Surto de fungos mortais cresce desde a Covid-19, impulsionado por mudanças climáticas
A resistência ao calor, que se acreditava ser um obstáculo natural para a infecção humana, está sendo superada por fungos adaptados ao aumento gradual da temperatura global
Redator na Exame
Publicado em 4 de novembro de 2024 às 08h13.
Um aumento silencioso, porém, mortal, de fungos raros, está avançando ao redor do mundo, impulsionado pela pandemia de Covid-19 e por um planeta em aquecimento que parece estar “treinando” esses microrganismos para sobreviver a temperaturas cada vez mais altas. Os impactos da pandemia no sistema imunológico e nas estruturas de saúde, bem como a adaptação de fungos ao calor, têm permitido que esses patógenos ampliem seu alcance geográfico e desenvolvam resistência, representando uma nova ameaça global.
De acordo com a Bloomberg, entre as espécies mais preocupantes está o fungo Candida auris, que prospera em equipamentos médicos e se instala em pacientes imunocomprometidos, apresentando alta mortalidade.Segundo nova análise de dados, o C. auris já foi identificado em cerca de 20 regiões desde o início da pandemia, espalhando-se por todos os continentes, exceto a Antártida. Em hospitais dos Estados Unidos, foram registrados mais de 2.300 casos em 2022, um aumento de mais de sete vezes em relação a 2018, quando a doença se tornou de notificação obrigatória.
Esse aumento não se restringe aos EUA.Na China, casos saltaram de 28 em 2018 para 182 em 2023, e na Europa as infecções quase triplicaram entre 2018 e 2021. Especialistas acreditam que a pandemia exacerbou o problema ao sobrecarregar hospitais, criando ambientes favoráveis para o crescimento de fungos que prosperam em condições de alta umidade, como a mucormicose, ou “fungo negro”, que se espalhou nos hospitais indianos durante a crise da variante delta.
Resistência ao calor
O crescimento de fungos em temperaturas próximas aos 37ºC do corpo humano representa um desafio inédito para a saúde pública. A resistência ao calor, que se acreditava ser um obstáculo natural para a infecção humana, está sendo superada por fungos adaptados ao aumento gradual da temperatura global. Pesquisas indicam que certas espécies, anteriormente inofensivas, podem passar por mutações que lhes permitem sobreviver em temperaturas humanas, ampliando suas chances de infectar novos hospedeiros.
Os estudos sugerem que esses fungos, ao desenvolverem adaptações ao calor, estão se tornando mais resistentes a medicamentos antifúngicos, um fenômeno que preocupa pesquisadores.Em julho, cientistas de Singapura identificaram uma nova cepa de C. auris, além das cinco já conhecidas, ressaltando a rapidez com que esses organismos estão evoluindo. Amostras laboratoriais de outro fungo, Rhodosporidiobolus fluvialis, também mostraram resistência ao calor e resistência a medicamentos em estudos recentes, o que alerta para a possibilidade de surgirem novas infecções em humanos.
Especialistas em saúde pública, como Arturo Casadevall, da Universidade Johns Hopkins, apontam que a adaptação dos fungos ao aquecimento é um cenário preocupante, especialmente em um mundo onde as temperaturas aumentaram mais de 1ºC desde 1880. Sem vacinas ou tratamentos eficazes para grande parte das infecções fúngicas, o aumento desses casos configura uma situação crítica para pacientes imunocomprometidos.