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Professor, você está pronto para um Mundo VUCA?

Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity: viveremos a partir daqui um mundo onde a tecnologia terá um papel ainda mais preponderante na educação

(Depositphoto/Exame)
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allanluciana

Publicado em 11 de maio de 2020 às 17h41.

Última atualização em 11 de maio de 2020 às 17h56.

Desde que a pandemia virou nossas vidas de cabeça para baixo tenho sido abordada por professores, gestores e especialistas em educação com algumas inquietantes questões: Luciana, como as escolas irão retomar as aulas após o fim do isolamento? Que transformações podemos esperar nos modelos de ensino-aprendizagem? Será mesmo o fim da sala de aula como conhecemos? A educação, mesmo no ensino básico, irá migrar para os ambientes virtuais?

Se eu disser a vocês que tenho respostas 100% assertivas certamente estarei incorrendo no risco do mero exercício de futurologia. Ainda estamos na fase de tentar acreditar que tudo não passa de um pesadelo, um filme de ficção. Ninguém estava pronto, não havia um plano de contingência, era inimaginável que em tão pouco tempo seríamos forçados a trancar as salas de aula e pensar em poucas semanas como não perdermos o ano letivo.

Passados dois meses do início do isolamento só podemos ter uma certeza: a inovação na educação se tornou, e continuará sendo, uma questão tão necessária quanto em outros setores, forçando professores, pais e alunos a descobrirem novas formas de estudar sem poder sair de casa. É uma realidade angustiante para muitos, sem dúvida, mas ela está aí e nos impõe uma enorme dose de coragem e resiliência para construirmos juntos a nova pedagogia do distanciamento.

O ponto que trago aqui, procurando olhar a outra metade do copo, é que a pandemia está nos abrindo a oportunidade de estruturarmos na marra um novo modelo educacional mais conectado com a garotada nascida depois da criação e disseminação da Internet. Até sermos atropelados pelo coronavírus, a tecnologia era uma ferramenta complementar dentro do processo formativo, um suporte ao modelo presencial, estava contextualizada dentro do ambiente escolar e não como substituta das aulas lecionadas entre paredes.

Mas isso vai mudar. Já mudou. O chamado “novo normal” na educação será alicerçado pelo uso de metodologias ativas voltadas ao desenvolvimento das competências inerentes ao Século XXI, que, queiramos ou não, agora sim chegou sem pedir licença. A pandemia acelerou nosso ingresso em uma nova era que irá demandar o aprendizado de novas habilidades e novas profissões que sequer ainda conhecemos, exigindo uma nova educação focada não apenas nos aspectos cognitivos, mas principalmente nos socioemocionais e digitais.

Há tempos venho insistindo na urgência de estimular a construção de uma escola que priorize a criatividade, o pensar fora da caixa, o empreendedorismo. Bom, agora, não há mais volta. O futuro bateu em nossas portas sem qualquer cerimônia e impôs a adoção da educação remota como, por enquanto, o único caminho para não interrompermos totalmente a vida escolar depois de termos sido obrigados a enclausurar nossos estudantes.

O EAD para educação básica era algo inimaginável e alvo de críticas dos professores luditas, contrários à prática de ensino através das telas de PCs e celulares. Ainda que mais aceitável no Ensino Médio, esta modalidade de ensino se concentrava especialmente na prática da sala de aula invertida, deixando o estudo teórico para o ambiente virtual e a sala de aula para momentos de reflexão e atividades práticas.

A nuvem era mais acessada para o compartilhamento de conteúdos em diversos formatos. O ambiente digital funcionava mais como acervo de materiais didáticos e videoaulas para acesso individual, cada um na sua casa, e menos para ministrar aulas virtuais para toda classe ao mesmo tempo no lugar das presenciais.

Mas repentinamente, sem que tivéssemos uma mínima oportunidade de planejamento e organização estrutural, a escola foi para dentro de aplicativos. Foram abertas salas no Zoom e no Hangout, comunidades no Teams, grupos de trabalho no WhatsApp e implementadas plataformas de LMS. E é assim que agora a vida segue.

E agora professor? E agora professora? E agora pais? E agora alunos e alunas?

Agora não há outro caminho a não ser adotarmos o darwinismo na educação e incorporamos novas práticas que, vale dizer, não serão abandonadas no pós-covid. Ainda estamos tateando estes novos caminhos, atravessando um período emergencial que vem exigindo uma reinvenção a toque de caixa. Estamos todos buscando fazer o impossível. E assim é o ser humano. É nas adversidades que nos metamorfoseamos, tal qual uma borboleta que deixa o casulo para descobrir um novo mundo.

Há distintas realidades Brasil afora, claro. Há escolas que já estavam mais preparadas e adiantadas no processo de transformação digital. Outras continuam sofrendo com a carência de infraestrutura técnica e de um corpo docente preparado que reúna o conhecimento necessário para trabalhar com ferramentas tecnológicas; isso sem falar em dificuldade de acesso à Internet por muitos alunos.

Estes precisam ter muita ousadia para seguir com o que têm para hoje. Mas não podemos deixar que fiquem para trás. São eles que merecem nossa especial atenção e apoio para que possam cruzar a ponte digital sem desistir no meio do caminho. É para eles que devemos batalhar por oportunidades de acesso à Internet, é com professores e escolas menos preparadas que devemos compartilhar nossas experiências e boas práticas através de lives, programas de formação a distância de docentes e disponibilização de conteúdos que sirvam como guias para os primeiros passos na educação remota.

Mais do que nunca, é preciso nestes tempos de crise darmos as mãos a quem mais precisa e tem maior dificuldade em viabilizar uma nova educação, seja por falta de infraestrutura, seja por falta de conhecimento técnico. Temos que apoiá-los no “aprender a aprender” para que possam se fortalecer para buscar os recursos necessários neste momento.

Precisamos ser realistas: a volta às aulas pode levar ainda algum tempo. Provavelmente não nos reencontraremos em sala de aula ainda neste semestre ou, talvez, nem mesmo neste ano. Portanto, buscar prover acesso à Internet a todos os alunos, repensar propostas pedagógicas e desenhar um planejamento para retomada considerando esta nova realidade é o melhor e a única coisa a fazer. O antigo formato, é bom aceitar, não terá mais sentido.

A Covid-19 nos trouxe definitivamente para o chamado Mundo VUCA, sigla para Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity. Sim, viveremos a partir daqui um mundo cada vez mais Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo. E nele a tecnologia terá um papel ainda mais preponderante.

Neste novo mundo, o professor passará a ser um designer de aprendizagem, seja ela virtual ou presencial. Toda esta experiência adquirida veio para ficar e se podemos tirar algo de positivo da pandemia é fazer da inovação o nosso mantra. Pode ser doloroso como tudo que é novo, mas não vai demorar para percebermos o quanto os alunos são capazes de aprender acessando aparatos tecnológicos e que ensinar em novos formatos não é um bicho de sete cabeças.

O ensino presencial, você verá, terá um papel muito mais social do que educacional. Cada vez menos fará sentido enfileirar cadeiras para transmitir ensinamentos. A escola será muito mais do que um espaço de aprendizagem. Ela voltará para ser um espaço para o que mais nos faz falta agora: a convivência.

*Luciana Allan é Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação

Desde que a pandemia virou nossas vidas de cabeça para baixo tenho sido abordada por professores, gestores e especialistas em educação com algumas inquietantes questões: Luciana, como as escolas irão retomar as aulas após o fim do isolamento? Que transformações podemos esperar nos modelos de ensino-aprendizagem? Será mesmo o fim da sala de aula como conhecemos? A educação, mesmo no ensino básico, irá migrar para os ambientes virtuais?

Se eu disser a vocês que tenho respostas 100% assertivas certamente estarei incorrendo no risco do mero exercício de futurologia. Ainda estamos na fase de tentar acreditar que tudo não passa de um pesadelo, um filme de ficção. Ninguém estava pronto, não havia um plano de contingência, era inimaginável que em tão pouco tempo seríamos forçados a trancar as salas de aula e pensar em poucas semanas como não perdermos o ano letivo.

Passados dois meses do início do isolamento só podemos ter uma certeza: a inovação na educação se tornou, e continuará sendo, uma questão tão necessária quanto em outros setores, forçando professores, pais e alunos a descobrirem novas formas de estudar sem poder sair de casa. É uma realidade angustiante para muitos, sem dúvida, mas ela está aí e nos impõe uma enorme dose de coragem e resiliência para construirmos juntos a nova pedagogia do distanciamento.

O ponto que trago aqui, procurando olhar a outra metade do copo, é que a pandemia está nos abrindo a oportunidade de estruturarmos na marra um novo modelo educacional mais conectado com a garotada nascida depois da criação e disseminação da Internet. Até sermos atropelados pelo coronavírus, a tecnologia era uma ferramenta complementar dentro do processo formativo, um suporte ao modelo presencial, estava contextualizada dentro do ambiente escolar e não como substituta das aulas lecionadas entre paredes.

Mas isso vai mudar. Já mudou. O chamado “novo normal” na educação será alicerçado pelo uso de metodologias ativas voltadas ao desenvolvimento das competências inerentes ao Século XXI, que, queiramos ou não, agora sim chegou sem pedir licença. A pandemia acelerou nosso ingresso em uma nova era que irá demandar o aprendizado de novas habilidades e novas profissões que sequer ainda conhecemos, exigindo uma nova educação focada não apenas nos aspectos cognitivos, mas principalmente nos socioemocionais e digitais.

Há tempos venho insistindo na urgência de estimular a construção de uma escola que priorize a criatividade, o pensar fora da caixa, o empreendedorismo. Bom, agora, não há mais volta. O futuro bateu em nossas portas sem qualquer cerimônia e impôs a adoção da educação remota como, por enquanto, o único caminho para não interrompermos totalmente a vida escolar depois de termos sido obrigados a enclausurar nossos estudantes.

O EAD para educação básica era algo inimaginável e alvo de críticas dos professores luditas, contrários à prática de ensino através das telas de PCs e celulares. Ainda que mais aceitável no Ensino Médio, esta modalidade de ensino se concentrava especialmente na prática da sala de aula invertida, deixando o estudo teórico para o ambiente virtual e a sala de aula para momentos de reflexão e atividades práticas.

A nuvem era mais acessada para o compartilhamento de conteúdos em diversos formatos. O ambiente digital funcionava mais como acervo de materiais didáticos e videoaulas para acesso individual, cada um na sua casa, e menos para ministrar aulas virtuais para toda classe ao mesmo tempo no lugar das presenciais.

Mas repentinamente, sem que tivéssemos uma mínima oportunidade de planejamento e organização estrutural, a escola foi para dentro de aplicativos. Foram abertas salas no Zoom e no Hangout, comunidades no Teams, grupos de trabalho no WhatsApp e implementadas plataformas de LMS. E é assim que agora a vida segue.

E agora professor? E agora professora? E agora pais? E agora alunos e alunas?

Agora não há outro caminho a não ser adotarmos o darwinismo na educação e incorporamos novas práticas que, vale dizer, não serão abandonadas no pós-covid. Ainda estamos tateando estes novos caminhos, atravessando um período emergencial que vem exigindo uma reinvenção a toque de caixa. Estamos todos buscando fazer o impossível. E assim é o ser humano. É nas adversidades que nos metamorfoseamos, tal qual uma borboleta que deixa o casulo para descobrir um novo mundo.

Há distintas realidades Brasil afora, claro. Há escolas que já estavam mais preparadas e adiantadas no processo de transformação digital. Outras continuam sofrendo com a carência de infraestrutura técnica e de um corpo docente preparado que reúna o conhecimento necessário para trabalhar com ferramentas tecnológicas; isso sem falar em dificuldade de acesso à Internet por muitos alunos.

Estes precisam ter muita ousadia para seguir com o que têm para hoje. Mas não podemos deixar que fiquem para trás. São eles que merecem nossa especial atenção e apoio para que possam cruzar a ponte digital sem desistir no meio do caminho. É para eles que devemos batalhar por oportunidades de acesso à Internet, é com professores e escolas menos preparadas que devemos compartilhar nossas experiências e boas práticas através de lives, programas de formação a distância de docentes e disponibilização de conteúdos que sirvam como guias para os primeiros passos na educação remota.

Mais do que nunca, é preciso nestes tempos de crise darmos as mãos a quem mais precisa e tem maior dificuldade em viabilizar uma nova educação, seja por falta de infraestrutura, seja por falta de conhecimento técnico. Temos que apoiá-los no “aprender a aprender” para que possam se fortalecer para buscar os recursos necessários neste momento.

Precisamos ser realistas: a volta às aulas pode levar ainda algum tempo. Provavelmente não nos reencontraremos em sala de aula ainda neste semestre ou, talvez, nem mesmo neste ano. Portanto, buscar prover acesso à Internet a todos os alunos, repensar propostas pedagógicas e desenhar um planejamento para retomada considerando esta nova realidade é o melhor e a única coisa a fazer. O antigo formato, é bom aceitar, não terá mais sentido.

A Covid-19 nos trouxe definitivamente para o chamado Mundo VUCA, sigla para Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity. Sim, viveremos a partir daqui um mundo cada vez mais Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo. E nele a tecnologia terá um papel ainda mais preponderante.

Neste novo mundo, o professor passará a ser um designer de aprendizagem, seja ela virtual ou presencial. Toda esta experiência adquirida veio para ficar e se podemos tirar algo de positivo da pandemia é fazer da inovação o nosso mantra. Pode ser doloroso como tudo que é novo, mas não vai demorar para percebermos o quanto os alunos são capazes de aprender acessando aparatos tecnológicos e que ensinar em novos formatos não é um bicho de sete cabeças.

O ensino presencial, você verá, terá um papel muito mais social do que educacional. Cada vez menos fará sentido enfileirar cadeiras para transmitir ensinamentos. A escola será muito mais do que um espaço de aprendizagem. Ela voltará para ser um espaço para o que mais nos faz falta agora: a convivência.

*Luciana Allan é Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação

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