Carreira

Quando criar concorrência entre os funcionários pode dar errado

Quando os funcionários se preocupam uns com os outros, a melhor estratégia pode ser a recompensa pelo desempenho do grupo

Ao colocar os funcionários uns contra os outros, o raciocínio normal é que os incentivos relativos podem motivar os funcionários a trabalharem mais.  (Foto/Thinkstock)

Ao colocar os funcionários uns contra os outros, o raciocínio normal é que os incentivos relativos podem motivar os funcionários a trabalharem mais.  (Foto/Thinkstock)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 8 de janeiro de 2018 às 18h21.

Última atualização em 29 de janeiro de 2018 às 15h51.

No filme "Glengarry Glen Ross", o personagem de Alec Baldwin, Blake, faz um famoso discurso de motivação de uma equipe de vendas: “Como todos sabem, o primeiro prêmio é um Cadillac Eldorado. Alguém quer saber qual é o prêmio para o segundo colocado? É um jogo de facas de serra. O terceiro lugar é ser demitido".

O esquema é um exemplo clássico de incentivos relativos: recompensas baseadas na forma como o trabalho de um funcionário individual se classifica entre os membros da equipe, em vez de medidas absolutas, como o número de vendas. Hoje em dia, os melhores funcionários normalmente recebem promoções ou bônus em vez de carros ou talheres, mas a premissa é a mesma. Ao colocar os funcionários uns contra os outros, o raciocínio normal é que os incentivos relativos podem motivar os funcionários a trabalharem mais.

Mas será que essa estratégia pode dar o resultado oposto se os colegas se preocupam uns com os outros? Afinal, todo o esforço adicional que a pessoa realiza reduz as chances de que outros na equipe ganhem a recompensa. Em vez de lutar para chegar no primeiro lugar, os funcionários mais altruístas podem reduzir sua produtividade para facilitar a vida de seus colegas de trabalho.

"Talvez você não se esforce tanto quanto poderia", diz Dylan Minor, professor assistente de economia gerencial e ciências de decisão na Kellogg.

Em uma série de experiências, Minor e seus colegas encontraram provas que respalda essa ideia. Também descobriram que alguns membros egoístas da equipe podem alterar essa dinâmica consideravelmente.

Os resultados sugerem que, nos locais de trabalho onde as pessoas são mais atenciosas — digamos, uma empresa que enfatiza a responsabilidade social corporativa — os esquemas de incentivos relativos podem proporcionar menos motivação. Porém para as equipes compostas por muitas pessoas egoístas, "provavelmente os incentivos relativos ainda funcionarão maravilhosamente bem", diz Minor.

Incentivando funcionários

Os pesquisadores queriam que seu estudo respondesse a várias perguntas. A primeira era se a benevolência dos trabalhadores uns para com os outros poderia fazer com que os incentivos relativos fossem menos eficazes.

Em segundo lugar, estavam interessados em explorar a possibilidade de conspiração diante de esquemas de incentivo relativo. Será que todos concordariam em diminuir o ritmo a fim de reduzir a quantidade de trabalho necessária para obter recompensas?

A ideia é que "preferimos não nos esforçar demais e ainda assim conseguir a recompensa", diz Minor. Do contrário, "todos dedicam esse enorme esforço, se desgastando, tendo ataques cardíacos, não vendo seus filhos se formarem na escola, tudo isso pelo mesmo Cadillac".

Em terceiro lugar, os pesquisadores queriam saber que tipo de pessoa — benevolente ou egoísta — iria liderar a cooperação do grupo. "Alguém precisa ter a iniciativa e até mesmo sugerir esse tipo de coisa", diz ele.

Os incentivos relativos funcionam para motivar funcionários?

Nesta investigação, Minor colaborou com Pablo Hernandez-Lagos, da Universidade de Nova York Abu Dhabi, e Dana Sisak, da Erasmus University Rotterdam. A equipe recrutou 147 estudantes de graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley, para participar de uma série de experiências em computadores.

Os participantes foram informados de que, durante o experimento, estariam usando uma moeda fictícia chamada "Berkeley Bucks", onde 1 Berkeley Buck era o equivalente a cerca de 1,5 centavos de dólares. No final do experimento, os alunos receberam o valor em dinheiro equivalente aos seus Berkeley Bucks.

Primeiro, os pesquisadores avaliaram o nível de egoísmo dos estudantes.

Nesta parte do experimento, os participantes receberam Berkeley Bucks nove vezes e, a cada vez, poderiam optar por compartilhar qualquer quantia deles com outros dois membros anônimos da equipe. Além do próprio altruísmo, os estudantes não tinham incentivo algum para compartilhar o dinheiro. As pessoas que sempre guardaram todo o dinheiro para si foram classificadas como egoístas. Cerca de um quinto dos participantes caiu nesta categoria. Os quatro quintos restantes deram parte do dinheiro aos seus pares, mostrando benevolência com os demais.

Na segunda parte do experimento, os pesquisadores testaram se os participantes benevolentes tenderiam a reduzir o ritmo e dedicar menos esforço do que os egoístas para que seus companheiros de equipe fossem recompensados.

Os participantes foram agrupados em equipes, com outros dois colegas anônimos, em 29 rodadas de um jogo. Em cada rodada, cada pessoa começou com 12 Berkeley Bucks. Os participantes tiveram que decidir com quantas unidades de esforço, cada uma delas custando 1 Berkeley Buck, deveriam contribuir. Em seguida, um pote de recompensas — sempre de 45 Berkeley Bucks — foi dividido entre os participantes com base nas contribuições relativas em cada rodada. Os participantes também mantiveram o dinheiro restante de suas alocações iniciais de 12 Berkeley Bucks.

Embora as especificidades do jogo fossem complexas, a dinâmica era bastante simples: como o pote de recompensas era sempre o mesmo, e os pagamentos eram relativos, todo o grupo se beneficiaria se todos os membros da equipe reduzissem o ritmo.

Afinal, se todos dedicassem o máximo de esforço, todos seriam classificados dentro da média e ninguém conseguiria o grande pagamento. No entanto, se todos dedicassem o mínimo de esforço, também se enquadrariam na média, mas conseguiriam embolsar mais dos seus Berkeley Bucks não utilizados, aumentando o pagamento total.

Finalmente, para testar o conluio, algumas equipes foram autorizadas a conversar on-line durante estas 29 rodadas, enquanto outras não tiveram nenhuma comunicação com os colegas da equipe.

Quando o egoísmo leva à conspiração

Os pesquisadores descobriram que os participantes mais benevolentes, de fato, tendiam a reduzir o ritmo. Em média, os membros benevolentes da equipe contribuíram com 15% menos esforço do que as pessoas egoístas, o que tornou maior a probabilidade de que seus colegas de equipe obtivessem um pagamento maior.

A capacidade de conversar com os colegas da equipe levou à cooperação, e cerca de três quartos das equipes que puderam conversar acabaram entrando em conluio. E isso afetou o esforço geral da equipe. Por exemplo, um jogador sugeriria que todos colocassem apenas 1 unidade de esforço, garantindo assim que todos recebessem uma grande recompensa porque manteriam todos os seus bucks não utilizados.

Então, quem foram os mais atuantes nas conspirações?

Poderíamos esperar que as pessoas benevolentes iriam sugerir que todos cooperassem. Mas descobriu-se que os participantes egoístas tinham uma probabilidade quase três vezes maior de ​liderar o conluio do que os benevolentes. Esse padrão pode ter surgido porque, em geral, pessoas egoístas tendem a ser mais estratégicas, especula Minor.

Mas o conluio era bem-sucedido somente se a equipe tivesse uma única pessoa egoísta. Se duas ou três pessoas egoístas estivessem envolvidas, "basicamente isso nunca funcionava", diz Minor. Em vez de colocar o mínimo de esforço, conforme a equipe havia concordado, uma pessoa egoísta trairia seus colegas de equipe e contribuiria com mais esforço, ganhando mais dinheiro em prêmios.

Às vezes, esses participantes pareciam mentir sobre o que aconteceu. Nas conversas de bate-papo, poderiam dizer: "Opa, me desculpem, pessoal", e falar que pressionaram o botão errado, diz Minor. Embora seja possível que suas ações fossem acidentais, ele diz: "é um acidente muito suspeito e conveniente".

Pessoas benevolentes podem ser mais propensas a seguir o plano de cooperação em prol de todos porque querem que todos obtenham uma boa recompensa, diz Minor. “Isso cria um pouco mais de adesão para que cooperem".

Lições para os líderes

Assim, como os gerentes podem usar essas informações para ajudar a melhorar o desempenho da equipe?

Os resultados sugerem que os incentivos relativos podem não ser ideais em empresas compostas por pessoas mais benevolentes, tais como organizações sem fins lucrativos ou empresas que enfatizam a responsabilidade social, diz Minor. Em vez disso, as recompensas baseadas no trabalho em equipe, que alocam prêmios com base no desempenho do grupo todo, podem gerar resultados melhores. As empresas podem até pensar em empregar diversos esquemas de incentivo para equipes diferentes, dependendo das personalidades das pessoas de cada grupo.

No mundo real, interações pessoais confusas também podem entrar em jogo. Se a pessoa que sugere a cabeça da conspiração for um valentão, outros trabalhadores podem ter maior probabilidade de concordar com ela. Mas os funcionários altruístas de uma empresa pequena talvez não concordem em burlar o sistema.

A cooperação deste tipo em empresas pequenas pode ser "um pouco menos provável porque você realmente se importa com os proprietários", diz Minor.

Em geral, o estudo apoia a teoria de Minor de que pessoas benevolentes podem atrapalhar os esquemas de incentivo relativo. Elas são menos propensas a querer que seu escritório se torne um "mundo cão", ele diz, "assim, tendem a reduzir os seus esforços".

Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.

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