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Primeiro coração de porco transplantado em humano estava infectado

David Bennett, de 57 anos, sobreviveu dois meses após a cirurgia inédita realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland (EUA), em janeiro

Nos EUA, médicos realizam transplante de coração de um porco geneticamente modificado para um paciente humano, procedimento inédito no mundo. (Foto/AFP)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 6 de maio de 2022 às 17h53.

O primeiro coração de porco geneticamente modificado transplantado em um ser humano apresentava um vírus suíno, de acordo com Bartley Griffith, que realizou o procedimento. David Bennett, de 57 anos, sobreviveu dois meses após a cirurgia inédita realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland (EUA), em janeiro. Ainda é cedo para apontar qual foi a causa da morte do paciente e o papel do citomegalovírus suíno nela, destacou.

"Estamos começando a entender por que ele morreu", disse Griffith, em evento da Sociedade Americana de Transplante, no dia 20 de abril, segundo a revista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, a MIT Technology Review. O cirurgião acredita que o "vírus" pode ter sido o "ator" que desencadeou "tudo isso".

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A sobrevida de dois meses de Bennett, de qualquer forma, é uma grande vitória para a medicina e para a ciência. Para comparação o primeiro humano a receber transplante de coração convencional em 1967, viveu mais 18 dias. Nos anos seguintes, a técnica foi melhorada e vem salvando milhares de vidas.

Ao Estadão, a Universidade de Maryland reforçou que a causa da morte ainda é estudada. A instituição apenas apresentou resultados preliminares em um evento científico. "A pesquisa continua averiguando várias causas potenciais. Entre essas causas potenciais está o estado avançado de insuficiência cardíaca do paciente antes do transplante", afirmou, em nota.

A Universidade declarou que não há evidências de que o vírus tenha causado uma infecção no paciente ou infectado quaisquer tecidos ou órgãos além do coração. Também disse que o porco doador foi criado em uma instalação projetada para evitar infecções, e que ele passou por diversas testagens - inclusive pouco antes do transplante.

Transferir vírus suínos inofensivos aos porcos para humanos e desencadear pandemias, por exemplo, sempre foi um temor dos pesquisadores do xenotransplante. Para que isso não ocorra, a edição genética é fundamental para inativá-los. Essas alterações também são importantes para evitar desencadear uma reação imunológica do organismo humano. O coração recebido por Bennett contava com dez genes modificados.

Segundo a revista do MIT, o citomegalovírus encontrado não é capaz de infectar células humanas, porém, pode estar associado a reações que prejudicam o órgão e o receptor. Estudos com babuínos mostraram que quando a presença do vírus era detectada, a sobrevida passava de mais de seis meses para poucas semanas.

Ao jornal americano The New York Times, Griffith contou que a equipe fazia exames frequentes para acompanhar a saúde do órgão e do paciente. Em um deles, 20 dias após o procedimento, pequenos sinais do vírus foram detectados. Passados mais 20 dias Bennett ficou gravemente doente, e testes subsequentes mostraram um aumento acentuado da presença do DNA viral. A empresa de biotecnologia americana Revivicor, que cedeu o órgão, ainda não se manifestou.

O paciente, porém, sabia que corria esse risco antes de fazer o procedimento. Bennett não tinha outra escolha. Com doença cardíaca terminal, ele havia sido considerado inelegível para o transplante convencional ou para receber bomba cardíaca artificial. "Era morrer ou fazer esse transplante", declarou o americano. "Sei que é um tiro no escuro, mas é minha última escolha", disse.

A Food and Drug Administration (FDA), agência americana similar à Anvisa, no fim de 2021, deu autorização emergencial para Bennett receber o coração suíno.

Avanço

O procedimento pelo qual Bennett passou, junto a alguns outros testes pré-clínicos, inauguraram uma nova fase na pesquisa dos xenotransplantes (entre espécies distintas). Ganha espaço na comunidade científica a compreensão de que vale a pena autorizar testes do tipo.

David Cooper, cirurgião do Hospital Geral de Massachusetts (EUA) e um dos pioneiros nas pesquisas de xenotransplantes, disse à revista Nature que está na hora de "irmos para as clínicas" para ver como esses órgãos se comportam em humanos. Por ora, um grupo específico de pacientes deve receber o órgão modificado: doentes em fase terminal, quando o transplante seja a única terapia viável.

O transplante de um porco comum cria rejeição hiperaguda, que exige explante imediato. Por isso, cientistas modificam geneticamente esses animais. A edição envolve "knockouts" (bloqueios) e "knock-ins" (adições) de genes.

O pesquisador pega células de porcos recém-nascidos, bloqueia os genes responsáveis pela produção dos açúcares que geram a rejeição e insere genes humanos para moderar a resposta imune do paciente. A célula modificada é introduzida em um óvulo sem núcleo (sem material genético).

A busca por "órgãos adicionais" tem por trás uma limitação dos transplantes homólogos: não há órgãos suficientes para quem precisa e milhares morrem nas filas de espera - o que deve aumentar com a tendência de envelhecimento populacional.

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