Elevação do nível do mar exigirá obras de até R$ 1,5 bi em SP, diz estudo
Pesquisas mostram que, para conter o avanço do nível do mar no litoral brasileiro, serão necessárias políticas de longo prazo
Isabela Rovaroto
Publicado em 20 de março de 2019 às 10h24.
Última atualização em 20 de março de 2019 às 10h24.
A elevação do nível dos oceanos pode ultrapassar 1,6 metro até o fim do século, com consequências desastrosas principalmente para as populações costeiras. Além de medidas para a redução das emissões de gases do efeito estufa a serem adotadas pelos países, os cidadãos precisam mudar hábitos e pressionar os tomadores de decisão para evitar um cenário catastrófico.
A avaliação foi feita pelos pesquisadores que participaram do primeiro episódio do programa Ciência Aberta em 2019, lançado no dia 19 de março com o tema “Oceanos Ameaçados”. A iniciativa é uma parceria da FAPESP com a Folha de S.Paulo.
“São necessárias políticas de Estado, o que não quer dizer políticas de governo. É preciso que seja algo perene, ao longo de décadas”, disse Michel Michaelovitch de Mahiques, professor no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP).
Participaram do programa Ilana Wainer, professora no Departamento de Oceanografia Física do IO-USP e membro do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, e Cristiano Mazur Chiessi, professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e líder do subgrupo Paleoclima do Núcleo de Apoio à Pesquisa – Mudanças Climáticas (Incline).
Chiessi lembrou que a cidade de Santos foi uma das primeiras a estabelecer um plano no longo prazo para o enfrentamento das mudanças climáticas. A iniciativa foi parte de um projeto com apoio da FAPESP.
“Não foi algo feito apenas por pesquisadores, mas em conjunto com o poder público e com a sociedade civil. O plano ainda não foi colocado em prática, é muito recente. Mas, se for, vai efetivamente gerar condições um pouco menos difíceis para as populações afetadas pela elevação do nível do mar e por outras questões associadas a mudanças climáticas dos oceanos”, disse o pesquisador (leia mais sobre o assunto em: http://agencia.fapesp.br/22357 ).
O estudo concluiu que o custo mínimo com obras na região da Ponta da Praia de Santos e na Zona Noroeste, as mais afetadas pela elevação do nível do mar no município, ficaria em torno de R$ 300 milhões. Não se adaptar às mudanças climáticas, por outro lado, poderia custar até R$ 1,5 bilhão (leia em: http://agencia.fapesp.br/25976 ).
Os pesquisadores ressaltaram que a elevação do nível dos oceanos já ocorreu em outros períodos na Terra, mas não em uma velocidade tão alta como agora.
“A taxa em que esse aumento está ocorrendo é muito rápida. Desde 1993, a elevação é de 3,1 milímetros (mm) por ano. Em 1900, era de 1,7 a 2 mm por ano. A partir de um determinado ponto, o aumento começou a ser exponencial. Mudanças [climáticas] sempre existiram, mas agora estamos alimentando o sistema com os gases [do efeito] estufa”, disse Wainer.
O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Organização das Nações Unidas (ONU), lançado em 2013, apontou que a taxa de elevação do mar seria de 8 a 16 mm por ano até o fim do século, muito maior do que os 3,2 mm anuais observados atualmente. Para o ano 2100, portanto, o nível dos mares subiria entre 50 centímetros e 1 metro.
“É importante mencionar que, quando o quinto relatório do IPCC foi fechado, a compreensão e a representação do degelo das calotas polares eram extremamente incipientes”, disse Chiessi.
Os novos modelos, explicou, preveem um aumento ainda maior, chegando a 1,6 metro de elevação até 2100, levando em conta o derretimento das calotas polares. Estudos recentes, que serão contemplados no próximo relatório do IPCC, indicam valores anda mais altos do que 1,6 metro de elevação para o fim do século.
Sintonia com a atmosfera
Os oceanos têm um papel fundamental na regulação do clima do planeta, ao redistribuir o calor que chega em excesso na região tropical até as regiões polares, ao mesmo tempo em que levam o frio dos polos para os trópicos.
“Os oceanos, junto com a atmosfera, funcionam como um ar condicionado do planeta, levando calor para as regiões frias e frio para onde está muito quente”, disse Wainer.
Chiessi explicou que a transferência de energia na forma de calor do Atlântico Sul para o Atlântico Norte anualmente é da ordem de 0,4 petawatt, o equivalente ao produzido por 285 mil usinas hidrelétricas de Itaipu. “Essa grande circulação no Atlântico está marcantemente ameaçada”, disse.
“Quando há o derretimento das geleiras, existe um aporte de água doce no mar. Desse modo, não se consegue mais formar essa água profunda e densa necessária para a circulação continuar se movendo. Como consequência, o oceano acaba sendo menos eficiente em redistribuir o calor”, explicou Wainer.
Consciência e tecnologia
Para os pesquisadores, pressionar os tomadores de decisão é fundamental para evitar um cenário catastrófico. Além de diminuir o consumo de plástico, que afeta os ecossistemas marinhos e inevitavelmente chega aos humanos por meio do consumo de peixes e frutos do mar, é fundamental diminuir as emissões de gases do efeito estufa.
“Obviamente, ninguém vai abandonar os carros, parar o transporte aéreo e marítimo da noite para o dia. Não é isso. Mas existem dois pontos importantes. Um é a tomada de consciência, individual e coletiva, de que é necessário um maior respeito pelos oceanos e pelo planeta. E o outro é usar a tecnologia a nosso favor. Optar por meios de transporte menos poluentes, por exemplo. Existem várias coisas que podem ser feitas, senão para impedir, pelo menos para diminuir a taxa de crescimento [de emissões]. Temos que ter consciência de que só temos esse planeta [e por isso] temos que cuidar melhor dele”, disse Mahiques.
O novo episódio de Ciência Aberta, “Oceanos Ameaçados”, pode ser visto em: www.fapesp.br/ciencia-aberta.
Confira também os programas anteriores, que abordaram temas como obesidade, a contribuição das mulheres para o avanço da ciência, depressão em jovens e adolescentes e os novos desafios das cidades.