destinadas, para cometer todo quanto é tipo de criminalidade e ameaçar a vida não só de quem vive ali, mas a segurança do Brasil e a soberania nacional.
Esse nível de insegurança numa região tão grande – quase metade do território nacional – ameaça a estabilidade de tudo no resto do país. A escalada de violência, insegurança jurídica, domínio de atividades ilegais e outros problemas associados na região da Amazônia comprometem o funcionamento das empresas do Brasil.
Grandes mineradoras (que pagam impostos, cumprem as leis e seguem padrões internacionais de compliance) estão com dificuldades para operar por causa de ameaças de quadrilhas em algumas de suas minas e linhas de transporte na Amazônia. Distribuidoras de combustível estão sendo ameaçadas pelas quadrilhas que roubam caminhões-tanque ou barcos com transporte de combustível e até assumem controle de alguns postos de combustíveis. Várias outras atividades legais estão prejudicadas. Algumas madeireiras que seguem a lei e extraem de forma manejada, preservando a floresta, estão desistindo de operar na Amazônia, por causa do assédio dos grileiros e garimpeiros. Esse nível de risco já afeta o interesse de investidores.
É importante lembrar que há conexões entre as quadrilhas de grileiros e garimpeiros e grandes facções criminosas do Brasil. Elas começam a dominar porções significativas do território nacional, ameaçando nossa soberania, criando bolsões controlados pela máfia. É uma situação semelhante ao descontrole vivido pelo México com o tráfico e pela Colômbia no auge das Farc. Ninguém pode se iludir ao pensar que esse tipo de escalada do crime não vai respingar nos grandes centros do Sul, Sudeste e Nordeste. Por isso, é preciso agir agora para coibir as principais atividades econômicas criminosas dessa cadeia de destruição: o garimpo ilegal e a grilagem de terras.
O garimpo, diante da tragédia ianomâmi, pode ser finalmente enquadrado no Brasil. Já a grilagem também merece um combate intenso. Ele é possível com as ferramentas institucionais já disponíveis. A campanha Seja Legal com a Amazônia, por exemplo, propõe medidas para combater a grilagem, dando mais segurança para quem vive e trabalha na região, desde as comunidades tradicionais, moradores das cidades aos pequenos, médios e grandes produtores rurais. O Brasil é grande demais para deixar a Amazônia refém dos bandidos.
*Alexandre Mansur é diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos.