O oceano azul das “Agrifintechs” no Brasil
O Brasil possui um grande potencial, ainda pouco explorado, para soluções financeiras inovadoras no segmento agro
Lucas Josa
Publicado em 1 de junho de 2021 às 11h33.
Última atualização em 1 de junho de 2021 às 17h33.
Sendo de vital importância para o mundo, a agroindústria tem um relevante peso na economia de diversos países, sobretudo do Brasil. Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), o agronegócio representa atualmente 21,4% do PIB nacional e foi responsável por 48% das exportações brasileiras em 2020 - isso de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O setor segue em franca expansão e se moderniza ano após ano, tanto pelos movimentos realizados por grandes companhias que habitam esse espaço quanto pelo surgimento e desenvolvimento das “agtechs” – startups que se propõe a trazer soluções inovadoras para a agroindústria.
Dentro do universo das agtechs, vemos soluções que endereçam diversas necessidades dos produtores e da cadeia do agronegócio, inclusive necessidades pertencentes ao mundo financeiro. É exatamente neste ponto que vemos a interseção entre o segmento agtech e fintech, dando origem a uma nova vertical que vêm sendo chamada mundo afora de agrifintech (por vezes também chamada de agfintech).
Dentre as companhias deste nicho, vemos aquelas que estão atuando com crédito (facilitando o acesso ao capital e financiando a expansão da agroindústria), desenvolvendo ferramentas de mensuração de risco para contratos financeiros (melhorando a eficiência e a precificação de produtos e insumos), provendo educação financeira e soluções ao pequeno produtor (endereçando a inclusão financeira daqueles que atuam na agricultura de subsistência), além de diversas outras propostas de negócio. Contudo, é importante observarmos que a vertical agrifintech possui um grande potencial que ainda é pouco explorado por aqui quando contrastamos com o tamanho do mercado e as ineficiências que ainda encontramos nele. Nos últimos anos, porém, temos visto surgimento de uma crescente nova leva de empreendedores que resolveram entrar de cabeça nesse mercado – e no momento estão navegando em um oceano azul de oportunidades.
Iniciativas ao redor do globo
Pelo mundo, vemos as agrifintechs desenvolvendo soluções aderentes às necessidades mais latentes do mercado onde atuam. Em países mais desenvolvidos, costumamos encontrar uma agroindústria mais sofisticada, na qual produtores de variados portes geralmente têm maior conhecimento e acesso, lançando mão de diferentes produtos financeiros na condução de suas operações (como alternativas de financiamento, seguros e instrumentos de controle de risco). Nesse caso, iniciativas ligadas à melhoria de performance financeira e ao aperfeiçoamento da experiência dos usuários tendem a aparecer com maior frequência.
No mercado norte-americano, por exemplo, nos deparamos com startups como a Farmers Business Network (FBN), que iniciou suas atividades em 2014 como uma plataforma de dados agrícolas que tinha a intenção de ajudar os agricultores a realizarem um melhor gerenciamento dos dados do seu negócio e obter percepções uns dos outros em temas como seleção de grãos, comparação de produtividade e realização de benchmarking para melhoria de desempenho. Os dados coletados são predominantemente extraídos de sensores dos equipamentos agrícolas, mas também há uma parte que pode ser registrada manualmente pelos agricultores. Um tempo depois, a startup lançou uma funcionalidade que tornava possível compartilhar resultados de desempenho e pesquisas sobre grãos com os usuários para ajudá-los a tomar melhores decisões de compra. Em 2016 o sistema evoluiu e foi batizado de FBN Direct, tornando-se uma plataforma de comércio eletrônico que permite aos agricultores descobrir e comprar suprimentos totalmente online e que também oferece a eles crédito em suas compras por meio de termos de pagamentos flexíveis ou empréstimos concedidos por parceiros da rede. Em entrevista para o portal norte-americano AgFunderNews o co-fundador da empresa, Charles Baron, chegou a afirmar que esta parte do negócio, que permite aos agricultores compartilhar seus dados agrícolas com provedores financeiros, poderia naturalmente se desenvolver em um mercado de empréstimos agrícolas mais amplo no futuro. No início de 2019 a FBN anunciou uma parceria com a Amazon que passou a disponibilizar ofertas e descontos exclusivos aos mais de 7.600 membros de sua rede enquanto esses fizerem compras via plataforma Amazon Business.
No Reino Unido, um dos principais mercados fintech do mundo, vimos surgir em 2020 o Oxbury Bank – banco digital que possui foco no nicho agro britânico. Além de toda linha de produtos financeiros adequados à realidade das fazendas (como uma linha de crédito rotativo para compra de insumos que se adequa ao fluxo de caixa do tomador), a instituição promete entregar uma nova forma de gerenciamento e automação das finanças do dia a dia no agronegócio – e tudo isso com uma incomparável experiência para o usuário e diversas integrações com soluções de contabilidade disponíveis no mercado, por exemplo, dentre outros tipos de soluções. O Oxbury Bank tem como meta atingir uma participação de 8% nos empréstimos agrícolas até 2025, isso em um mercado no qual 70% dos empréstimos ainda são controlados pelos quatro grandes bancos do país. Apesar da meta ambiciosa, o futuro da companhia parece promissor e não há nenhum outro neobank atuando nesse espaço por lá até o momento. Dentre os investidores da agrifintech estão o Wheatsheaf Group (fundo focado no segmento agrícola e no mercado alimentício) e Hugh Grosvenor, Duque de Westminster, um dos jovens mais ricos do mundo com uma fortuna avaliada em mais de 10 bilhões de libras.
Nos países em desenvolvimento encontramos uma realidade de grandes contrastes, na qual de um lado vemos produtores com necessidades típicas de quem já roda um agronegócio de forma profissionalizada (como soluções para melhoria do desempenho financeiro, alternativas de crédito e demais produtos), e, do outro, vemos muitos produtores rurais que praticam agricultura de subsistência e se encontram à margem do sistema financeiro. Segundo dados das Nações Unidas, cerca de dois terços dos 3 bilhões de habitantes rurais do mundo em desenvolvimento vivem em cerca de 475 milhões de pequenas fazendas, trabalhando em terrenos menores que 2 hectares. Muitos são pobres, têm insegurança alimentar e acesso limitado a mercados e serviços. Contudo, eles produzem alimentos para uma proporção substancial da população mundial. Aí reside uma considerável parcela dos desbancarizados do planeta e representa um grande mercado que ainda pode ser mais bem explorado por agritechs alinhadas com iniciativas que causem impacto social.
Dentre os países emergentes, a Índia tem se destacado na cena agritech com o surgimento de diferentes startups focadas em atender as necessidades dos pequenos produtores. Uma dessas startups é a Jai Kisan, que adota uma abordagem B2B2C para fazer parceria com intermediários na cadeia de valor agrícola para que eles possam emprestar aos agricultores a custos mais baixos. Alguns desses intermediários podem, então, oferecer financiamento como um complemento aos insumos que vendem ou disponibilizar um tablet ou laptop em seus pontos de venda para que os agricultores possam solicitar crédito na plataforma da Jai Kisan. Segundo os fundadores da empresa, os tíquetes costumam ser pequenos e esses empréstimos diretos aos agricultores também os ajudam a construir seu perfil e histórico de crédito, facilitando o acesso à empréstimos e serviços financeiros de outros provedores no futuro.
Outro caso interessante na Índia é a Samunnati, startup que visa fornecer empréstimos acessíveis para o segmento agro, e facilitar as relações comerciais entre agroempresas e pequenos produtores e disponibilizar soluções baseadas em tecnologia para aumentar a eficiência nas cadeias de valor. Um outro papel importante da companhia, além da prestação de serviços financeiros adequados à realidade e ao fluxo de caixa do produtor, encontra-se em suas ofertas não financeiras, nas quais incluem desde a educação financeira, planos para digitalização do agronegócio, exposição de tendências de mercado, dentre outras iniciativas que garantem a sustentabilidade de suas ações junto aos produtores no longo prazo.
Outros países como o Quênia, China, Malásia, Filipinas e Indonésia também estão presenciando o surgimento de agrifintechs com foco em soluções que visam a inclusão, o impacto social e a transformação do setor rural.
O movimento agrifintech no Brasil
Por aqui temos um mercado agro forte que alimenta uma boa parte do mundo e é um dos pilares que sustenta a nossa economia. Além de encontramos desafios similares aos de outros países em desenvolvimento (sobretudo em relação à agricultura de subsistência, conforme mencionado anteriormente), encontramos oportunidades na melhoria da eficiência financeira (tanto na redução de riscos na contratação de produtos financeiros como na melhoria da gestão dos instrumentos usados no agronegócio) e na facilitação do acesso às alternativas de crédito (pois apesar de existirem linhas de crédito subsidiadas no país, essas se mostram insuficientes para atender toda a demanda). Olhando de forma ampla, é justamente nessas duas oportunidades onde encontramos uma maior concentração de agrifintechs no Brasil.
Sobre soluções de eficiência no campo que auxiliam na minimização de riscos em contratos financeiros temos dois exemplos interessantes - Agronow e Agryo. A Agronow realiza monitoramento de lavouras e é capaz de estimar produtividade, previsão e histórico de safras em áreas agrícolas com foco em ajudar na tomada de decisões junto a diferentes participantes deste ecossistema, como seguradoras, bancos, companhias de crédito rural, dentre outros. Após investimento recebido pelo BTG Pactual, a startup pretende se consolidar como uma importante agrifintech nacional, passando a desenvolver soluções para análises macrorregionais, internacionais e de processos de crédito, além de criar o “Índice Agronow” de produtividade, com o objetivo de se tornar referência em análises e informações no setor.
Já a Agryo é uma provedora global de inteligência de risco para agricultura, habilitando serviços financeiros e ambientais orientados por dados. Segundo o fundador da Agryo, Isaque Eberhardt, a empresa tem como ambição se tornar uma espécie de S&P ou Moodys do agronegócio (em alusão a duas das maiores agências de classificação de risco do mundo). E ao que tudo indica, a startup convenceu investidores estrangeiros de que isso é possível – e, com isso, está acelerando sua expansão internacional. A Holt Accelerator (sediada em Montreal, no Canadá) é um desses investidores, tendo aportado recursos na companhia em 2020. Segundo Jan Christopher Arp, fundador da Holt, a Agryo tem um importante papel na redução de riscos para provedores de crédito e fazendeiros, agregando valor à cadeia e trazendo maior transparência ao processo de empréstimo. Eles utilizam Big Data e inteligência artificial para monitorar contratos financeiros em tempo real, antecipando assim potenciais riscos que possam impactar a lavoura. A empresa hoje tem atuação no Brasil, nos Estados Unidos (sendo incorporada em Delaware) e no Canadá – neste último país chegou a receber recursos a fundo perdido do programa Scale AI, que visa auxiliar empresas que atuem com inteligência artificial no Canadá.
Olhando para startups que visam facilitar o acesso às alternativas de crédito no setor, vemos um número crescente de novos players adentrando esse terreno. Dentre essas empresas, destaco dois casos –Terramagna e Traive. A Terramagna foi fundada em São José dos Campos em 2016 e se propõe a realizar antecipação de duplicatas e CPRs (cédulas de produto rural) para que distribuidores do agronegócio consigam ter dinheiro em caixa, comprar seus insumos à vista e sair de possíveis riscos da operação de barter (que envolvem o pagamento pelo insumo através da entrega do grão na pós-colheita). Além disso, a empresa também realiza o acompanhamento de garantias através deu um monitoramento da lavoura via satélite, o que traz mais segurança e transparência às operações. Recentemente, a startup levantou um FIDC de 48 milhões de reais para o custeio de soja. Assim, distribuidores de insumos podem antecipar o recebimento dos recursos através das CPRs, que são emitidas pelos produtores em operações de troca de insumos pela produção agrícola futura. A Terramagna foi apontada pelo Hub de Inovação Distrito (em seu relatório de maio de 2021) com uma das startups ligadas ao universo fintech para ficarmos de olho.
A Traive, por sua vez, foi criada por um casal de brasileiros no Estados Unidos em 2018 (a companhia foi incorporada em Delaware), possuindo escritórios em Boston e Minneapolis, além de uma base em São Paulo. A agrifintech foi criada com o objetivo de dar acesso a crédito justo para que produtores de médio porte possam prosperar. Eles usam Big Data para criar perfis de crédito desses produtores, empregando um modelo único que garante proteção para quem empresta e economia para os tomadores. Deste modo, a startup é capaz de conectar diretamente as duas partes em um processo transparente. Assim como a Agryo, o case da Traive mostra que já temos agrifintechs com DNA brasileiro buscando levar soluções de ponta para outros mercados mundo afora.
Além dos exemplos mencionados anteriormente, temos outras agrifintechs que estão, pouco a pouco, povoando essa vertical, como DuAgro (fruto da parceria entre a XP e a securitizadora Vert que busca financiar o custeio agrícola), Agrolend (que fornece crédito com limites renováveis após o pagamento e que aumentam com o tempo), Culttivo (voltado para cafeicultores, dispondo de ofertas especiais para aqueles tiverem estoques de café depositados em armazéns credenciados), Bart Digital (intermedia o registro eletrônico das cédulas do produtor rural, as CPRs perante entidades registradoras), dentre outras.
Investimentos e próximos passos
Os investimentos no segmento estão aquecidos e vemos fundos como Maya Capital, Barn, Accion, ONEVC e SP Ventures olhando com atenção para oportunidades no setor. O SP Ventures, inclusive, é de longe o fundo mais ativo do país quando falamos em agrifintechs. À medida que este segmento se expande, veremos outros investidores priorizando oportunidades dentro dessa tese.
Olhando para o ecossistema de startups como um todo, percebemos que a vertical agrifintech ainda possui poucas representantes. Dado o tamanho e a representatividade do setor agro no Brasil – e sua grande demanda por soluções financeiras que promovam acesso, eficiência e inclusão – fica claro que temos um vasto oceano (azul) para ser navegado.
Sendo de vital importância para o mundo, a agroindústria tem um relevante peso na economia de diversos países, sobretudo do Brasil. Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), o agronegócio representa atualmente 21,4% do PIB nacional e foi responsável por 48% das exportações brasileiras em 2020 - isso de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O setor segue em franca expansão e se moderniza ano após ano, tanto pelos movimentos realizados por grandes companhias que habitam esse espaço quanto pelo surgimento e desenvolvimento das “agtechs” – startups que se propõe a trazer soluções inovadoras para a agroindústria.
Dentro do universo das agtechs, vemos soluções que endereçam diversas necessidades dos produtores e da cadeia do agronegócio, inclusive necessidades pertencentes ao mundo financeiro. É exatamente neste ponto que vemos a interseção entre o segmento agtech e fintech, dando origem a uma nova vertical que vêm sendo chamada mundo afora de agrifintech (por vezes também chamada de agfintech).
Dentre as companhias deste nicho, vemos aquelas que estão atuando com crédito (facilitando o acesso ao capital e financiando a expansão da agroindústria), desenvolvendo ferramentas de mensuração de risco para contratos financeiros (melhorando a eficiência e a precificação de produtos e insumos), provendo educação financeira e soluções ao pequeno produtor (endereçando a inclusão financeira daqueles que atuam na agricultura de subsistência), além de diversas outras propostas de negócio. Contudo, é importante observarmos que a vertical agrifintech possui um grande potencial que ainda é pouco explorado por aqui quando contrastamos com o tamanho do mercado e as ineficiências que ainda encontramos nele. Nos últimos anos, porém, temos visto surgimento de uma crescente nova leva de empreendedores que resolveram entrar de cabeça nesse mercado – e no momento estão navegando em um oceano azul de oportunidades.
Iniciativas ao redor do globo
Pelo mundo, vemos as agrifintechs desenvolvendo soluções aderentes às necessidades mais latentes do mercado onde atuam. Em países mais desenvolvidos, costumamos encontrar uma agroindústria mais sofisticada, na qual produtores de variados portes geralmente têm maior conhecimento e acesso, lançando mão de diferentes produtos financeiros na condução de suas operações (como alternativas de financiamento, seguros e instrumentos de controle de risco). Nesse caso, iniciativas ligadas à melhoria de performance financeira e ao aperfeiçoamento da experiência dos usuários tendem a aparecer com maior frequência.
No mercado norte-americano, por exemplo, nos deparamos com startups como a Farmers Business Network (FBN), que iniciou suas atividades em 2014 como uma plataforma de dados agrícolas que tinha a intenção de ajudar os agricultores a realizarem um melhor gerenciamento dos dados do seu negócio e obter percepções uns dos outros em temas como seleção de grãos, comparação de produtividade e realização de benchmarking para melhoria de desempenho. Os dados coletados são predominantemente extraídos de sensores dos equipamentos agrícolas, mas também há uma parte que pode ser registrada manualmente pelos agricultores. Um tempo depois, a startup lançou uma funcionalidade que tornava possível compartilhar resultados de desempenho e pesquisas sobre grãos com os usuários para ajudá-los a tomar melhores decisões de compra. Em 2016 o sistema evoluiu e foi batizado de FBN Direct, tornando-se uma plataforma de comércio eletrônico que permite aos agricultores descobrir e comprar suprimentos totalmente online e que também oferece a eles crédito em suas compras por meio de termos de pagamentos flexíveis ou empréstimos concedidos por parceiros da rede. Em entrevista para o portal norte-americano AgFunderNews o co-fundador da empresa, Charles Baron, chegou a afirmar que esta parte do negócio, que permite aos agricultores compartilhar seus dados agrícolas com provedores financeiros, poderia naturalmente se desenvolver em um mercado de empréstimos agrícolas mais amplo no futuro. No início de 2019 a FBN anunciou uma parceria com a Amazon que passou a disponibilizar ofertas e descontos exclusivos aos mais de 7.600 membros de sua rede enquanto esses fizerem compras via plataforma Amazon Business.
No Reino Unido, um dos principais mercados fintech do mundo, vimos surgir em 2020 o Oxbury Bank – banco digital que possui foco no nicho agro britânico. Além de toda linha de produtos financeiros adequados à realidade das fazendas (como uma linha de crédito rotativo para compra de insumos que se adequa ao fluxo de caixa do tomador), a instituição promete entregar uma nova forma de gerenciamento e automação das finanças do dia a dia no agronegócio – e tudo isso com uma incomparável experiência para o usuário e diversas integrações com soluções de contabilidade disponíveis no mercado, por exemplo, dentre outros tipos de soluções. O Oxbury Bank tem como meta atingir uma participação de 8% nos empréstimos agrícolas até 2025, isso em um mercado no qual 70% dos empréstimos ainda são controlados pelos quatro grandes bancos do país. Apesar da meta ambiciosa, o futuro da companhia parece promissor e não há nenhum outro neobank atuando nesse espaço por lá até o momento. Dentre os investidores da agrifintech estão o Wheatsheaf Group (fundo focado no segmento agrícola e no mercado alimentício) e Hugh Grosvenor, Duque de Westminster, um dos jovens mais ricos do mundo com uma fortuna avaliada em mais de 10 bilhões de libras.
Nos países em desenvolvimento encontramos uma realidade de grandes contrastes, na qual de um lado vemos produtores com necessidades típicas de quem já roda um agronegócio de forma profissionalizada (como soluções para melhoria do desempenho financeiro, alternativas de crédito e demais produtos), e, do outro, vemos muitos produtores rurais que praticam agricultura de subsistência e se encontram à margem do sistema financeiro. Segundo dados das Nações Unidas, cerca de dois terços dos 3 bilhões de habitantes rurais do mundo em desenvolvimento vivem em cerca de 475 milhões de pequenas fazendas, trabalhando em terrenos menores que 2 hectares. Muitos são pobres, têm insegurança alimentar e acesso limitado a mercados e serviços. Contudo, eles produzem alimentos para uma proporção substancial da população mundial. Aí reside uma considerável parcela dos desbancarizados do planeta e representa um grande mercado que ainda pode ser mais bem explorado por agritechs alinhadas com iniciativas que causem impacto social.
Dentre os países emergentes, a Índia tem se destacado na cena agritech com o surgimento de diferentes startups focadas em atender as necessidades dos pequenos produtores. Uma dessas startups é a Jai Kisan, que adota uma abordagem B2B2C para fazer parceria com intermediários na cadeia de valor agrícola para que eles possam emprestar aos agricultores a custos mais baixos. Alguns desses intermediários podem, então, oferecer financiamento como um complemento aos insumos que vendem ou disponibilizar um tablet ou laptop em seus pontos de venda para que os agricultores possam solicitar crédito na plataforma da Jai Kisan. Segundo os fundadores da empresa, os tíquetes costumam ser pequenos e esses empréstimos diretos aos agricultores também os ajudam a construir seu perfil e histórico de crédito, facilitando o acesso à empréstimos e serviços financeiros de outros provedores no futuro.
Outro caso interessante na Índia é a Samunnati, startup que visa fornecer empréstimos acessíveis para o segmento agro, e facilitar as relações comerciais entre agroempresas e pequenos produtores e disponibilizar soluções baseadas em tecnologia para aumentar a eficiência nas cadeias de valor. Um outro papel importante da companhia, além da prestação de serviços financeiros adequados à realidade e ao fluxo de caixa do produtor, encontra-se em suas ofertas não financeiras, nas quais incluem desde a educação financeira, planos para digitalização do agronegócio, exposição de tendências de mercado, dentre outras iniciativas que garantem a sustentabilidade de suas ações junto aos produtores no longo prazo.
Outros países como o Quênia, China, Malásia, Filipinas e Indonésia também estão presenciando o surgimento de agrifintechs com foco em soluções que visam a inclusão, o impacto social e a transformação do setor rural.
O movimento agrifintech no Brasil
Por aqui temos um mercado agro forte que alimenta uma boa parte do mundo e é um dos pilares que sustenta a nossa economia. Além de encontramos desafios similares aos de outros países em desenvolvimento (sobretudo em relação à agricultura de subsistência, conforme mencionado anteriormente), encontramos oportunidades na melhoria da eficiência financeira (tanto na redução de riscos na contratação de produtos financeiros como na melhoria da gestão dos instrumentos usados no agronegócio) e na facilitação do acesso às alternativas de crédito (pois apesar de existirem linhas de crédito subsidiadas no país, essas se mostram insuficientes para atender toda a demanda). Olhando de forma ampla, é justamente nessas duas oportunidades onde encontramos uma maior concentração de agrifintechs no Brasil.
Sobre soluções de eficiência no campo que auxiliam na minimização de riscos em contratos financeiros temos dois exemplos interessantes - Agronow e Agryo. A Agronow realiza monitoramento de lavouras e é capaz de estimar produtividade, previsão e histórico de safras em áreas agrícolas com foco em ajudar na tomada de decisões junto a diferentes participantes deste ecossistema, como seguradoras, bancos, companhias de crédito rural, dentre outros. Após investimento recebido pelo BTG Pactual, a startup pretende se consolidar como uma importante agrifintech nacional, passando a desenvolver soluções para análises macrorregionais, internacionais e de processos de crédito, além de criar o “Índice Agronow” de produtividade, com o objetivo de se tornar referência em análises e informações no setor.
Já a Agryo é uma provedora global de inteligência de risco para agricultura, habilitando serviços financeiros e ambientais orientados por dados. Segundo o fundador da Agryo, Isaque Eberhardt, a empresa tem como ambição se tornar uma espécie de S&P ou Moodys do agronegócio (em alusão a duas das maiores agências de classificação de risco do mundo). E ao que tudo indica, a startup convenceu investidores estrangeiros de que isso é possível – e, com isso, está acelerando sua expansão internacional. A Holt Accelerator (sediada em Montreal, no Canadá) é um desses investidores, tendo aportado recursos na companhia em 2020. Segundo Jan Christopher Arp, fundador da Holt, a Agryo tem um importante papel na redução de riscos para provedores de crédito e fazendeiros, agregando valor à cadeia e trazendo maior transparência ao processo de empréstimo. Eles utilizam Big Data e inteligência artificial para monitorar contratos financeiros em tempo real, antecipando assim potenciais riscos que possam impactar a lavoura. A empresa hoje tem atuação no Brasil, nos Estados Unidos (sendo incorporada em Delaware) e no Canadá – neste último país chegou a receber recursos a fundo perdido do programa Scale AI, que visa auxiliar empresas que atuem com inteligência artificial no Canadá.
Olhando para startups que visam facilitar o acesso às alternativas de crédito no setor, vemos um número crescente de novos players adentrando esse terreno. Dentre essas empresas, destaco dois casos –Terramagna e Traive. A Terramagna foi fundada em São José dos Campos em 2016 e se propõe a realizar antecipação de duplicatas e CPRs (cédulas de produto rural) para que distribuidores do agronegócio consigam ter dinheiro em caixa, comprar seus insumos à vista e sair de possíveis riscos da operação de barter (que envolvem o pagamento pelo insumo através da entrega do grão na pós-colheita). Além disso, a empresa também realiza o acompanhamento de garantias através deu um monitoramento da lavoura via satélite, o que traz mais segurança e transparência às operações. Recentemente, a startup levantou um FIDC de 48 milhões de reais para o custeio de soja. Assim, distribuidores de insumos podem antecipar o recebimento dos recursos através das CPRs, que são emitidas pelos produtores em operações de troca de insumos pela produção agrícola futura. A Terramagna foi apontada pelo Hub de Inovação Distrito (em seu relatório de maio de 2021) com uma das startups ligadas ao universo fintech para ficarmos de olho.
A Traive, por sua vez, foi criada por um casal de brasileiros no Estados Unidos em 2018 (a companhia foi incorporada em Delaware), possuindo escritórios em Boston e Minneapolis, além de uma base em São Paulo. A agrifintech foi criada com o objetivo de dar acesso a crédito justo para que produtores de médio porte possam prosperar. Eles usam Big Data para criar perfis de crédito desses produtores, empregando um modelo único que garante proteção para quem empresta e economia para os tomadores. Deste modo, a startup é capaz de conectar diretamente as duas partes em um processo transparente. Assim como a Agryo, o case da Traive mostra que já temos agrifintechs com DNA brasileiro buscando levar soluções de ponta para outros mercados mundo afora.
Além dos exemplos mencionados anteriormente, temos outras agrifintechs que estão, pouco a pouco, povoando essa vertical, como DuAgro (fruto da parceria entre a XP e a securitizadora Vert que busca financiar o custeio agrícola), Agrolend (que fornece crédito com limites renováveis após o pagamento e que aumentam com o tempo), Culttivo (voltado para cafeicultores, dispondo de ofertas especiais para aqueles tiverem estoques de café depositados em armazéns credenciados), Bart Digital (intermedia o registro eletrônico das cédulas do produtor rural, as CPRs perante entidades registradoras), dentre outras.
Investimentos e próximos passos
Os investimentos no segmento estão aquecidos e vemos fundos como Maya Capital, Barn, Accion, ONEVC e SP Ventures olhando com atenção para oportunidades no setor. O SP Ventures, inclusive, é de longe o fundo mais ativo do país quando falamos em agrifintechs. À medida que este segmento se expande, veremos outros investidores priorizando oportunidades dentro dessa tese.
Olhando para o ecossistema de startups como um todo, percebemos que a vertical agrifintech ainda possui poucas representantes. Dado o tamanho e a representatividade do setor agro no Brasil – e sua grande demanda por soluções financeiras que promovam acesso, eficiência e inclusão – fica claro que temos um vasto oceano (azul) para ser navegado.