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Somos o resultado das escolhas que fazemos, afirma Maria Cecilia da Corbion

Na coluna desta semana, conheça a história de Maria Cecilia Londono, vice-presidente para a região Ásia-Pacífico na Corbion

Na coluna desta semana, conheça a história de Maria Cecilia Londono, vice-presidente para a região Ásia-Pacífico na Corbion (Fabiana Monteiro/Divulgação)

Publicado em 8 de setembro de 2023 às 12h56.

Como tantas mulheres do Brasil, eu também sou Maria, só que nascida na Colômbia, na cidade de Medellín. Sou a terceira de quatro irmãs, filhas de um pai engenheiro elétrico e uma mãe que, já na fase adulta, fez duas carreiras. Estudei em uma escola católica e nunca estive no grupo dos alunos mais destacados. Era uma criança introvertida e, por conta disso, também solitária. Minha mãe se esforçou muito para que mudasse esse perfil, insistindo para que saísse de casa e interagisse com outras crianças da minha idade. Da minha parte, preferia ficar com meus livros e minhas leituras.

Confesso que desde criança sempre fui muito curiosa e gostava de estar sozinha e de ler muito. Em sua luta particular de me fazer participar do mundo de uma maneira diferente da que estava acostumada, minha mãe acabou me colocando para fazer natação. Fui a primeira da família a cair na piscina e, depois de mim, seguiram minhas três irmãs. Isso trouxe disciplina para a minha vida. Pense em alguém com 7 ou 8 anos que tem de acordar às 4h30 para treinar com água sem aquecimento. E de novo, à tarde, perfazendo 10 sessões de treino por semana. Assim me tornei uma atleta. Representei o clube em outros países, conquistei recordes nacionais no esporte e construí uma carreira atlética muito bem-sucedida. Isso despertou em mim valores muito fortes de responsabilidade, persistência e visão de equipe. Paralelamente a isso, seguia com meus estudos. Não tinha problemas para passar de ano, mas dormia na sala de aula de cansaço, obviamente, porque privilegiava o esporte à minha própria educação, e meu cabelo cheirava a cloro.

De criança me tornei adolescente e, enfim, chegou aquele momento que todo jovem tem de decidir uma carreira. Na verdade, não tinha a menor ideia do que escolher. Como pedir para uma pessoa de 15 anos que decida o que quer fazer na vida? Contudo, uma coisa que tinha muito clara era que queria viajar muito. Sonhava visitar outros países e a natação já estava me permitindo isso. Em uma conversa franca com meus pais – Carlos e Glória –, expressei os meus desejos: “Eu quero mesmo é viajar, não estudar”, disse a eles. Além disso, na Colômbia, diferentemente do Brasil, é mais comum ingressar nas universidades privadas e, portanto, para cursá-las, é preciso pagar. Tínhamos uma vida cômoda, mas bancar o estudo superior de quatro filhas era um desafio enorme. Ainda assim, meu pai me motivava e dizia que, se eu queria conhecer o mundo, que antes estudasse, pois seria isso que me permitiria ir além do que eu própria imaginava. E ele estava certo. Hoje eu já pisei em mais 60 países e, no momento, moro em Singapura, na condição de vice-presidente para a região Ásia-Pacífico na Corbion. Como cheguei até aqui? Continuemos que vou te contar.

O ser humano é do tamanho do valor que damos a ele

Quando chegou o momento de ir para a faculdade, meu pai me perguntou o que queria fazer. Não tinha muitas referências, mas falava-se muito na escola de Engenharia de Alimentos. Meu pai não sabia bem do que se tratava, mas concluiu assim: “Se é engenharia, deve ser bom”. Ele mesmo se encarregou de fazer minha inscrição para os exames, e passei em segundo lugar na Universidade Lasallista. Entrei sem muitas expectativas e acabei me apaixonando pelo curso e pela carreira. Era algo muito versátil. Poderia trabalhar em Marketing, Vendas, na área técnica, Operações, e assim me deixei levar. Dos 60 alunos que começaram comigo em 1984, apenas 24 concluíram, cinco anos depois, sendo 20 mulheres.

Naquele final da década de 1980, Medellín ainda tinha muita violência nas ruas, narcotráfico e guerrilha. Nesse contexto ainda se inseria o machismo. Os quatro colegas homens de turma conseguiram emprego rapidamente, enquanto eu e as demais colegas encontrávamos dificuldade em nos colocar no mercado. Foi então que minha mãe falou que deveria me colocar à disposição para trabalhar inicialmente de graça, sem contrapartida salarial, pois assim ganharia conhecimento profissional, experiência no currículo e networking. De tanto buscar, consegui algo similar a um estágio no Brasil, onde eu bancava tudo, do transporte à alimentação, em uma empresa de alimentos processados, que fazia geleias e sucos. Fiquei muito feliz, afinal, meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na graduação, foi sobre o reaproveitamento de frutas que iam para o lixo, mas que poderiam ser processados e transformados em alimentos para animais, na forma de ração.

Conversando com um vizinho, revelei meu interesse de me inserir já como profissional em alguma empresa de renome, Ele acabou me recomendando para um gerente de um laticínio local, a Colanta, que abriu para mim, em 1990, uma nova porta, pela qual passei. E esse seria um caminho muito interessante.

No meu primeiro dia de trabalho, entregaram-me botas e aventais de tamanhos desproporcionais ao meu tamanho e comecei como supervisora de planta no setor mais problemático da empresa, responsável pela produção de manteiga e creme de leite. Estava com 21 anos e tinha de liderar homens com histórias de vida complicadas num ambiente de narcotráfico, na época. A expectativa, soube depois, era que eu não resistiria por uma semana naquele ambiente. Mas todos dali acabaram por desenvolver um carinho muito grande por mim e, se posso contar uma história bonita da minha carreira, é essa. Ali percebi que o ser humano é do tamanho do valor que damos a ele.

A Suíça como ponto de início da escalada

O setor do qual fiquei responsável era o mais problemático da empresa, inclusive no que dizia respeito à qualidade, mas logo identifiquei os motivos. Encontrei ali pessoas que eram enojadas pelas demais, por conta do histórico de vida, que não podiam ser desligadas e, consequentemente, não eram engajadas. Contudo, acolhemos uns aos outros e, em três meses, o setor começou a andar bem e sem problemas de qualidade. Eu, que era introvertida, de alguma maneira, consegui ganhar o respeito deles. E eles, aos poucos, também ganharam o respeito e a valorização dos demais e da diretoria. Ali começou de fato a minha carreira. Fui em seguida enviada para fazer o start up de uma nova planta e, depois, convidada para ser a gerente de Pesquisa e Desenvolvimento, papel que exerci entre 1992 e 1995. Mas, ainda permanecia vivo o sonho de viajar e conhecer novos lugares. Dessa forma, aplicava-me para bolsas de estudo fora da Colômbia. Depois de muitos insucessos, finalmente fui aprovada para uma na Suíça, para trabalhar em laticínios locais.

Estava no lugar certo. A Suíça é a terra dos relógios, dos chocolates, mas também é dos laticínios e queijos. Aprendi muito ali e, obviamente, aproveitei para viajar por toda a Europa, sendo convidada para conhecer as fábricas de várias empresas. Enfim, fiquei na cidade de St Gallen no ano de 1994 e, quando voltei para a Colômbia e para a Colanta, já não era mais a mesma pessoa. Foi neste contexto que surgiu um convite da Rhodia, uma das companhias que visitei enquanto estava no Velho Mundo. Por ser uma multinacional, assim ficava mais próximo o sonho de conhecer outros países.

Comecei mudando para Bogotá, o que me fez bem, porque, finalmente, saí da casa dos meus pais. Passei a viajar mais também, visitando especialmente os países andinos; depois Brasil, EUA, França, para treinamento. Na minha função de serviço técnico, ajudava os vendedores a atingir as metas com os clientes grandes, mas adorava pegar o carro e visitar os pequenos – um contato que me fazia bem. Depois, além de laticínios, entregaram-me também outros mercados, como o de alimentos processados e sucos. Nessa época, prestei uma assistência técnica para a maior empresa da Colômbia na área de sucos, e o negócio deu tão certo que solicitaram que viesse para o Brasil, para treinar o pessoal durante três meses. Como já tinha amigos aqui e o período coincidia com o verão e o Carnaval, adorei a proposta. Corria o ano de 1999.

Durante a minha estadia no Brasil, a diretora para a América Latina tirou férias e pediu para que eu ajudasse com os reports, enquanto estivesse fora. Acredito que este trabalho foi bem avaliado, pois, na volta, ela me recomendou para um global da Rhodia, que me convidou para ser diretora regional de Negócios para a América Latina. Fui tomada de surpresa, mas ela me tranquilizou: “Não se preocupe, você sabe fazer negócios. Você tem talento, vi isso pelos seus reports ”. Eu não conhecia o business no Brasil, nem no Mexico. Ainda assim fui entrevistada e me aprovaram para o cargo. As coisas foram dando certo, e assim se passariam 24 anos.

Neste intervalo de tempo, o grupo dinamarquês Danisco completou, em junho de 2004, a aquisição da Rhodia. Esse processo trouxe poucas mudanças para mim. Continuei com chefes franceses e tive a oportunidade de fazer estágios longos nos Estados Unidos e no México. A meta, na verdade, era ir para a França, sonho que alimentava desde pequeninha, tendo, inclusive, já feito previamente aulas de francês. De tanto insistir, acabaram arrumando para mim uma vaga como vice-presidente global de Fibras e Extratos Funcionais, em Paris. Este período coincide com o anúncio da compra da Danisco pela DuPont, anunciada em janeiro de 2011. Essa nova mudança impactou em mim. Estava com um bom emprego, em um cargo global, ganhando superbem, na cidade que sempre quis, mas não estava feliz. Foi por essa ocasião, depois de dois anos, que decidi parar um pouco, respirar outros ares e recolocar minha vida nos trilhos.

Por que você quer ir para a África?

Em Paris, fazia aulas de francês e, na turma, conheci um seminarista croata que estava se preparando para ir para a África. Durante uma conversa trivial com ele, falei que estava dando um tempo na minha carreira executiva e que gostaria de doar este tempo para uma causa maior. Para encurtar uma longa história, ele acabou me colocando em contato com freiras que tinham um projeto em Moçambique. Na conversa com elas, durante um jantar, a mais velha delas me perguntou: “Maria Cecilia, por que você quer ir para a África?”. Respondi que era engenheira de alimentos e que, com meus conhecimentos, poderia contribuir. Ela assentiu, fazendo um sutil movimento com a cabeça. O jantar continuou e, tempos depois, ela fez a mesma pergunta. Entendi que era normal o esquecimento naquela altura da vida. Argumentei que seria legal conhecer a África e que cresceria como ser humano. E quando, tempos depois, ela fez o mesmo questionamento, não resisti e respondi de bate-pronto, sem pausa para respiração: “Irmã, porque tenho 43 anos, não tenho filhos, estou perdida e quero me encontrar.” Então ela sorriu e disse assim: “Bem-vinda a Moçambique! Te esperamos lá”.

Ficaria vários meses na África e ali interagiria rotineiramente com pessoas da Espanha, Argentina, México, Itália e França . Fui inicialmente para trabalhar em uma padaria, que sofreu um incêndio pouco antes da minha chegada. Então passei a ajudar na administração de um hospital direcionado ao tratamento de Aids e tuberculose. Meu tempo foi dedicado a apoiar aqueles programas que, no dia a dia exaustivo do hospital, os dirigentes não conseguiam focar totalmente. Assim, resgatei as informações essenciais para aplicar em iniciativas de fundações internacionais que apoiam causas humanitária, e criei um website que promove o hospital e seus vários programas, como o de adoção de crianças à distância. O mais importante é que foram iniciativas que asseguraram a independência daquele hospital em relação às ajudas sazonais do governo. Estava muito mergulhada naquela organização, mas chegou um momento que tive de fazer uma escolha: a de me aprofundar cada vez mais naquela realidade ou fazer o meu caminho de volta. Fiz a segunda opção, ciente de que ajudei a edificar e não seria interrompida. Preparei alguém para continuar o meu trabalho e, até hoje, ainda que à distância, sigo voluntariamente colaborando.

Um recomeço depois do sabático

Após Moçambique, passei alguns meses “mochilando” pela Ásia. Ao final deste ciclo, voltei ao Brasil para renovar o meu Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), necessário para não brasileiros que mantêm residência temporária ou permanente no país. Estando aqui, recebi uma ligação da Kerry, que atua no mercado de alimentos, bebidas e farmacêuticos, e acabei aceitando a proposta que me fizeram, para ser presidente da unidade de negócios de doces e cereais para a América Latina. Depois de dois anos fora do mercado, comecei em outra rotação, naquele janeiro de 2014, em Campinas. E ali foi uma senhora escola, onde aprendi muito, especialmente a ter autonomia para tomar importantes decisões e a ser responsável pelas escolhas que fazia.

No entanto, quase todos aqueles que eram da Danisco e que saíram da DuPont depois da aquisição, acabaram se reencontrando na Corbion. É o caso do atual CEO e do meu atual chefe. Então, quando no segundo semestre de 2015 surgiu o convite para me juntar a eles, como vice-presidente para a América Latina, não foi difícil aceitar, pois já conhecia e gostava da equipe. Além disso, ficaria sediada em São Paulo. Em sete anos, triplicamos os resultados, ampliamos nosso quadro de colaboradores, fizemos duas aquisições no Brasil e uma no México e transformamos a Corbion em uma empresa de nome no território brasileiro, em que as pessoas gostam de trabalhar.

Trata-se de uma organização muito bem integrada aos princípios ESG e que está focada em dar sua contribuição para proteger o planeta. Isso já está explícito no nosso slogan: “Preservando o que importa”. Temos metas bastante rigorosas nesse sentido e aplicamos a metodologia conhecida como life-cycle assessment (que permite avaliar os impactos ambientais referentes a todas as etapas do ciclo de vida de um produto, processo ou serviço) em todos os produtos novos. Com isso, deixamos de usar matérias-primas que não contribuem com a saúde e a sustentabilidade do planeta. Dá-me também muito orgulho destacar que estamos criando a primeira planta circular de ácido láctico (PLA), na Tailândia, em que o desperdício de subprodutos será infinitamente menor. Certamente, não temos problema em tirar produto do portfólio, se isso representa um bem para a humanidade.

Enfim, com a casa em ordem, ainda antes da Pandemia de Covid-19, cheguei para o meu chefe e falei: “E agora?”. Já tínhamos alcançado bons resultados, a equipe estava preparada para andar com suas próprias pernas e queria fazer algo diferente. Soube então que teria uma oportunidade para trabalhar na Ásia. Dali em diante, planejamos a mudança, inicialmente para a China. A pandemia, entretanto, impactou esse projeto, que, finalmente, em julho de 2023, pôde ser concretizado, com a minha mudança, não mais para Shanghai, mas para Singapura, que é onde estou agora, como já disse, como responsável pela região que inclui a China, a Índia, o sudeste asiático e a Austrália.

Não se deixe cegar pelo ego

Eu morava no distrito mais caro de Paris, fui para Moçambique e, ao voltar para o Brasil, sem rumo, tive que me reinventar. E para mim estava tudo certo. Era como voltar para a realidade, tocar a terra de novo. Estava feliz, pois tinha realizado algo realmente marcante para mim. Ir para a África representa o turning point mais significativo da minha jornada de vida. Fez de mim, a meu ver, um ser humano muito melhor. Mas, profissionalmente, a ida para a Suíça foi algo fantástico, porque me colocou em uma vitrine internacional.

Acredito que somos o resultado das escolhas que fazemos. Quando nos deixamos cegar pelo ego, estas escolhas ficam, obviamente, comprometidas. Ao tomarmos decisões com o ego ferido, por exemplo, estamos fadados a incorrer em erro. Isso é uma armadilha, assim como é para as mulheres quererem se provar o tempo inteiro. Não é preciso. Há muito tempo deixei isso de lado e segui o meu caminho, sendo quem realmente sou.

Por experiência própria, defendo que todo profissional deve voltar para as suas raízes. Foi o que tentei fazer com a parada que dei, ao partir para Moçambique. É muito importante este reencontro com nossos valores, revisitar a nossa vida e passá-la a limpo. Refleti muito, por exemplo, sobre os motivos que me levariam à Ásia. Por que deixar o Brasil, onde estava tão bem adaptada? Estava fugindo de quê? Só então percebi que em mim ainda se encontrava a mesma menininha que há 50 anos sonhava em viajar pelo mundo. Foi uma saborosa descoberta. Entendo que, talvez, seja minha última morada como executiva, portanto, vou fazer de tudo para que eu seja muito feliz. Em síntese, Singapura é uma escolha muito especial, porque representa que nunca saí do meu trilho.

Esteja preparado para as oportunidades

Quando trabalhamos em uma multinacional, precisa-se criar valor em todos os pontos: para os acionistas, a equipe, a empresa, o ambiente. Quem consegue isso certamente é um bom líder. Todo mundo tem um universo dentro de si e é preciso entender isso. Quando se consegue extrair o melhor que cada um pode oferecer, cria-se equipes imbatíveis. Portanto, indubitavelmente, é preciso não somente respeitar as individualidades, mas fazer com que cada uma delas trabalhe em prol da equipe.

Quando estava no Brasil, tentei fazer uma equipe mais diversa, e consegui. No primeiro dia em que me sentei à mesa, além de mim, estavam outros dez homens. Hoje, na Corbion da América Latina, ao menos 40% dos postos de liderança estão entregues às mulheres. Mas, independentemente do gênero, para trabalhar comigo o indivíduo tem de pensar no coletivo, e o todo tem de respeitar a individualidade de cada um. Por fim, se tiver de apostar, aposte em si mesmo. Acredite em você, no seu potencial, siga sua intuição, siga adiante. Esteja sempre preparado, porque o mundo, apesar dos seus avanços e retrocessos, está sempre cheio de oportunidades. E o sucesso acena para todos, mas só o alcança quem enxerga essas possibilidades e está pronto para abraçá-las.

Livro recomendado por Maria Cecília Londono

O poder do perdão – Uma receita provada para a saúde e a felicidade, de Fred Lusken. Editora Francis, 2007.

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Como tantas mulheres do Brasil, eu também sou Maria, só que nascida na Colômbia, na cidade de Medellín. Sou a terceira de quatro irmãs, filhas de um pai engenheiro elétrico e uma mãe que, já na fase adulta, fez duas carreiras. Estudei em uma escola católica e nunca estive no grupo dos alunos mais destacados. Era uma criança introvertida e, por conta disso, também solitária. Minha mãe se esforçou muito para que mudasse esse perfil, insistindo para que saísse de casa e interagisse com outras crianças da minha idade. Da minha parte, preferia ficar com meus livros e minhas leituras.

Confesso que desde criança sempre fui muito curiosa e gostava de estar sozinha e de ler muito. Em sua luta particular de me fazer participar do mundo de uma maneira diferente da que estava acostumada, minha mãe acabou me colocando para fazer natação. Fui a primeira da família a cair na piscina e, depois de mim, seguiram minhas três irmãs. Isso trouxe disciplina para a minha vida. Pense em alguém com 7 ou 8 anos que tem de acordar às 4h30 para treinar com água sem aquecimento. E de novo, à tarde, perfazendo 10 sessões de treino por semana. Assim me tornei uma atleta. Representei o clube em outros países, conquistei recordes nacionais no esporte e construí uma carreira atlética muito bem-sucedida. Isso despertou em mim valores muito fortes de responsabilidade, persistência e visão de equipe. Paralelamente a isso, seguia com meus estudos. Não tinha problemas para passar de ano, mas dormia na sala de aula de cansaço, obviamente, porque privilegiava o esporte à minha própria educação, e meu cabelo cheirava a cloro.

De criança me tornei adolescente e, enfim, chegou aquele momento que todo jovem tem de decidir uma carreira. Na verdade, não tinha a menor ideia do que escolher. Como pedir para uma pessoa de 15 anos que decida o que quer fazer na vida? Contudo, uma coisa que tinha muito clara era que queria viajar muito. Sonhava visitar outros países e a natação já estava me permitindo isso. Em uma conversa franca com meus pais – Carlos e Glória –, expressei os meus desejos: “Eu quero mesmo é viajar, não estudar”, disse a eles. Além disso, na Colômbia, diferentemente do Brasil, é mais comum ingressar nas universidades privadas e, portanto, para cursá-las, é preciso pagar. Tínhamos uma vida cômoda, mas bancar o estudo superior de quatro filhas era um desafio enorme. Ainda assim, meu pai me motivava e dizia que, se eu queria conhecer o mundo, que antes estudasse, pois seria isso que me permitiria ir além do que eu própria imaginava. E ele estava certo. Hoje eu já pisei em mais 60 países e, no momento, moro em Singapura, na condição de vice-presidente para a região Ásia-Pacífico na Corbion. Como cheguei até aqui? Continuemos que vou te contar.

O ser humano é do tamanho do valor que damos a ele

Quando chegou o momento de ir para a faculdade, meu pai me perguntou o que queria fazer. Não tinha muitas referências, mas falava-se muito na escola de Engenharia de Alimentos. Meu pai não sabia bem do que se tratava, mas concluiu assim: “Se é engenharia, deve ser bom”. Ele mesmo se encarregou de fazer minha inscrição para os exames, e passei em segundo lugar na Universidade Lasallista. Entrei sem muitas expectativas e acabei me apaixonando pelo curso e pela carreira. Era algo muito versátil. Poderia trabalhar em Marketing, Vendas, na área técnica, Operações, e assim me deixei levar. Dos 60 alunos que começaram comigo em 1984, apenas 24 concluíram, cinco anos depois, sendo 20 mulheres.

Naquele final da década de 1980, Medellín ainda tinha muita violência nas ruas, narcotráfico e guerrilha. Nesse contexto ainda se inseria o machismo. Os quatro colegas homens de turma conseguiram emprego rapidamente, enquanto eu e as demais colegas encontrávamos dificuldade em nos colocar no mercado. Foi então que minha mãe falou que deveria me colocar à disposição para trabalhar inicialmente de graça, sem contrapartida salarial, pois assim ganharia conhecimento profissional, experiência no currículo e networking. De tanto buscar, consegui algo similar a um estágio no Brasil, onde eu bancava tudo, do transporte à alimentação, em uma empresa de alimentos processados, que fazia geleias e sucos. Fiquei muito feliz, afinal, meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na graduação, foi sobre o reaproveitamento de frutas que iam para o lixo, mas que poderiam ser processados e transformados em alimentos para animais, na forma de ração.

Conversando com um vizinho, revelei meu interesse de me inserir já como profissional em alguma empresa de renome, Ele acabou me recomendando para um gerente de um laticínio local, a Colanta, que abriu para mim, em 1990, uma nova porta, pela qual passei. E esse seria um caminho muito interessante.

No meu primeiro dia de trabalho, entregaram-me botas e aventais de tamanhos desproporcionais ao meu tamanho e comecei como supervisora de planta no setor mais problemático da empresa, responsável pela produção de manteiga e creme de leite. Estava com 21 anos e tinha de liderar homens com histórias de vida complicadas num ambiente de narcotráfico, na época. A expectativa, soube depois, era que eu não resistiria por uma semana naquele ambiente. Mas todos dali acabaram por desenvolver um carinho muito grande por mim e, se posso contar uma história bonita da minha carreira, é essa. Ali percebi que o ser humano é do tamanho do valor que damos a ele.

A Suíça como ponto de início da escalada

O setor do qual fiquei responsável era o mais problemático da empresa, inclusive no que dizia respeito à qualidade, mas logo identifiquei os motivos. Encontrei ali pessoas que eram enojadas pelas demais, por conta do histórico de vida, que não podiam ser desligadas e, consequentemente, não eram engajadas. Contudo, acolhemos uns aos outros e, em três meses, o setor começou a andar bem e sem problemas de qualidade. Eu, que era introvertida, de alguma maneira, consegui ganhar o respeito deles. E eles, aos poucos, também ganharam o respeito e a valorização dos demais e da diretoria. Ali começou de fato a minha carreira. Fui em seguida enviada para fazer o start up de uma nova planta e, depois, convidada para ser a gerente de Pesquisa e Desenvolvimento, papel que exerci entre 1992 e 1995. Mas, ainda permanecia vivo o sonho de viajar e conhecer novos lugares. Dessa forma, aplicava-me para bolsas de estudo fora da Colômbia. Depois de muitos insucessos, finalmente fui aprovada para uma na Suíça, para trabalhar em laticínios locais.

Estava no lugar certo. A Suíça é a terra dos relógios, dos chocolates, mas também é dos laticínios e queijos. Aprendi muito ali e, obviamente, aproveitei para viajar por toda a Europa, sendo convidada para conhecer as fábricas de várias empresas. Enfim, fiquei na cidade de St Gallen no ano de 1994 e, quando voltei para a Colômbia e para a Colanta, já não era mais a mesma pessoa. Foi neste contexto que surgiu um convite da Rhodia, uma das companhias que visitei enquanto estava no Velho Mundo. Por ser uma multinacional, assim ficava mais próximo o sonho de conhecer outros países.

Comecei mudando para Bogotá, o que me fez bem, porque, finalmente, saí da casa dos meus pais. Passei a viajar mais também, visitando especialmente os países andinos; depois Brasil, EUA, França, para treinamento. Na minha função de serviço técnico, ajudava os vendedores a atingir as metas com os clientes grandes, mas adorava pegar o carro e visitar os pequenos – um contato que me fazia bem. Depois, além de laticínios, entregaram-me também outros mercados, como o de alimentos processados e sucos. Nessa época, prestei uma assistência técnica para a maior empresa da Colômbia na área de sucos, e o negócio deu tão certo que solicitaram que viesse para o Brasil, para treinar o pessoal durante três meses. Como já tinha amigos aqui e o período coincidia com o verão e o Carnaval, adorei a proposta. Corria o ano de 1999.

Durante a minha estadia no Brasil, a diretora para a América Latina tirou férias e pediu para que eu ajudasse com os reports, enquanto estivesse fora. Acredito que este trabalho foi bem avaliado, pois, na volta, ela me recomendou para um global da Rhodia, que me convidou para ser diretora regional de Negócios para a América Latina. Fui tomada de surpresa, mas ela me tranquilizou: “Não se preocupe, você sabe fazer negócios. Você tem talento, vi isso pelos seus reports ”. Eu não conhecia o business no Brasil, nem no Mexico. Ainda assim fui entrevistada e me aprovaram para o cargo. As coisas foram dando certo, e assim se passariam 24 anos.

Neste intervalo de tempo, o grupo dinamarquês Danisco completou, em junho de 2004, a aquisição da Rhodia. Esse processo trouxe poucas mudanças para mim. Continuei com chefes franceses e tive a oportunidade de fazer estágios longos nos Estados Unidos e no México. A meta, na verdade, era ir para a França, sonho que alimentava desde pequeninha, tendo, inclusive, já feito previamente aulas de francês. De tanto insistir, acabaram arrumando para mim uma vaga como vice-presidente global de Fibras e Extratos Funcionais, em Paris. Este período coincide com o anúncio da compra da Danisco pela DuPont, anunciada em janeiro de 2011. Essa nova mudança impactou em mim. Estava com um bom emprego, em um cargo global, ganhando superbem, na cidade que sempre quis, mas não estava feliz. Foi por essa ocasião, depois de dois anos, que decidi parar um pouco, respirar outros ares e recolocar minha vida nos trilhos.

Por que você quer ir para a África?

Em Paris, fazia aulas de francês e, na turma, conheci um seminarista croata que estava se preparando para ir para a África. Durante uma conversa trivial com ele, falei que estava dando um tempo na minha carreira executiva e que gostaria de doar este tempo para uma causa maior. Para encurtar uma longa história, ele acabou me colocando em contato com freiras que tinham um projeto em Moçambique. Na conversa com elas, durante um jantar, a mais velha delas me perguntou: “Maria Cecilia, por que você quer ir para a África?”. Respondi que era engenheira de alimentos e que, com meus conhecimentos, poderia contribuir. Ela assentiu, fazendo um sutil movimento com a cabeça. O jantar continuou e, tempos depois, ela fez a mesma pergunta. Entendi que era normal o esquecimento naquela altura da vida. Argumentei que seria legal conhecer a África e que cresceria como ser humano. E quando, tempos depois, ela fez o mesmo questionamento, não resisti e respondi de bate-pronto, sem pausa para respiração: “Irmã, porque tenho 43 anos, não tenho filhos, estou perdida e quero me encontrar.” Então ela sorriu e disse assim: “Bem-vinda a Moçambique! Te esperamos lá”.

Ficaria vários meses na África e ali interagiria rotineiramente com pessoas da Espanha, Argentina, México, Itália e França . Fui inicialmente para trabalhar em uma padaria, que sofreu um incêndio pouco antes da minha chegada. Então passei a ajudar na administração de um hospital direcionado ao tratamento de Aids e tuberculose. Meu tempo foi dedicado a apoiar aqueles programas que, no dia a dia exaustivo do hospital, os dirigentes não conseguiam focar totalmente. Assim, resgatei as informações essenciais para aplicar em iniciativas de fundações internacionais que apoiam causas humanitária, e criei um website que promove o hospital e seus vários programas, como o de adoção de crianças à distância. O mais importante é que foram iniciativas que asseguraram a independência daquele hospital em relação às ajudas sazonais do governo. Estava muito mergulhada naquela organização, mas chegou um momento que tive de fazer uma escolha: a de me aprofundar cada vez mais naquela realidade ou fazer o meu caminho de volta. Fiz a segunda opção, ciente de que ajudei a edificar e não seria interrompida. Preparei alguém para continuar o meu trabalho e, até hoje, ainda que à distância, sigo voluntariamente colaborando.

Um recomeço depois do sabático

Após Moçambique, passei alguns meses “mochilando” pela Ásia. Ao final deste ciclo, voltei ao Brasil para renovar o meu Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), necessário para não brasileiros que mantêm residência temporária ou permanente no país. Estando aqui, recebi uma ligação da Kerry, que atua no mercado de alimentos, bebidas e farmacêuticos, e acabei aceitando a proposta que me fizeram, para ser presidente da unidade de negócios de doces e cereais para a América Latina. Depois de dois anos fora do mercado, comecei em outra rotação, naquele janeiro de 2014, em Campinas. E ali foi uma senhora escola, onde aprendi muito, especialmente a ter autonomia para tomar importantes decisões e a ser responsável pelas escolhas que fazia.

No entanto, quase todos aqueles que eram da Danisco e que saíram da DuPont depois da aquisição, acabaram se reencontrando na Corbion. É o caso do atual CEO e do meu atual chefe. Então, quando no segundo semestre de 2015 surgiu o convite para me juntar a eles, como vice-presidente para a América Latina, não foi difícil aceitar, pois já conhecia e gostava da equipe. Além disso, ficaria sediada em São Paulo. Em sete anos, triplicamos os resultados, ampliamos nosso quadro de colaboradores, fizemos duas aquisições no Brasil e uma no México e transformamos a Corbion em uma empresa de nome no território brasileiro, em que as pessoas gostam de trabalhar.

Trata-se de uma organização muito bem integrada aos princípios ESG e que está focada em dar sua contribuição para proteger o planeta. Isso já está explícito no nosso slogan: “Preservando o que importa”. Temos metas bastante rigorosas nesse sentido e aplicamos a metodologia conhecida como life-cycle assessment (que permite avaliar os impactos ambientais referentes a todas as etapas do ciclo de vida de um produto, processo ou serviço) em todos os produtos novos. Com isso, deixamos de usar matérias-primas que não contribuem com a saúde e a sustentabilidade do planeta. Dá-me também muito orgulho destacar que estamos criando a primeira planta circular de ácido láctico (PLA), na Tailândia, em que o desperdício de subprodutos será infinitamente menor. Certamente, não temos problema em tirar produto do portfólio, se isso representa um bem para a humanidade.

Enfim, com a casa em ordem, ainda antes da Pandemia de Covid-19, cheguei para o meu chefe e falei: “E agora?”. Já tínhamos alcançado bons resultados, a equipe estava preparada para andar com suas próprias pernas e queria fazer algo diferente. Soube então que teria uma oportunidade para trabalhar na Ásia. Dali em diante, planejamos a mudança, inicialmente para a China. A pandemia, entretanto, impactou esse projeto, que, finalmente, em julho de 2023, pôde ser concretizado, com a minha mudança, não mais para Shanghai, mas para Singapura, que é onde estou agora, como já disse, como responsável pela região que inclui a China, a Índia, o sudeste asiático e a Austrália.

Não se deixe cegar pelo ego

Eu morava no distrito mais caro de Paris, fui para Moçambique e, ao voltar para o Brasil, sem rumo, tive que me reinventar. E para mim estava tudo certo. Era como voltar para a realidade, tocar a terra de novo. Estava feliz, pois tinha realizado algo realmente marcante para mim. Ir para a África representa o turning point mais significativo da minha jornada de vida. Fez de mim, a meu ver, um ser humano muito melhor. Mas, profissionalmente, a ida para a Suíça foi algo fantástico, porque me colocou em uma vitrine internacional.

Acredito que somos o resultado das escolhas que fazemos. Quando nos deixamos cegar pelo ego, estas escolhas ficam, obviamente, comprometidas. Ao tomarmos decisões com o ego ferido, por exemplo, estamos fadados a incorrer em erro. Isso é uma armadilha, assim como é para as mulheres quererem se provar o tempo inteiro. Não é preciso. Há muito tempo deixei isso de lado e segui o meu caminho, sendo quem realmente sou.

Por experiência própria, defendo que todo profissional deve voltar para as suas raízes. Foi o que tentei fazer com a parada que dei, ao partir para Moçambique. É muito importante este reencontro com nossos valores, revisitar a nossa vida e passá-la a limpo. Refleti muito, por exemplo, sobre os motivos que me levariam à Ásia. Por que deixar o Brasil, onde estava tão bem adaptada? Estava fugindo de quê? Só então percebi que em mim ainda se encontrava a mesma menininha que há 50 anos sonhava em viajar pelo mundo. Foi uma saborosa descoberta. Entendo que, talvez, seja minha última morada como executiva, portanto, vou fazer de tudo para que eu seja muito feliz. Em síntese, Singapura é uma escolha muito especial, porque representa que nunca saí do meu trilho.

Esteja preparado para as oportunidades

Quando trabalhamos em uma multinacional, precisa-se criar valor em todos os pontos: para os acionistas, a equipe, a empresa, o ambiente. Quem consegue isso certamente é um bom líder. Todo mundo tem um universo dentro de si e é preciso entender isso. Quando se consegue extrair o melhor que cada um pode oferecer, cria-se equipes imbatíveis. Portanto, indubitavelmente, é preciso não somente respeitar as individualidades, mas fazer com que cada uma delas trabalhe em prol da equipe.

Quando estava no Brasil, tentei fazer uma equipe mais diversa, e consegui. No primeiro dia em que me sentei à mesa, além de mim, estavam outros dez homens. Hoje, na Corbion da América Latina, ao menos 40% dos postos de liderança estão entregues às mulheres. Mas, independentemente do gênero, para trabalhar comigo o indivíduo tem de pensar no coletivo, e o todo tem de respeitar a individualidade de cada um. Por fim, se tiver de apostar, aposte em si mesmo. Acredite em você, no seu potencial, siga sua intuição, siga adiante. Esteja sempre preparado, porque o mundo, apesar dos seus avanços e retrocessos, está sempre cheio de oportunidades. E o sucesso acena para todos, mas só o alcança quem enxerga essas possibilidades e está pronto para abraçá-las.

Livro recomendado por Maria Cecília Londono

O poder do perdão – Uma receita provada para a saúde e a felicidade, de Fred Lusken. Editora Francis, 2007.

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