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Carência de alimentos será uma dura realidade em menos de duas décadas

Nossa entrevista desta edição é sobre um tema da maior importância, que afeta diretamente toda a população mundial

(Blog/Reprodução)
DR

Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2023 às 18h13.

Última atualização em 20 de janeiro de 2023 às 20h06.

Nossa entrevista desta edição é sobre um tema da maior importância, que afeta diretamente toda a população mundial: a perspectiva de haver uma crise alimentar global antes de 2050.

Entrevistamos um dos maiores especialistas sobre o tema, o analista geopolítico De Leon Petta, PhD e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, graduado em História e Política Internacional pela FESP e dono do Canal Geopolítica Mundial. Tenho certeza que vocês, como eu, irão se surpreender com a realidade que se apresenta.

Quais são as perspectivas globais, sob o ponto de vista geopolítico, para os próximos 30 anos?

Um dos principais problemas, que já vem sendo enfrentado pelo mundo, é a perspectiva do agravamento de uma crise de fome dentro de 25 a 30 anos. Falo isso baseado em estatísticas e dados, que mostram uma disparidade gritante entre o aumento do tempo de vida da população mundial, que gera um aumento na demanda por alimentos, pois as pessoas estão envelhecendo e continuam consumindo. Ao mesmo tempo, esse envelhecimento populacional acaba gerando falta de mão de obra, principalmente no campo.

Qual o peso da guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia neste cenário?

A guerra da Rússia com a Ucrânia interrompeu parcial ou totalmente o fluxo de exportações de alimentos por dois países, que estavam entre os 5 maiores players do mundo. Explicando melhor essa relação: o terceiro maior exportador mundial, a Rússia, invadiu o quarto maior exportador, a Ucrânia, que por isso acabou sendo retirada da linha de abastecimento global. Esse é um golpe muito grande:  a Ucrânia passa agora a ser um dos maiores importadores, porque não vai produzir nem para si mesma. Isso provoca uma mudança muito drástica no cenário mundial. Paralelamente a Rússia, que também é um dos maiores exportadores de fertilizantes e outros insumos, acabou recebendo uma série de sanções por parte de países são contra sua posição. Estes países, que estavam nessa linha de produção global, estão enfrentando uma diminuição na sua produção com a ausência desse grande fornecedor.

Quando começamos a sentir os impactos destas mudanças?

Não sentimos tanto os impactos até 2022, embora os gráficos mostrem que a taxa do custo de alimentos disparou em todo o mundo. Mas isso ainda é muito pouco diante do que irá acontecer em 2023 e em 2024. Mesmo que a guerra acabasse hoje, a situação na Ucrânia está tão drástica, que vai levar pelo menos 15 a 20 anos para voltar a ser o que era. Assim, todo o século XXI está comprometido, pois na sua metade já teremos uma série crise alimentar.

Haveria alguma alternativa para suprir estas quedas em produção e exportação?

Acredito que esse cenário poderia ter sido diferente se a Argentina tivesse aproveitado todo o seu potencial para ser uma grande potência no setor de alimentos.  Além de um solo rico, a posição dos rios poderia favorecer facilmente o escoamento da produção para todo o mundo. Mas, infelizmente, nosso país vizinho vem sofrendo com a presença de lideranças incompetentes há mais de um século.

E o Brasil?

Apesar de ser rico em espaços, o Brasil não possui solos da qualidade do solo da Argentina e da Ucrânia, que é o mais rico do mundo. Nossas melhores áreas estão situadas no Mato Grosso do Sul, em algumas regiões do Paraná e no interior paulista, onde não existem rios para escoar a produção. Além disso, para chegar ao litoral é preciso ultrapassar a serra, o que dificulta a implantação de ferrovias. Embora nosso país detenha vastos conhecimentos em engenharia genética, que permitem o cultivo em terras que historicamente não seriam adequadas, a dificuldade logística emperra todo o processo.

Que fatores poderiam colocar o Brasil numa posição mais favorável?

Na minha visão, uma possível solução para colocar o Brasil entre as cinco ou seis maiores potências mundiais do Agronegócio, estaria baseada em três fatores: um deles seria a construção de pelo menos 15 novas usinas nucleares, que barateariam o custo da energia, replicando assim no Agronegócio e na Indústria. Isso permitiria a ampliação da produção sem avanços para o Norte e para a Amazônia, que por si só já atrai um grande estresse no cenário internacional. Isso sem falar em novas tecnologias que poderiam ser aplicadas em áreas já utilizadas, para aumentar a produção alimentar brasileira.

Quais são os outros fatores?

Outra medida positiva seria a construção de mais ferrovias, para baixar o custo logístico do escoamento da produção. Hoje o transporte de alimentos é basicamente feito por rodovias, ou seja, é mais caro, lento e ineficiente. Mesmo que a rede ferroviária de cargas brasileira fosse ampliada em 10 vezes, não chegaria perto dos Estados Unidos, nosso principal concorrente no mercado mundial, e da França, por exemplo. Para completar, existe ainda a necessidade urgente de ampliação e modernização dos portos, que são antigos e altamente defasados.

Quem são nossos maiores competidores em termos globais?

Os dois maiores competidores brasileiros nas exportações do Agro são os Estados Unidos, numa posição mercadologicamente global, e a França, que é aliada dos norte-americanos e funciona como um fornecedor regional com a meta de dominar o mercado europeu. Essa é uma séria disputa por interesses políticos e poder, na qual estamos praticamente sozinhos, brigando com aliados que não querem ver o Brasil crescer e atingir seu papel como potência mundial.

Como o sr. define o Agronegócio diante dessas perspectivas tão sombrias?

Ainda falando especificamente sobre o Brasil, sabemos que nosso país passou por uma desindustrialização muito forte nos últimos 40 anos e, por isso, ficou muito dependente do Agronegócio, que posso definir como o nosso principal músculo, que sustenta a economia e gera empregos. Qualquer tipo de campanha contra o Agronegócio só vai piorar a situação, principalmente quando o mundo está caminhando para uma queda alimentar drástica.

Para finalizar, em sua opinião, qual seria o principal problema que impulsiona este cenário de crise?

Hoje o mundo produz mais do que o suficiente para atender a humanidade inteira. O problema é a disputa de poder, o uso da fome como arma de guerra.

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Nossa entrevista desta edição é sobre um tema da maior importância, que afeta diretamente toda a população mundial: a perspectiva de haver uma crise alimentar global antes de 2050.

Entrevistamos um dos maiores especialistas sobre o tema, o analista geopolítico De Leon Petta, PhD e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, graduado em História e Política Internacional pela FESP e dono do Canal Geopolítica Mundial. Tenho certeza que vocês, como eu, irão se surpreender com a realidade que se apresenta.

Quais são as perspectivas globais, sob o ponto de vista geopolítico, para os próximos 30 anos?

Um dos principais problemas, que já vem sendo enfrentado pelo mundo, é a perspectiva do agravamento de uma crise de fome dentro de 25 a 30 anos. Falo isso baseado em estatísticas e dados, que mostram uma disparidade gritante entre o aumento do tempo de vida da população mundial, que gera um aumento na demanda por alimentos, pois as pessoas estão envelhecendo e continuam consumindo. Ao mesmo tempo, esse envelhecimento populacional acaba gerando falta de mão de obra, principalmente no campo.

Qual o peso da guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia neste cenário?

A guerra da Rússia com a Ucrânia interrompeu parcial ou totalmente o fluxo de exportações de alimentos por dois países, que estavam entre os 5 maiores players do mundo. Explicando melhor essa relação: o terceiro maior exportador mundial, a Rússia, invadiu o quarto maior exportador, a Ucrânia, que por isso acabou sendo retirada da linha de abastecimento global. Esse é um golpe muito grande:  a Ucrânia passa agora a ser um dos maiores importadores, porque não vai produzir nem para si mesma. Isso provoca uma mudança muito drástica no cenário mundial. Paralelamente a Rússia, que também é um dos maiores exportadores de fertilizantes e outros insumos, acabou recebendo uma série de sanções por parte de países são contra sua posição. Estes países, que estavam nessa linha de produção global, estão enfrentando uma diminuição na sua produção com a ausência desse grande fornecedor.

Quando começamos a sentir os impactos destas mudanças?

Não sentimos tanto os impactos até 2022, embora os gráficos mostrem que a taxa do custo de alimentos disparou em todo o mundo. Mas isso ainda é muito pouco diante do que irá acontecer em 2023 e em 2024. Mesmo que a guerra acabasse hoje, a situação na Ucrânia está tão drástica, que vai levar pelo menos 15 a 20 anos para voltar a ser o que era. Assim, todo o século XXI está comprometido, pois na sua metade já teremos uma série crise alimentar.

Haveria alguma alternativa para suprir estas quedas em produção e exportação?

Acredito que esse cenário poderia ter sido diferente se a Argentina tivesse aproveitado todo o seu potencial para ser uma grande potência no setor de alimentos.  Além de um solo rico, a posição dos rios poderia favorecer facilmente o escoamento da produção para todo o mundo. Mas, infelizmente, nosso país vizinho vem sofrendo com a presença de lideranças incompetentes há mais de um século.

E o Brasil?

Apesar de ser rico em espaços, o Brasil não possui solos da qualidade do solo da Argentina e da Ucrânia, que é o mais rico do mundo. Nossas melhores áreas estão situadas no Mato Grosso do Sul, em algumas regiões do Paraná e no interior paulista, onde não existem rios para escoar a produção. Além disso, para chegar ao litoral é preciso ultrapassar a serra, o que dificulta a implantação de ferrovias. Embora nosso país detenha vastos conhecimentos em engenharia genética, que permitem o cultivo em terras que historicamente não seriam adequadas, a dificuldade logística emperra todo o processo.

Que fatores poderiam colocar o Brasil numa posição mais favorável?

Na minha visão, uma possível solução para colocar o Brasil entre as cinco ou seis maiores potências mundiais do Agronegócio, estaria baseada em três fatores: um deles seria a construção de pelo menos 15 novas usinas nucleares, que barateariam o custo da energia, replicando assim no Agronegócio e na Indústria. Isso permitiria a ampliação da produção sem avanços para o Norte e para a Amazônia, que por si só já atrai um grande estresse no cenário internacional. Isso sem falar em novas tecnologias que poderiam ser aplicadas em áreas já utilizadas, para aumentar a produção alimentar brasileira.

Quais são os outros fatores?

Outra medida positiva seria a construção de mais ferrovias, para baixar o custo logístico do escoamento da produção. Hoje o transporte de alimentos é basicamente feito por rodovias, ou seja, é mais caro, lento e ineficiente. Mesmo que a rede ferroviária de cargas brasileira fosse ampliada em 10 vezes, não chegaria perto dos Estados Unidos, nosso principal concorrente no mercado mundial, e da França, por exemplo. Para completar, existe ainda a necessidade urgente de ampliação e modernização dos portos, que são antigos e altamente defasados.

Quem são nossos maiores competidores em termos globais?

Os dois maiores competidores brasileiros nas exportações do Agro são os Estados Unidos, numa posição mercadologicamente global, e a França, que é aliada dos norte-americanos e funciona como um fornecedor regional com a meta de dominar o mercado europeu. Essa é uma séria disputa por interesses políticos e poder, na qual estamos praticamente sozinhos, brigando com aliados que não querem ver o Brasil crescer e atingir seu papel como potência mundial.

Como o sr. define o Agronegócio diante dessas perspectivas tão sombrias?

Ainda falando especificamente sobre o Brasil, sabemos que nosso país passou por uma desindustrialização muito forte nos últimos 40 anos e, por isso, ficou muito dependente do Agronegócio, que posso definir como o nosso principal músculo, que sustenta a economia e gera empregos. Qualquer tipo de campanha contra o Agronegócio só vai piorar a situação, principalmente quando o mundo está caminhando para uma queda alimentar drástica.

Para finalizar, em sua opinião, qual seria o principal problema que impulsiona este cenário de crise?

Hoje o mundo produz mais do que o suficiente para atender a humanidade inteira. O problema é a disputa de poder, o uso da fome como arma de guerra.

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