Ciência

Análise de cratera reconstitui 1 milhão de anos da Mata Atlântica

Análise permite obter informações sobre o tipo de vegetação e até da água da chuva que caiu há milhares de anos

Material coletado na cratera poderá impulsionar novos estudos sobre mudanças climáticas e Mata Atlântica (Foto/Reprodução)

Material coletado na cratera poderá impulsionar novos estudos sobre mudanças climáticas e Mata Atlântica (Foto/Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 17 de agosto de 2017 às 11h48.

Parecia uma perfuração comum para a construção de poço artesiano em propriedade rural. No entanto, tratava-se da retirada de 50 metros de sedimentos, armazenados em longos tubos de aço.

Tudo para recontar o último 1 milhão de anos da biosfera e dinâmica da Mata Atlântica em uma área no extremo sul do município de São Paulo.

No início de agosto, uma equipe de pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), de Campinas (Unicamp) e do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD) iniciou a perfuração e análise de sedimentos depositados na cratera de Colônia, depressão de 3,6 km de diâmetro e até 450 metros de profundidade que se estende por 10,2 km2 no bairro de Parelheiros, na cidade de São Paulo.

A coleta do testemunho – termo usado para amostras coletadas do subsolo – vai permitir a análise de vestígios contidos no sedimento, tais como material microbiano, pólen, isótopos, gases do efeito estufa e algas.

Com isso, será possível identificar registros das variações de insolação que causaram os vários ciclos glaciais e interglaciais na história do planeta, assim como o impacto que os períodos de chuva e estiagem tiveram na Mata Atlântica.

“Pelo fato de a região ser uma bacia, foi possível o acúmulo de sedimentos ao longo do período Quaternário [últimos 2,6 milhões de anos]. Os 50 metros de sedimentos que estamos retirando vão mostrar registros dos últimos 800 mil anos a 1 milhão de anos”, disse André Oliveira Sawakuchi, integrante do projeto e coordenador do Laboratório de Espectrometria Gama e Luminescência do Instituto de Geociências da USP, à Agência FAPESP. O laboratório foi equipado com apoio da FAPESP e será um dos locais de análise do material.

Para Sawakuchi, o estudo tem a importância de servir como um registro da relação entre as mudanças na Mata Atlântica e as mudanças no clima. Isso poderá ser extrapolado também para outras florestas tropicais.

“Existem estudos desse tipo para florestas temperadas, mas são raros os realizados em áreas tropicais. As informações obtidas não dizem respeito apenas à floresta em si, mas também à quantidade de chuva e aos períodos de estiagem e chuva mais intensa”, disse Marie-Pierre Ledru, do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), que divide a coordenação do projeto com Sawakuchi.

O sedimento retirado da cratera de Colônia é muito rico em informações sobre o que se passou na região e também sobre como o bioma da Mata Atlântica reagiu às diversas mudanças no clima.

A partir da análise de componentes orgânicos contidos no sedimento e dos seus isótopos (variação de elementos químicos), é possível obter informações sobre o tipo de vegetação e até da água da chuva que caiu há milhares de anos.

“A planta absorve os isótopos de hidrogênio da água da chuva. Assim, os vestígios de plantas preservados nos sedimentos representam um outro tipo de arquivo climático”, disse Sawakuchi. Outro bom indício sobre o passado da Mata Atlântica é a análise do pólen disseminado no sedimento, que permite identificar a diversidade florística das plantas que existiam no local.

Com a análise de gases presentes nos poros do sedimento será possível também investigar como a comunidade de micróbios que vive no subsolo atua na produção de gases como dióxido de carbono e metano, gases causadores do efeito estufa.

“As perguntas que tentamos responder estão relacionadas com esses ciclos naturais que fazem parte do clima da Terra. Nos últimos 800 mil anos houve uma série de glaciações em uma frequência de cerca de 100 mil anos. Em nosso projeto de pesquisa, temos diferentes frentes de estudos que permitirão obter uma análise ampla desse período”, disse Patricia Roeser, integrante do projeto e pesquisadora do Centro Europeu de Pesquisa e Ensino de Geociências Ambiental (Cerege), na França.

Centros de pesquisa integrados

A análise do material coletado será feita em três etapas. A primeira consiste na perfuração e coleta de testemunhos, e a segunda, nas análises dos gases de efeito estufa, assim como da microbiologia no local.

“O drilling [local da perfuração] está a 100 metros de distância do minilaboratório. O material vem para o minilaboratório, onde são feitas amostragens. É preciso fazer isso o quanto antes para evitar riscos de contaminação. Depois as amostras serão levadas para pesquisadores em diversos países”, disse Roeser, responsável pela análise no local.

Nesta terceira etapa serão feitas as análises em vestígios como isótopos, pólen e algas por especialistas espalhados em diversos centros de pesquisa no mundo.

“É um projeto interdisciplinar com 17 pesquisadores, especialistas em diferentes áreas. Serão feitas análises em laboratórios na USP e em países como Suíça, França, Estados Unidos e Alemanha. Depois disso, o material do testemunho volta para o Brasil para ser arquivado na USP”, disse Ledru.

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O projeto de pesquisa, chamado de Tropicol, não é o primeiro estudo sobre a vegetação na região da cratera de Colônia. A área é estudada desde a década de 1960, no que se refere à formação da cratera, resultado de provável queda de um meteorito. Foi somente a partir da década de 1980 que se iniciaram os estudos sobre clima e vegetação.

“Não temos muito esse tipo de pesquisa no mundo. Os estudos de sondagens profundas de atividade microbiana nos continentes – e não estou falando de pesquisa oceânica – iniciaram há menos de 10 anos. E os primeiros resultados mostram que existe uma relação do glacial ou interglacial com o tipo de comunidade microbiana. Vamos ver como é no caso da cratera de Colônia. Estamos curiosos para saber os resultados das análises”, disse Roeser.

Uma perfuração realizada em 2014 na cratera na zona Sul de São Paulo – no âmbito do Projeto Temático "Dimensions US-BIOTA São Paulo" – que produziu testemunhos de 14 metros de profundidade, portanto restritos aos últimos 250 mil anos – descobriu que por um longo período de tempo havia um lago dentro da cratera. A mudança de lago para área pantanosa teria acontecido há aproximadamente 120 mil anos.

“Já sabemos que os sedimentos aqui são ricos em pólen e matéria orgânica, um bom material para o estudo da evolução da Mata Atlântica, por exemplo. Outro fato curioso é que, a partir de 11 metros de profundidade, encontramos sedimentos depositados em lago. A maioria dos sedimentos que preenchem a cratera é desse tipo. Isso quer dizer que na maior parte do tempo de vida da cratera ela teria sido um lago”, disse Sawakuchi.

Sabe-se também que a cratera tem aproximadamente uma espessura máxima de 450 metros de sedimentos acumulados e espessura máxima de 450 metros, de acordo com o projeto de pesquisa "Investigação geofísica da estrutura de colônia, São Paulo", apoiado pela FAPESP.

“O objetivo futuro é fazer perfurações e amostras desses 450 metros. Com isso, será possível amostrar a rocha da base da cratera para definir se houve realmente impacto de meteorito. As imagens de satélite da cratera não deixam dúvidas, mas esse estudo traria a confirmação na rocha”, disse Ledru.

Ledru afirma que material que acabou de ser coletado na cratera poderá impulsionar novos estudos sobre mudanças climáticas e Mata Atlântica.

“Temos interesse em estudar futuramente como a variação da energia solar impacta a biodiversidade, criando processos de extinção e de aparecimento de espécies. Isso é pouco conhecido ainda. Não temos respostas para o processo natural de extinção e atualmente estamos em um processo de extinção em grande parte causado pelo homem”, disse Ledru.

Ela explica que o planeta está passando por uma nova fase do ciclo solar – quando a atividade do sol se torna mais intensa em frequência aproximada de 11 anos –, ao mesmo tempo que os gases do efeito estufa estão em altos níveis.

“Será importante conhecer esses efeitos de mudanças de energia no substrato das florestas tropicais. Com isso, poderemos saber como as mudanças de energia podem impactar futuras extinções e o aparecimento de espécies, fazendo um link entre o passado e o presente que sofre com a ação do homem, criando algo completamente novo na Terra. É ainda apenas uma nova possibilidade de estudo. Pesquisas de clima, paleoclima e paleobiologia necessitam de vários indicadores como os captados na cratera de Colônia”, disse Ledru.

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Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.

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