O efeito Trump nas marcas: as reações da Bud, Uber e AirBnB
Decreto de Trump causa polêmica e reação de marcas como Budweiser, Uber e AirBnB. Veja o porquê.
marcosbedendo
Publicado em 8 de fevereiro de 2017 às 10h46.
Última atualização em 8 de fevereiro de 2017 às 16h51.
As marcas são elementos vivos e refletem a sociedade na qual estão inseridas. Ainda que existam elementos de uma identidade de marca que são atemporais, grande parte das associações de uma marca deve refletir os anseios, desejos e interesses de um contexto social.
Semprini, estudioso italiano de marcas, argumenta que com o final das “grandes narrativas” filosóficas e políticas, as marcas tenderiam a ocupar esse papel ideológico. Observar a politização das marcas americanas após a eleição de Trump parece indicar que ele estava certo.
Após o decreto presidencial impedindo a entrada de imigrantes de sete países, manifestações e críticas irromperam em dezenas de cidades e em todas as redes sociais. Mas o protagonismo não foi somente dos cidadãos. As marcas, espontaneamente ou por pressão de seus consumidores, foram chamadas a participar.
Quanto mais conectada uma marca é com seus consumidores, mais ela é impelida a participar das discussões ideológicas. Aquelas que se apoiam numa “nova” forma de fazer comércio, como o Uber, o AirBnB, o Lyft, tendem a ser as mais afetadas, e as mais cobradas a tomarem posição. Essas marcas necessitam de uma postura ideológica para se diferenciar, e até para conseguir operar nos seus mercados. Por isso, acabam sendo muito impactadas por aspectos políticos. O Uber e o Lyft, por exemplo, só conseguem operar alterando a legislação e, portanto, fazem da mobilização política um elemento central de suas marcas.
Se posicionando fortemente contra a medida, o AirBnB foi além do discurso e ofereceu acomodações gratuitas para aqueles afetados pela ação de Donald Trump. O Lyft (concorrente do Uber pouco conhecido no Brasil) se dispôs a doar 1 milhão de dólares para ajudar aqueles afetados pela medida.
Mas por que não apenas criticar a medida? Ainda que suficiente, ir além do discurso mostra um envolvimento muito maior. E pelo perfil dos consumidores dessas marcas, seus gestores devem ter entendido que somente criticar não era suficiente. O próprio perfil colaborativo de seus negócios necessita reforçar conceitos como tolerância, inclusão, abertura ao novo e respeito, opostos ao que o decreto de Trump representa.
A verdade é que é fácil ser a favor da imigração no mercado americano. Os EUA sempre celebraram a perspectiva de receber pessoas, mesmo com suas duras políticas imigratórias. Além disso, a população americana tem como comportamento valorizar suas origens e se orgulha do caminho que seus antepassados percorreram. Veja que a “caminhada para o sucesso” é tema de inúmeros filmes norte-americanos, e também de diversas propagandas de marca.
Por isso, ao atacar a possibilidade de imigração, ainda que de um pequeno grupo de países, Trump acabou atacando a origem de um dos elementos culturais que os americanos julgam um dos mais relevantes para o sucesso. E que muitas marcas usam como origem de suas trajetórias. O efeito? Manifestações de um grande número delas.
Uma delas foi a Budweiser, que no seu comercial do Superbowl desse ano fez referência à sua origem alemã, e da importância que isso tem para seu sucesso. Veja a seguir:
O comercial traz uma visão do início da empresa, quando o Sr. Busch imigrou da Alemanha com a ideia de fazer cerveja, e encontrou o Sr. Anheuser, que topou iniciar a hoje maior cervejaria dos EUA. A mensagem implícita é que se o Sr. Busch fosse impedido de entrar nos EUA, a companhia não existiria. Essa foi só uma das manifestações. E talvez até agora aquela de maior impacto em termos de mídia. Mas outras continuam a acontecer.
Usar o “fundador” da marca é essencial para se propagar os aspectos ideológicos de uma marca, e quando ele não é utilizado de maneira alegórica, como no caso da Bud, essa tarefa cabe ao CEO da empresa. Para aspectos ideológicos, não é recomendável usar porta-vozes como atletas e celebridades. Como a ideologia faz parte da cultura empresarial, o principal comunicador delas deve ser o principal executivo da marca.
O caso da rejeição à medida de Trump deixa claro essa relação. A maioria das reações contra o decreto anti-imigração veio da boca (ou do Twitter e Facebook) dos CEOs. Microsoft, Facebook, Nike e Apple foram algumas das empresas que rechaçaram a medida via os seus principais executivos, muitos deles imigrantes ou filhos de imigrantes.
Elon Musk, CEO da Tesla Motors, foi um dos que criticou a medida. Mas continua sendo alvo de seus consumidores e admiradores por continuar a fazer parte de um dos comitês montados por Trump. Ele argumenta que é melhor que ele continue a opinar do que abrir espaço para alguém que tenha uma posição mais alinhada ao presidente. Mas as críticas continuam nas redes sociais, e consumidores continuam a cancelar pedidos dos carros da Tesla Motors.
Com a cobrança dos consumidores para que as marcas tenham posições ideológicas, os CEOs precisam voltar a ser os principais porta-vozes da sua marca-organização. Essa exposição não pode ser delegada, e eles não podem mais se esconder em topos de prédios e atrás de mesas executivas. Uma marca-organização não pode ser gerenciada ou comunicada por uma agência.
É claro que nem todos são contra a medida de Trump. Afinal, ele foi eleito presidente americano com votos da população, e seus eleitores também contra-atacam boicotando outras tantas marcas. Mas a mensagem que fica aqui é que a política invadiu as marcas, e as marcas invadiram a política. E se omitir em certas situações pode custar vendas, e o valor das marcas.
Marcos Bedendo é professor e palestrante de marketing e branding, e sócio consultor da Brandwagon Consultoria de Branding e Inovação.
As marcas são elementos vivos e refletem a sociedade na qual estão inseridas. Ainda que existam elementos de uma identidade de marca que são atemporais, grande parte das associações de uma marca deve refletir os anseios, desejos e interesses de um contexto social.
Semprini, estudioso italiano de marcas, argumenta que com o final das “grandes narrativas” filosóficas e políticas, as marcas tenderiam a ocupar esse papel ideológico. Observar a politização das marcas americanas após a eleição de Trump parece indicar que ele estava certo.
Após o decreto presidencial impedindo a entrada de imigrantes de sete países, manifestações e críticas irromperam em dezenas de cidades e em todas as redes sociais. Mas o protagonismo não foi somente dos cidadãos. As marcas, espontaneamente ou por pressão de seus consumidores, foram chamadas a participar.
Quanto mais conectada uma marca é com seus consumidores, mais ela é impelida a participar das discussões ideológicas. Aquelas que se apoiam numa “nova” forma de fazer comércio, como o Uber, o AirBnB, o Lyft, tendem a ser as mais afetadas, e as mais cobradas a tomarem posição. Essas marcas necessitam de uma postura ideológica para se diferenciar, e até para conseguir operar nos seus mercados. Por isso, acabam sendo muito impactadas por aspectos políticos. O Uber e o Lyft, por exemplo, só conseguem operar alterando a legislação e, portanto, fazem da mobilização política um elemento central de suas marcas.
Se posicionando fortemente contra a medida, o AirBnB foi além do discurso e ofereceu acomodações gratuitas para aqueles afetados pela ação de Donald Trump. O Lyft (concorrente do Uber pouco conhecido no Brasil) se dispôs a doar 1 milhão de dólares para ajudar aqueles afetados pela medida.
Mas por que não apenas criticar a medida? Ainda que suficiente, ir além do discurso mostra um envolvimento muito maior. E pelo perfil dos consumidores dessas marcas, seus gestores devem ter entendido que somente criticar não era suficiente. O próprio perfil colaborativo de seus negócios necessita reforçar conceitos como tolerância, inclusão, abertura ao novo e respeito, opostos ao que o decreto de Trump representa.
A verdade é que é fácil ser a favor da imigração no mercado americano. Os EUA sempre celebraram a perspectiva de receber pessoas, mesmo com suas duras políticas imigratórias. Além disso, a população americana tem como comportamento valorizar suas origens e se orgulha do caminho que seus antepassados percorreram. Veja que a “caminhada para o sucesso” é tema de inúmeros filmes norte-americanos, e também de diversas propagandas de marca.
Por isso, ao atacar a possibilidade de imigração, ainda que de um pequeno grupo de países, Trump acabou atacando a origem de um dos elementos culturais que os americanos julgam um dos mais relevantes para o sucesso. E que muitas marcas usam como origem de suas trajetórias. O efeito? Manifestações de um grande número delas.
Uma delas foi a Budweiser, que no seu comercial do Superbowl desse ano fez referência à sua origem alemã, e da importância que isso tem para seu sucesso. Veja a seguir:
O comercial traz uma visão do início da empresa, quando o Sr. Busch imigrou da Alemanha com a ideia de fazer cerveja, e encontrou o Sr. Anheuser, que topou iniciar a hoje maior cervejaria dos EUA. A mensagem implícita é que se o Sr. Busch fosse impedido de entrar nos EUA, a companhia não existiria. Essa foi só uma das manifestações. E talvez até agora aquela de maior impacto em termos de mídia. Mas outras continuam a acontecer.
Usar o “fundador” da marca é essencial para se propagar os aspectos ideológicos de uma marca, e quando ele não é utilizado de maneira alegórica, como no caso da Bud, essa tarefa cabe ao CEO da empresa. Para aspectos ideológicos, não é recomendável usar porta-vozes como atletas e celebridades. Como a ideologia faz parte da cultura empresarial, o principal comunicador delas deve ser o principal executivo da marca.
O caso da rejeição à medida de Trump deixa claro essa relação. A maioria das reações contra o decreto anti-imigração veio da boca (ou do Twitter e Facebook) dos CEOs. Microsoft, Facebook, Nike e Apple foram algumas das empresas que rechaçaram a medida via os seus principais executivos, muitos deles imigrantes ou filhos de imigrantes.
Elon Musk, CEO da Tesla Motors, foi um dos que criticou a medida. Mas continua sendo alvo de seus consumidores e admiradores por continuar a fazer parte de um dos comitês montados por Trump. Ele argumenta que é melhor que ele continue a opinar do que abrir espaço para alguém que tenha uma posição mais alinhada ao presidente. Mas as críticas continuam nas redes sociais, e consumidores continuam a cancelar pedidos dos carros da Tesla Motors.
Com a cobrança dos consumidores para que as marcas tenham posições ideológicas, os CEOs precisam voltar a ser os principais porta-vozes da sua marca-organização. Essa exposição não pode ser delegada, e eles não podem mais se esconder em topos de prédios e atrás de mesas executivas. Uma marca-organização não pode ser gerenciada ou comunicada por uma agência.
É claro que nem todos são contra a medida de Trump. Afinal, ele foi eleito presidente americano com votos da população, e seus eleitores também contra-atacam boicotando outras tantas marcas. Mas a mensagem que fica aqui é que a política invadiu as marcas, e as marcas invadiram a política. E se omitir em certas situações pode custar vendas, e o valor das marcas.
Marcos Bedendo é professor e palestrante de marketing e branding, e sócio consultor da Brandwagon Consultoria de Branding e Inovação.