Bebês: essas alterações, em geral, são imperceptíveis a olho nu (Paula Bronstein/Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 7 de junho de 2017 às 16h50.
Última atualização em 7 de junho de 2017 às 17h09.
“Dizem que colocaram álcool no bocal sem querer quando ele era embrião.”
Esse comentário exótico, dito em tom de fofoca, costuma estar fresco na memória de quem leu Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.
A obra se passa em uma sociedade futurista distópica, em que todos os bebês são gerados em úteros artificiais numa típica linha de produção de fábrica.
Para garantir o equilíbrio social, só uma pequena parcela deles pode ser 100% saudável e inteligente.
Os demais, que na vida adulta serão destinados a profissões com atividades braçais e repetitivas, recebem álcool em seu líquido amniótico – no romance, a substância retarda o desenvolvimento do cérebro e causa problemas congênitos calculados.
Bernard, o personagem principal, é um dos seletos seres humanos 100% capazes, mas seu rosto carrega sinais de um erro na usina de produção de crianças: provavelmente uma gota de álcool desnecessária caiu em seu “útero”, o que mudou levemente seus traços.
Uma pesquisa publicada ontem no periódico JAMA Pediatrics revela que o escritor britânico acertou em cheio a parte científica, ainda que sem querer: consumir pequenas doses de álcool durante a gestação não é suficiente para causar má-formações realmente graves nos bebês – mas pode mudar um pouquinho o formato dos lábios superiores, do nariz e dos olhos do feto.
Já se sabe pelo menos desde 1973 que crianças que são expostas a grandes doses de álcool durante a gravidez estão sujeitas a problemas no desenvolvimento físico e mental – eles são chamados pela medicina de “desordens do espectro alcoólico fetal”, e são preocupantes em vários países: na África do Sul, por exemplo, até 9% das futuras mães bebem o suficiente para causar problemas para seus filhos.
Mas a medicina não tinha certeza de que esses efeitos eram graduais.
Em outras palavras, ninguém sabia se um simples gole de álcool geraria modificações proporcionalmente pequenas no feto, ou se a bebida só começa a “fazer efeito” em doses mais altas.
Para tirar a prova, um grupo de pesquisadores liderados pela pediatra australiana Jane Halliday acompanhou a gestação de 1570 mulheres, 27% das quais consumiram pelo menos um pouco de álcool ao longo dos nove meses.
Depois, quando os bebês já tinham um ano de idade, 415 deles foram fotografados por câmeras montadas em diversos ângulos.
Um programa de computador criou modelos tridimensionais a partir das imagens, que foram levados para análise.
O resultado? Até mães que tomaram apenas um ou dois goles em uma única ocasião causaram leves mudanças nas feições de seus filhos, como um nariz um pouco mais curto e empinado.
Essas alterações, em geral, são imperceptíveis a olho nu, e só foram descobertas pelo algoritmo.
“Os resultados apontam que há alguns efeitos, mesmo que bem sutis”, afirmou Halliday à New Scientist. “Talvez eles não sejam duradouros, pois o rosto de uma criança muda muito nos dois primeiros anos de vida.”
É bom reforçar que essas alterações são puramente estéticas – nada mudou no desenvolvimento mental e corporal dos bebês.
A pesquisa é o primeiro passo para entender porque certos fetos são imunes à intoxicação por bebida. Os mecanismos pelos quais o álcool afeta as crianças são pouco conhecidos.
Não há um limite seguro de consumo nem uma maneira confiável de imunizá-las.
Apesar disso, Halliday pediu calma a mulheres que beberam algumas doses sem querer nos primeiros meses de gestação – quando ainda não sabiam que estavam grávidas:
“Até esse estágio da pesquisa, não levantamos nenhum problema digno de preocupação.”
O método de análise 3D, no futuro, será muito útil para diagnosticar casos mais leves das desordens, principalmente quando não há informações confiáveis sobre o consumo de álcool na gestação da criança examinada.
Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante.