Como os países ricos podem ajudar o Brasil e o que nos ensina Ruy Barbosa
A notícia que vem dos países ricos pode ajudar o bom ciclo de commodities e, com isso, levar o Brasil a apresentar números equilibrados
Bibiana Guaraldi
Publicado em 20 de abril de 2021 às 09h50.
A continuar a lentidão da vacinação em massa, da economia às voltas com as incertezas causadas pela ausência de um governo que pode levar o dólar a R$ 6 em dezembro, só resta ao Brasil a âncora fixada em seus dois grandes parceiros comerciais: a China e os Estados Unidos . É bom esquecer a Argentina, às voltas com uma economia em crise e o retorno da segunda onda da pandemia, mesmo com todos os protocolos adotados em março do ano passado. Os Estados Unidos, em uma reviravolta surpreendente, saíram de números só vistos na Grande Depressão, em 1929, e prometem ter um crescimento forte neste ano e em 2022. A China, que investe pesado em parceiros como o Irã, não ficará atrás, e os números serão robustos. Ambos, sobretudo a China, ajudarão o Brasil a reduzir o atoleiro da economia. As duas grandes nações podem ter crescimento, no próximo ano, perto de dois dígitos.
Não há mágica no processo. O governo Bolsonaro perdeu o protagonismo, em que pese o presidente ter feito escola com o famoso Houdini, o mestre do ilusionismo. Diariamente, ele cria fatos capazes de impressionar a sua base cativa – entre 25 e 30% do eleitorado –, mesmo com os assustadores números de mortos da Covid-19. Nem vou falar aqui, cara leitora e caro leitor, da estatística, sobejamente divulgada pelo competente consórcio de veículos de imprensa, na ausência de dados confiáveis do Ministério da Saúde, desde a despreparada gestão do general Pazuello, de triste memória para os brasileiros, considerando que, mesmo na ditadura civil-militar (1964-1985), o cargo fora ocupado por gestores públicos mais competentes e que enfrentariam gravíssimas endemias.
A notícia que vem dos países ricos pode ajudar o bom ciclo de commodities e, com isso, levar o Brasil a apresentar números equilibrados em sua conta de comércio, o que reduzirá os desastrosos números no setor de serviços. Indústria imobiliária – incorporação e properties –, saúde, mineração, óleo e gás, petroquímica, siderurgia, educação, varejo, moda, entre outros segmentos, são um sinal evidente de que a economia, a despeito de movimentos erráticos, continuará a rodar em um outro ritmo. E aqui não estou falando de empregos precários gerados pelas entregas em domicílios por aplicativos. Aqueles que criticam também a redução da indústria – e com boa dose de razão – deveriam se mirar na grande reviravolta do grupo Ultrapar e da CSN, que se reinventaram na pandemia, da mesma forma que o complexo Votorantim. Há ainda exemplos notáveis, como no setor de celulose, em que o Brasil, com a criação da fibra curta branqueada, invenção dos inovadores Eliezer Batista e do norueguês Erling Lorentzen, dois grandes desbravadores do Espírito Santo nos anos 1950, responsáveis pela implantação da antiga Aracruz (atual Fibria), em terra capixaba. Hoje, a Suzano, dos Feffer, é também uma referência internacional com destaque para a agenda ambiental, conduzida de forma competente pelo CEO Walter Schalka.
Ao contrário do que é decantado por muitos economistas, a indústria não morreu e, de certa forma, passou a depender menos do BNDES. Tome-se o exemplo da grande cadeia da proteína animal, que vai de uma JBS até a AgroSB, ambas adeptas da responsabilidade social e de normas rígidas de controle ambiental. Sem isso, aliás, os seus negócios estariam fadados ao fracasso em razão do exigente mercado internacional.
O que atrapalha esse mundo real, que funciona, dá resultado e emprega milhões de pessoas, é, por vezes, o desacerto do Estado. A retomada, no segundo semestre, ficou mais complexa.
“O brasileiro ficou especialista em três assuntos: o futebol, o fiscal e, por último, o samba”. A frase, bem humorada, é do economista Luiz Guilherme Schymura, um dos maiores (e mais discretos) analistas do país. Sim, a crise fiscal ganhou contornos assombrosos e dogmas dignos da Igreja Católica dos tempos da Santa Inquisição: flexibilizar a chamada PEC do Teto é como enxergar um ciclone à vista de proporções inimagináveis, ainda que possam haver mudanças que gerem despesas capazes de produzirem receitas necessárias para o equilíbrio das contas públicas, no futuro.
Até os economistas críticos da ortodoxia não abandonam o lado fiscal, como se fosse uma obsessão digna de um filme de Fellini ou de Bergman, em que os personagens se confundem em sonhos imaginários. Mundos assombrados pelos demônios e por seres produzidos pelo nosso inconsciente.
Com uma habilidade fora do comum, Bolsonaro manipula os atores políticos e o ministro Paulo Guedes e demonstra um raro tirocínio para comandar o país a seu modo. Tira o foco da sua família e cria, a todo instante, fatos que agradam o seu eleitorado, embora sejam repugnados por eleitores de centro – defende o armamento e restrições aos direitos humanos e a questões de gênero.
– É um personagem singular, um líder que não pode ser ignorado pelos demais atores. Ele pensa no que vai responder no dia seguinte, uma estratégia de curto prazo – diz um privilegiado observado da cena política. Sim, Bolsonaro sabe o público com quem quer se comunicar e a hora correta do chamado rompante, devidamente coberto pela mídia social, dele e dos numerosos seguidores.
Mesmo os críticos a ele e à sua política econômica usam mais frases de efeito do que fatos, como afirmar que a atual gestão da economia é baseada no oportunismo e na incompetência. O saudoso Mario Henrique Simonsen, ao ser perguntado sobre a ação de um ministro da Fazenda, era cuidadoso na resposta, por entender as dificuldades do cargo e, eventualmente, as idiossincrasias do mandatário da República, afeito a acordos políticos. “Eu preciso ser um intelectual honesto ao criticar um ministro da Fazenda. Eu conheço as dificuldades do cargo”, me disse, certa vez, Simonsen (1935-1997), ministro no Governo Geisel. Nem todos agem com a mesma elegância.
É evidente que os números alarmantes de mortes e de infectados pela Covid-19 assustam a todos, não apenas pelas tragédias humanas como pelos efeitos deletérios na atividade econômica. No Leblon e na orla nobre de Copacabana, bem como no Itaim e no Jardim Paulista, há um enorme contingente que não usa máscara e insiste na aglomeração. Uma prova inconteste da resignação.
O fato é que a confusão instaurada no Brasil faz lembrar de uma velha frase de Ruy Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”
Os brasileiros torcem para que a previsão do jurista não se confirme. Afinal, há boas oportunidades à vista na economia real, e o Brasil depende apenas das escolhas acertadas dentro de um propósito democrático e participativo. Não há mais espaço para opções tiranas ou heroicas.
A continuar a lentidão da vacinação em massa, da economia às voltas com as incertezas causadas pela ausência de um governo que pode levar o dólar a R$ 6 em dezembro, só resta ao Brasil a âncora fixada em seus dois grandes parceiros comerciais: a China e os Estados Unidos . É bom esquecer a Argentina, às voltas com uma economia em crise e o retorno da segunda onda da pandemia, mesmo com todos os protocolos adotados em março do ano passado. Os Estados Unidos, em uma reviravolta surpreendente, saíram de números só vistos na Grande Depressão, em 1929, e prometem ter um crescimento forte neste ano e em 2022. A China, que investe pesado em parceiros como o Irã, não ficará atrás, e os números serão robustos. Ambos, sobretudo a China, ajudarão o Brasil a reduzir o atoleiro da economia. As duas grandes nações podem ter crescimento, no próximo ano, perto de dois dígitos.
Não há mágica no processo. O governo Bolsonaro perdeu o protagonismo, em que pese o presidente ter feito escola com o famoso Houdini, o mestre do ilusionismo. Diariamente, ele cria fatos capazes de impressionar a sua base cativa – entre 25 e 30% do eleitorado –, mesmo com os assustadores números de mortos da Covid-19. Nem vou falar aqui, cara leitora e caro leitor, da estatística, sobejamente divulgada pelo competente consórcio de veículos de imprensa, na ausência de dados confiáveis do Ministério da Saúde, desde a despreparada gestão do general Pazuello, de triste memória para os brasileiros, considerando que, mesmo na ditadura civil-militar (1964-1985), o cargo fora ocupado por gestores públicos mais competentes e que enfrentariam gravíssimas endemias.
A notícia que vem dos países ricos pode ajudar o bom ciclo de commodities e, com isso, levar o Brasil a apresentar números equilibrados em sua conta de comércio, o que reduzirá os desastrosos números no setor de serviços. Indústria imobiliária – incorporação e properties –, saúde, mineração, óleo e gás, petroquímica, siderurgia, educação, varejo, moda, entre outros segmentos, são um sinal evidente de que a economia, a despeito de movimentos erráticos, continuará a rodar em um outro ritmo. E aqui não estou falando de empregos precários gerados pelas entregas em domicílios por aplicativos. Aqueles que criticam também a redução da indústria – e com boa dose de razão – deveriam se mirar na grande reviravolta do grupo Ultrapar e da CSN, que se reinventaram na pandemia, da mesma forma que o complexo Votorantim. Há ainda exemplos notáveis, como no setor de celulose, em que o Brasil, com a criação da fibra curta branqueada, invenção dos inovadores Eliezer Batista e do norueguês Erling Lorentzen, dois grandes desbravadores do Espírito Santo nos anos 1950, responsáveis pela implantação da antiga Aracruz (atual Fibria), em terra capixaba. Hoje, a Suzano, dos Feffer, é também uma referência internacional com destaque para a agenda ambiental, conduzida de forma competente pelo CEO Walter Schalka.
Ao contrário do que é decantado por muitos economistas, a indústria não morreu e, de certa forma, passou a depender menos do BNDES. Tome-se o exemplo da grande cadeia da proteína animal, que vai de uma JBS até a AgroSB, ambas adeptas da responsabilidade social e de normas rígidas de controle ambiental. Sem isso, aliás, os seus negócios estariam fadados ao fracasso em razão do exigente mercado internacional.
O que atrapalha esse mundo real, que funciona, dá resultado e emprega milhões de pessoas, é, por vezes, o desacerto do Estado. A retomada, no segundo semestre, ficou mais complexa.
“O brasileiro ficou especialista em três assuntos: o futebol, o fiscal e, por último, o samba”. A frase, bem humorada, é do economista Luiz Guilherme Schymura, um dos maiores (e mais discretos) analistas do país. Sim, a crise fiscal ganhou contornos assombrosos e dogmas dignos da Igreja Católica dos tempos da Santa Inquisição: flexibilizar a chamada PEC do Teto é como enxergar um ciclone à vista de proporções inimagináveis, ainda que possam haver mudanças que gerem despesas capazes de produzirem receitas necessárias para o equilíbrio das contas públicas, no futuro.
Até os economistas críticos da ortodoxia não abandonam o lado fiscal, como se fosse uma obsessão digna de um filme de Fellini ou de Bergman, em que os personagens se confundem em sonhos imaginários. Mundos assombrados pelos demônios e por seres produzidos pelo nosso inconsciente.
Com uma habilidade fora do comum, Bolsonaro manipula os atores políticos e o ministro Paulo Guedes e demonstra um raro tirocínio para comandar o país a seu modo. Tira o foco da sua família e cria, a todo instante, fatos que agradam o seu eleitorado, embora sejam repugnados por eleitores de centro – defende o armamento e restrições aos direitos humanos e a questões de gênero.
– É um personagem singular, um líder que não pode ser ignorado pelos demais atores. Ele pensa no que vai responder no dia seguinte, uma estratégia de curto prazo – diz um privilegiado observado da cena política. Sim, Bolsonaro sabe o público com quem quer se comunicar e a hora correta do chamado rompante, devidamente coberto pela mídia social, dele e dos numerosos seguidores.
Mesmo os críticos a ele e à sua política econômica usam mais frases de efeito do que fatos, como afirmar que a atual gestão da economia é baseada no oportunismo e na incompetência. O saudoso Mario Henrique Simonsen, ao ser perguntado sobre a ação de um ministro da Fazenda, era cuidadoso na resposta, por entender as dificuldades do cargo e, eventualmente, as idiossincrasias do mandatário da República, afeito a acordos políticos. “Eu preciso ser um intelectual honesto ao criticar um ministro da Fazenda. Eu conheço as dificuldades do cargo”, me disse, certa vez, Simonsen (1935-1997), ministro no Governo Geisel. Nem todos agem com a mesma elegância.
É evidente que os números alarmantes de mortes e de infectados pela Covid-19 assustam a todos, não apenas pelas tragédias humanas como pelos efeitos deletérios na atividade econômica. No Leblon e na orla nobre de Copacabana, bem como no Itaim e no Jardim Paulista, há um enorme contingente que não usa máscara e insiste na aglomeração. Uma prova inconteste da resignação.
O fato é que a confusão instaurada no Brasil faz lembrar de uma velha frase de Ruy Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”
Os brasileiros torcem para que a previsão do jurista não se confirme. Afinal, há boas oportunidades à vista na economia real, e o Brasil depende apenas das escolhas acertadas dentro de um propósito democrático e participativo. Não há mais espaço para opções tiranas ou heroicas.