Oscar Malvessi, especialista em finanças: "Uma empresa não tem prazo de validade, ela é criada para ser perpétua. Para isso, ela precisa ser economicamente forte e bem gerida” (Oscar Malvessi/Divulgação)
Repórter
Publicado em 23 de dezembro de 2024 às 10h56.
Última atualização em 23 de dezembro de 2024 às 12h24.
Muitas empresas brasileiras remuneram bem seus executivos, mas falham na entrega dos resultados e no desenvolvimento dos funcionários. Essa é a conclusão de um estudo conduzido pelo administrador Oscar Malvessi, professsor da FGV especialista em finanças e consultor com ampla experiência em Value Based Management (gestão baseada em valor), metodologia que integra análise financeira e estratégia empresarial.
"O Value Based Management não é apenas olhar para o lucro. É garantir que a empresa remunere o custo de oportunidade do acionista. Dinheiro tem um preço, e esse preço deve ser levado em conta antes de considerarmos o lucro como um indicador de sucesso", afirma Malvessi.
Essa metodologia, desenvolvida nos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970 surgiu em resposta à competitividade crescente do mercado japonês. Apesar de seu impacto global, poucas empresas brasileiras adotam essa abordagem, afirma Malvessi. "As empresas brasileiras gastam muito e entregam resultados baixos. Nossa capacidade de competitividade está muito aquém do que deveria ser”.
O estudo, que analisa dados de 129 empresas do Índice de Governança Corporativa da B3 entre 2019 e 2023, revela um desalinhamento entre a remuneração de executivos e o retorno financeiro efetivo para acionistas. "Das empresas analisadas, a maioria paga bem aos seus executivos, mas não entrega resultados compatíveis. Isso mostra um desalinhamento de interesses entre acionistas, conselhos de administração e executivos."
Um dos principais problemas das empresas brasileiras é o uso de métricas ultrapassadas, como o EBITDA, que não consideram o custo do capital investido, na visão de Malvessi. "O EBITDA é um conceito simples, quase elementar, que não reflete a complexidade das operações de uma empresa. Ele não considera depreciação, juros, imposto ou o custo do capital investido. Ele analisa o resultado de forma isolada".
O resultado dessa escolha, segundo Malvessi, é que muitas organizações continuam remunerando executivos de forma desproporcional ao valor efetivamente gerado. "É como se essas empresas estivessem sangrando sem perceber. E, um dia, esse sangramento levará ao colapso."
Empresas que criam valor, na visão do especialista, somam um grupo de apenas 22 dentre as 133 analisadas. Juntas, elas pagaram 545 milhões de reais seus executivos, dos quais 336 milhões (61% foram pagos em remuneração variável). De lá para 2023, a remuneração total cresceu 9%, para 595 milhões de reais, mas a variável subiu 27%, para 426 milhões de reais.
Em comum, elas correlacionam a remuneração a análises mais profundas e holísticas do negócio. Entre essas empresas, Malvessi cita WEG e Lojas Renner, que implementaram modelos de gestão focados na meritocracia e na criação de valor. Segundo o especialista, essas empresas conseguiram alinhar a remuneração variável ao desempenho e adotar práticas de gestão eficientes.
"Essas empresas são diferenciadas desde o início. Elas têm propósito, valores claros e investem em educação contínua", afirma Malvessi. “Isso diferencia as empresas que criam valor das que apenas sobrevivem no mercado”, diz o administrador que possui doutorado (2001) em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Entre as empresas que criaram valor entre 2019 e 2023, Malvessi também cita Suzano, SLC, Totvs, Arrezo, Camil, Minerva, Irani e Kepler Weber.
A meritocracia, segundo o consultor, pode ser um fator de sucesso, mas somente quando associada a análises financeiras robustas. "Se você usa um conceito simplista, como o EBITDA, a meritocracia é furada. Não há como premiar desempenho real sem entender a qualidade do resultado".
No caso do ESG, o estudo mostra uma lacuna significativa entre discurso e a prática. Das 159 empresas analisadas, apenas 65 mencionam indicadores ESG na forma como avaliam o desempenho de seus gestores, e só 16 mostram o que realmente fazem. "Apenas 10% das empresas analisadas utilizam indicadores ESG de forma efetiva. E, mesmo entre essas, o foco está quase exclusivamente em CO2. Capacitação, saúde e segurança, que são pilares essenciais, são negligenciados", alerta Oscar.
Investir em educação corporativa é um passo fundamental para impulsionar práticas ESG e a meritocracia em uma companhia. "Se eu der educação para as pessoas, tudo melhora: CO2, diversidade, turnover. A base de tudo é gente."
A transformação do mercado brasileiro exige uma análise crítica das atividades, o uso estratégico dos ativos e, acima de tudo, investimento em educação, destaca Malvessi.
“Uma empresa não tem prazo de validade; ela é criada para ser perpétua. Mas, para isso, precisa ser economicamente forte e bem gerida”, afirma. “A gestão de uma empresa é como a saúde de uma pessoa. Sem um diagnóstico preciso e ações direcionadas, os problemas apenas se agravam.”
No Brasil, o caminho para o sucesso passa por uma transformação cultural e educacional. Segundo Malvessi, investir em conhecimento, capacitação e uma gestão baseada em valor são as chaves para fortalecer as empresas e, consequentemente, a economia do país. "A diferença entre empresas fracas e fortes está na forma de pensar, de decidir e de agir. Se a empresa não reavaliar suas práticas e suas remunerações, ela ficará para trás".