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Somos uma sociedade diversa e nos beneficiamos dessa diversidade

Na coluna desta semana, conheça a história de Clarissa Lins, membro do conselho de administração da Votorantim Cimentos

Na coluna desta semana, conheça a história de Clarissa Lins, membro do conselho de administração da Votorantim Cimentos (Histórias de Sucesso/Divulgação)
Na coluna desta semana, conheça a história de Clarissa Lins, membro do conselho de administração da Votorantim Cimentos (Histórias de Sucesso/Divulgação)
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Histórias de sucesso

Publicado em 12 de agosto de 2022 às, 12h27.

Última atualização em 13 de agosto de 2022 às, 00h01.

Por Fabiana Monteiro  

Nasci na França – filha de exilados políticos brasileiros (Sylvio Lins, já falecido, e a psicanalista Isabel Lins) – morei na Europa parte de minha vida. Fiz graduação e mestrado na faculdade de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), entre 1985 e 1990, comecei como estagiária, seguindo para o departamento de Planejamento Estratégico da Shell. No entanto, em 1993, um ex-professor, Winston Fritsch, foi chamado para integrar o Ministério da Fazenda, cuja equipe se tornaria conhecida por elaborar o Plano Real. Assim fui convidada para me juntar ao grupo, “abri mão” de dar continuidade à carreira corporativa e me mudei para Brasília. 

A ida para o ministério era uma “aventura”, já que o titular da pasta, Fernando Henrique Cardoso, era o terceiro ministro da gestão do presidente Itamar Franco. “Eu me lembro do meu chefe na Shell tentando me demover daquela ideia. Para isso, mostrava o potencial de carreira que tinha na empresa versus a incerteza que eu estava abraçando. Mas para mim, aquela oportunidade parecia irrecusável”. Com a eleição de FHC para presidente, quase fui trabalhar em um banco de investimento. Mas o convite do professor Edmar Bacha me levou para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de volta ao Rio de Janeiro. Fiquei no órgão por quatro anos, como assessora do presidente, atuando também nas gestões de Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende e José Pio Borges. 

Por intermédio de uma amiga em comum, conheci Philippe Reichstul, então presidente da Petrobrás, que me convidou para atuar na empresa, inicialmente como assessora da Presidência e, posteriormente, como gerente executiva da área de Estratégia Corporativa. Foi o próprio Reichstul que me apresentou a Israel Klabin, abrindo uma nova oportunidade na Fundação Brasileira do Desenvolvimento Sustentável (FBDS), criada por Klabin, logo após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). Ao sair da Petrobras e com rápida passagem pela Globo, fiquei na FBDS por nove anos como diretora executiva. 

Quando decidi atuar com mais independência, criei a consultoria Catavento e, em paralelo, voltei a interagir com a indústria de energia. Fui convidada para integrar um comitê independente da Shell, com sede em Haia (Holanda), que era um modelo de conselho consultivo sem dever fiduciário e focado em questões afetas à pauta ESG. Depois, fiz parte do comitê de Sustentabilidade da Vale, minha primeira experiência formal com um papel estatutário e, a partir daí, outros convites para comitês e conselhos vieram. Além destas funções, fui diretora executiva e presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em que atualmente sou presidente do comitê de Transição Energética. Fui fellow de energia do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), sendo agora membro de seu conselho curador. 

 

SOMOS UMA SOCIEDADE DIVERSA E NOS BENEFICIAMOS DESSA DIVERSIDADE 

A oportunidade de atuar em conselhos surgiu em função das minhas competências em sustentabilidade e clima. Assim, pude compartilhar meu conhecimento com demais membros de conselhos de administração. Este meu novo papel tinha lógica pela trajetória que havia trilhado e da minha crença de que o mundo corporativo pode fazer avançar algumas pautas de uma maneira eficiente e efetiva. Foi isso que me trouxe até aqui, como membro de diferentes conselhos e comitês. 

O Conselho é o órgão responsável pela visão a longo prazo e pela perenidade da organização, representando os seus acionistas. Em última instância, cabe a ele supervisionar a direção da companhia no cumprimento da sua visão estratégica a longo prazo e entender todas as variáveis do mundo externo que moldam os negócios. Na condição de conselheira, preciso estar atenta tanto aos riscos emergentes quanto às oportunidades, e deixar a diretoria trabalhar de maneira saudável, sem entrar no que chamamos de micro management do dia a dia. 

O maior desafio para nós, conselheiros e conselheiras, é agregar valor, seja por estar instigando a diretoria a olhar para uma adversidade, por um prisma diferente, fazendo as perguntas que ajudam nesta reflexão coletiva, ou adicionando conhecimento. Temos sempre que tomar cuidado para não cairmos na armadilha de buscar o conforto do dia a dia, e fugir da necessidade de aprender continuamente. O que mais posso estudar para aprender e agregar valor? Essa é uma pergunta que devemos fazer. E, no fim, encontrar o equilíbrio entre agregar valor e cumprir o dever fiduciário. 

Esse é um dos pré-requisitos da função de conselheira: dedicar-se e estudar. Sempre recorro ao estudo, porque é a forma como traduzo a dedicação que temos no preparo para uma reunião. É preciso ler as temáticas e, se faltar entendimento, perguntar. Muitas vezes, isso requer a troca com outros membros do conselho para alcançar clareza e correção do entendimento. Conselho não é um trabalho em paralelo, mas uma missão que exige dedicação, leitura e compreensão. Portanto, minha dica é que se dedique o tempo necessário para cumprir bem o seu papel. 

 

Descubra o seu diferencial e o evidencie 

Confesso que tive uma trajetória incomum, pois não segui a carreira no setor público nem fui uma executiva que começou como estagiária, tornou-se diretora e, finalmente, presidente. Quando decidi contribuir como conselheira, procurei uma headhunter, a qual me disse que eu tinha um perfil muito fluido e que ela não conseguia identificar claramente qual seria o meu diferencial. Saí desse encontro arrasada. Sempre fui estudiosa e comprometida, e não estava a fim de desistir tão fácil e deixar de dar aquele próximo “pulo”.  

Tinha experiência nos setores públicos e privados, era bem conectada e gostava de trabalhar a pauta que hoje chamamos de ESG, com mais ênfase em mudanças climáticas. Foi importante ter o apoio do meu marido naquele momento, que continuou me incentivando a procurar pelas oportunidades, até que elas surgiram. Então, outra dica que dou é que não se prenda a um perfil padrão, pois esse já teve seu espaço. Antigamente, só podia ser conselheiro quem tivesse sido CEO e que tivesse resultados em um business unit. Não é mais o caso, desde que se consiga comprovar um conhecimento diferenciado. Qual é a sua competência, e como isso pode agregar valor naquela organização? Pode ser um especialista em risco, um gestor de crise. No meu caso, é sustentabilidade, ESG, clima, juntamente com essa visão estratégica. Portanto, descubra qual é o seu diferencial e o evidencie. 

Hoje atuo em empresas muito diferentes, Vibra Energia, Votorantim Cimentos e ArcelorMittal, e entendo isso como um benefício. Até em função do meu perfil de consultora em estratégia, busco naturalmente ter condições de entender as características de indústrias diversas, mas que de alguma forma, tenham desafios similares. No caso de cimento e de siderurgia, por exemplo, o desafio é o da descarbonização. Na indústria de energia, o desafio é mostrar o seu papel na transição energética para uma economia de baixo carbono.  

 

Cada mulher traz sua história e dá sua contribuição 

O mundo pede hoje por diversidade de visões, de competências, de cultura. Quando temos múltiplos perfis, em muitos casos, eles se complementam e fazem com que a empresa se beneficie dessa ótica diferente, capaz de propor soluções e encaminhamentos de desafios de maneira mais rica do que se fosse algo uniforme e uníssono. 

Em termos de conselho de administração, ainda estamos no início desta trilha quando o assunto é diversidade. Temos muito ainda por conquistar, mas este pouco que avançamos já é relevante. Afinal, o papel das mulheres executivas e conselheiras, no que diz respeito ao mundo corporativo, é bem mais compreendido. Mas se olharmos para questões de raça, perceberemos o quanto o caminho ainda é longo, em função da desigualdade social que cria barreiras para as pessoas de condições desfavorecidas ascenderem nas corporações. 

No que diz respeito às mulheres, entendo que cada uma de nós traz a sua história e dá a sua contribuição. Não é possível generalizar, pois cada uma fez o seu próprio caminho e algumas tiveram uma trajetória muito difícil. Considero-me assim beneficiada pelas oportunidades que tive. Aquelas que tiveram que superar preconceitos e outros desafios em função de determinada condição trazem o valor da superação, e isso é um grande diferencial. Sem querer generalizar, há em nós o traço da dedicação, do comprometimento, da capacidade de trabalho e de atenção. Ao mesmo tempo, captamos sinais que vêm de diferentes lugares. Talvez isso tenha a ver com a maternidade que nos prepara para estar “antenada” a tudo e nos torna multitarefas. Sim, há muitos homens que têm esse olhar multitasking, mas esta característica é muito feminina. Além disso, as lideranças de mulheres incorporam um lado humano muito importante, colocando a pessoa no cerne da preocupação. De novo, há homens que também o fazem, mas isso é mais natural para a mulher. Fazemos isso sem esforço, pois é da nossa natureza. 

 

Empresas que constroem seu propósito se tornam mais fortes 

Aprendi a desenvolver estratégia corporativa quando estava na Petrobrás. Sempre penso em âncoras fortes, como missão – a razão de ser da companhia; visão – onde ela quer estar em um determinado momento; e valores – que guiam justamente comportamentos e cultura. Já propósito é um conceito adicional, que tem muito a ver com a forma como a empresa se conecta aos seus colaboradores e à sociedade no sentido amplo. Por isso ele enriquece esse conjunto de elementos que compõem a estratégia da companhia. 

Vejo que empresas que conseguem trabalhar para construir o seu propósito chegam mais fortes, com maior nível de comprometimento e de coesão entre os diferentes níveis da companhia e da governança. Nestes casos, tem-se o conselho entendendo bem o propósito, defendendo e trabalhando em função dele. Vê-se a diretoria executiva, o comitê executivo e os colaboradores completamente comprometidos, e isso ajuda a fortalecer essa noção de sentido único, do caminho que se está trilhando. Isso contribui para a boa governança da companhia e para a boa implementação da estratégia. 

É importante destacar isso, porque o que garante a sustentabilidade do negócio é justamente uma boa e bem executada estratégia, sendo a governança o suporte, por meio do qual ocorre a tomada de decisão, feita de maneira eficiente, mapeando os riscos, exigindo transparência e prestação de contas. Se fosse para resumir, diria que a governança é o suporte essencial para que a sustentabilidade e a perenidade da organização ocorram, mas não é um garantidor final, uma vez que há outros elementos e fatores. 

 

As oportunidades para mulheres no conselho são limitadas, mas existem 

Eu trabalho com sustentabilidade há quase 20 anos e, quando comecei, era uma dificuldade para explicar do que se tratava. Por desconhecimento, os executivos não atribuíam valor a isso. Na minha visão, a agenda ESG nada mais é que a incorporação de fatores socioambientais e de governança à estratégia corporativa, não se tratando de um atributo lateral, mas sim, da forma como os negócios devem ser feitos. 

Não adianta ser bem-sucedido do ponto de vista econômico-financeiro, por exemplo, se há para o mercado e para a sociedade a percepção de que isso foi às custas da poluição de um rio que abastece não apenas as unidades de negócios, mas também a comunidade do entorno. Certamente haverá pressão, autos de infração, multas e paralisação das atividades. Portanto, não estou falando de um modismo, mas de um processo de conscientização que, em última instância, incorpora novos valores à forma de se fazer negócio.  

“Sem sombra de dúvida”, o Brasil pode ser campeão quando o assunto é sustentabilidade, seja porque temos uma matriz energética 47% renovável, recursos naturais abundantes, seja por nossa riqueza de talentos, uma diversidade muito peculiar e capacidade de inovação. 

Por fim, olhando para o universo de mulheres com as quais convivo, da minha faixa etária, mais jovens ou mais maduras, digo que há assentos em conselhos para aquelas que queiram ocupá-los. Vocês são competentes, corajosas e determinadas, pois para entrar no mundo corporativo são exigidas essas mesmas competências. Não tenham receio! Acreditem no seu potencial, estabeleçam alianças, com homens e mulheres, e conquistem o seu lugar nesta importante arena. As oportunidades são limitadas, sabemos disso, mas existem. Então, preparem-se e não percam a chance de agarrá-las e de ocupar também seu lugar neste espaço. 

Clarissa Lins é Membro dos conselhos de administração e dos comitês de auditoria da Votorantim Cimentos e da Vibra Energia e do board global da ArcelorMittal em que também é presidente do comitê de sustentabilidade. Membro do comitê de Sustentabilidade da Suzano. Também é presidente do comitê de Transição Energética do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e membro do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri)