Exame.com
Continua após a publicidade

A batalha dos neobanks no terreno das PMEs

Após a ascensão dos bancos digitais para pessoas físicas o foco agora se volta para as pessoas jurídicas

 (MR.Cole_Photographer/Getty Images)
(MR.Cole_Photographer/Getty Images)
B
Bruno Diniz

Publicado em 16 de julho de 2021 às, 11h35.

Última atualização em 16 de julho de 2021 às, 14h34.

O fenômeno fintech abriu várias alternativas no mercado financeiro global, fazendo com que os clientes experimentassem novas formas de consumir soluções financeiras que, até o momento, já não estavam sendo adequadamente supridas pelas instituições financeiras tradicionais. Aqui no Brasil esse movimento ganhou corpo e estrutura por volta de 2015, fazendo com que surgissem entrantes nos mais variados segmentos, desde pagamentos até empréstimos, passando por investimentos e outros tantos que se desenvolveram ao longo dos anos.

Dentre esses novos players, vimos o amadurecimento dos neobanks (ou bancos digitais), que buscavam ser uma opção aos bancos tradicionais, oferecendo uma experiência diferenciada aos usuários de seus aplicativos, bem como contas digitais gratuitas, cartões de crédito sem anuidade e uma maior transparência na oferta de suas soluções (que geralmente não incluía letras miúdas) – e tudo isso sem a necessidade de manter uma rede de agências.

Essas fintechs acabaram por “elevar a barra” dos clientes, fazendo com que eles tivessem uma nova expectativa em relação aos serviços prestados por bancos em geral. Como efeito disso, presenciamos uma corrida dos players tradicionais para encurtarem a distância em relação aos neobanks, que nesse momento conseguiram fazer algo inimaginável no mercado – criar uma genuína relação de admiração entre o consumidor e uma instituição financeira.

O começo da jornada dos neobanks nos trouxe desde bancos de médio porte que buscavam se transformar para aproveitar as oportunidades abertas em uma nova realidade digital (como o Inter, o Original e o Sofisa), a novos entrantes que surgiram do zero e cresceram através de sucessivas rodadas de investimento junto a fundos de venture capital (como o Nubank e o Neon). A maioria desses bancos digitais se concentrou no segmento das pessoas físicas, sendo que hoje esse terreno virou “briga de gente grande”, no qual se digladiam players altamente capitalizados – tornando o terreno um verdadeiro mar vermelho. Temos também outros neobanks voltados para PFs com propostas segmentadas por renda (desde desbancarizados até alta renda) ou hiperespecializadas em nichos específicos, como caminhoneiros, agricultores, autônomos, dentre outros. Somado a isso, há empresas de diferentes segmentos que adentraram esse ambiente com suas próprias ofertas de soluções financeiras, aí podemos incluir Magazine Luiza, Via, Vivo e vários outros. Há, contudo, um outro terreno que alguns neobanks estão correndo para conquistar – o mercado de serviços financeiros para pessoas jurídicas.

As empresas sofreram por muito tempo com soluções bancárias caras (especialmente para as pequenas e médias) que não acompanharam a velocidade das evoluções que vimos acontecer com os produtos voltados para indivíduos. Isso abriu uma grande oportunidade que está sendo aproveitada por novos entrantes no mundo todo, e que viraram alvo dos fundos de venture capital. Eu inclusive citei essa tendência no meu artigo sobre as perspectivas para o cenário fintech em 2021 que, de fato, está se confirmando.

As referências internacionais

Olhando para fora, não há como não falarmos da Brex, startup norte-americana fundada em 2017 pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, que antes de iniciarem sua jornada nos Estados Unidos já haviam fundado a fintech Pagar.me e vendido o negócio para a Stone.

A Brex se propõe a oferecer tudo que os empreendedores precisam para fazer suas empresas crescerem, desde contas empresariais e cartões de crédito até software de gerenciamento de gastos e suporte ao vivo. Dentre seus clientes encontramos várias pequenas e médias empresas e também startups de alto crescimento. Em sua rápida escalada, a companhia atraiu mais de 1,1 bilhões de dólares em capital e atingiu um valuation de 7,4 bilhões de dólares em abril de 2021, tendo inclusive aplicado para tirar licença de banco nos Estados Unidos.

Outras companhias acabaram trilhando caminhos similares ao da Brex, como a estadunidense Ramp (que possui valuation de 1,6 bilhões de dólares) e a Dinarmaquesa Pleo (que atingiu recentemente o status de unicórnio ao alcançar o valuation de 1,7 bilhões de dólares). Vale lembrarmos de fintechs como a Square (do empreendedor Jack Dorsey que também é co-fundador e CEO do Twitter) que percorreram um caminho diferente, tendo iniciado como uma alternativa de pagamentos móveis para pequenos empreendedores e evoluído até se tornar uma plataforma completa de soluções financeiras para empresas (tendo até tirado licença para se tornar um banco e poder ampliar seu leque de soluções de crédito e possibilidades de captação no mercado)

Outro caso de neobank que mostra uma forma interessante de jogar esse jogo vem do Reino Unido, com o Starling Bank. A fintech tem atuação ampla, ofertando serviços financeiros para PFs, adolescentes e empresas. Para esse último grupo, o neobank definiu o seu modelo de posicionamento como o de uma plataforma que resolve múltiplas dores dos seus clientes. Sua oferta voltada para PJs possui integrações com soluções de terceiros que vão desde seguro contra inadimplência de faturas emitidas até aplicativos para gestão de recursos humanos e ferramentas de assessoria jurídica, dentre várias outras.

De modo geral, os desafios das PMEs junto a provedores de soluções financeiras persistiram por um bom tempo em várias partes mundo, sendo muito similares aos que vemos no Brasil. Isso inclui altos custos dos serviços, dificuldade de acesso a produtos e soluções engessadas e pouco flexíveis. Vendo os exemplos internacionais fica claro que é possível não só resolver os problemas citados, mas ir além em termos de entrega para o consumidor final.

O cenário local

Por aqui algumas peças já começam a se movimentar para, rapidamente, crescerem e dominarem o território. Dentre as startups, vemos a Cora, o Linker e a Conta Simples – todas com certa inspiração em modelos como os da Brex e do Starling Bank, mas cientes dos desafios específicos enfrentados pelas PMEs nacionais. Um desses desafios está, por exemplo, nos custos de recebimento via Pix pelas empresas, algo que pode ser cobrado pelas instituições financeiras (diferente da utilização entre pessoas físicas), mas que alguns neobanks estão isentando seus clientes. Essa pode ser uma importante arma para tomar mercado dos bancos tradicionais, que estão (em sua maioria) cobrando valores que tornam a utilização do Pix desinteressante.

Vemos também iniciativas de bancos que vieram do mundo tradicional e desenharam novas propostas de valor para PMEs - como o BTG+ Business, o BS2 (antigo Bonsucesso) e o Inter – e novatos que adentraram esse espaço com licenças de banco recém-obtidas – caso do C6 Bank, que teve parte da operação comprada recentemente pelo JP Morgan. Nesses casos as instituições acabam nascendo com um maior portfólio de soluções próprias e podem também aproveitar sinergias com outras divisões de seus respectivos grupos (como banco de investimento, adquirente, gestora de recursos, corretora de câmbio, dentre outras) alavancando benefícios para seus clientes.

Juntando-se ao tabuleiro, temos as grandes empresas de tecnologia, sendo elas oriundas do segmento fintech ou não, que trazem diferenciais próprios para o jogo. Dentre elas encontramos o PagSeguro, fintech que percorreu uma trajetória similar ao da Square, ganhando força em todo brasil com suas maquininhas até ampliar suas ofertas para contas PF e PJ com o lançamento do Pagbank. Já a gigante Mercado Livre criou a mais robusta plataforma de comércio online da América Latina e expandiu sua atuação para o setor financeiro com o Mercado Pago, que tem forte apelo junto aos vendedores da plataforma, que podem se beneficiar das integrações entre ambas as iniciativas.

Não podemos nos esquecer das soluções financeiras ofertadas por empresas não financeiras, fenômeno que passa a acontecer graças às possibilidades abertas pelos provedores de banking as a service. Nessa situação, temos o surgimento de iniciativas nichadas para públicos específicos, como é o caso da Donus (o banco digital da Ambev voltado para bares e restaurantes) e as ofertas financeiras do Ifood e do Rappi (agrupadas embaixo da iniciativa RappiBank). O grande trunfo dessa abordagem está no entendimento das dinâmicas do setor e conhecimento profundo do público-alvo, de quem possui informações detalhadas sobre sua operação. Por exemplo, o Ifood consegue saber como ninguém a frequência dos pedidos de um restaurante, sua nota junto aos clientes, o preço médio dos seus pratos, dentre outros dados que podem ajudar a definir diferentes aspectos do crédito que hoje é ofertado pela startup (dando uma vantagem importante sobre seus rivais).

Por fim, vemos o caso da Totvs Techfin, divisão de serviços financeiros da maior companhia de ERP (Enterprise Resource Planning ou sistema de gestão integrado) do Brasil, cujo software é usado por uma base enorme de PMEs. Neste caso, é possível extrair um nível de insights muito elevado ao observar em tempo real as operações da empresa, permitindo, por exemplo, conceder crédito de forma preditiva e assertiva, com incrível precisão na análise do crédito disponibilizado. Outras possibilidades podem ser agregadas em pagamentos, oferta de seguros e diversas entregas de soluções financeiras personalizadas, em uma estratégia que tem sido chamada de ERP Banking (e que logo deve ser explorada por concorrentes como a Omie e a Linx, adquirida recentemente pela Stone).

Quem triunfará nessa batalha?

Segundo dados do SEBRAE de outubro de 2020, existem mais de 17 milhões de pequenos negócios no país (7 milhões de micro e pequenas empresas e 10,9 milhões de MEI), que, juntos, representam 99% de todas as empresas do Brasil e são responsáveis por cerca de 30% do PIB, detendo 55% do estoque de empregos formais. Sem dúvidas é um segmento empresarial crucial para a economia no qual há muitos clientes insatisfeitos que, por vezes, não sabem que existem alternativas ou temem migrar para outro provedor.

Há ainda muitos espaços para serem conquistados e diferentes armamentos que deverão ser usados por cada novo entrante, trazendo novidades que podem se tornar importantes elementos na melhoria da gestão financeira dessas empresas. Estamos vivendo uma nova batalha no mercado dos neobanks, batalha essa que vem logo depois de uma guerra que aconteceu no mercado das pessoas físicas. Contudo, os combatentes de agora já entraram mais preparados nesse terreno e dispostos a pisar no acelerador e mostrar seus diferenciais para facilitar a vida dos pequenos empreendedores, trazendo assim um novo nível de competição a esse mercado. Como empresário e consumidor de tais serviços, eu mal posso esperar para ver os desdobramentos desta disputa e como ficará o ambiente de soluções para PJs daqui por diante. Quem serão os vencedores desta guerra? Façam suas apostas!