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O que devo a São paulo

"É hora de retribuir"

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.

O que você faria se, aos 51 anos de idade, deixasse o mais alto posto numa companhia multinacional para ingressar na lista de desempregados do setor de tecnologia? Vânia Ferro, ex-diretora-geral da 3Com Brasil, fabricante mundial de hardwares, levou seis meses para formular uma resposta, e foi a mais improvável para um momento de impasse profissional: decidiu investir em projetos sociais. A executiva saiu da 3Com em janeiro, quando a companhia fazia nova ginástica corporativa para cortar gastos e contornar a maré de prejuízos no setor. Parou de receber cerca de 500 000 reais por ano, mas mantém seu padrão e seu sossego. Contribuinte regular da previdência privada, poderia aposentar-se, mudar-se para o seu sítio em Jambeiro, no Vale do Paraíba, e dedicar-se ao antigo passatempo de fazer peças de cerâmica. Por pouco não assumiu essa rotina. A saída da 3Com foi seguida por uma reflexão pessoal. "Cresci com São Paulo", diz Vânia. "Chegou a hora de retribuir." Fez as contas e descobriu que poderia viver muito bem com 8 000 reais por mês. O que ganhasse acima desse valor utilizaria para bancar projetos comunitários. Se tivesse tomado essa decisão há um ano, suas contribuições mensais chegariam a 30 000 reais. "A terra das oportunidades virou um caos, e só o comprometimento individual de quem venceu aqui pode mudar essa realidade", afirma.

Filha de migrantes nordestinos, Vânia costuma dizer que foi de uma "pobreza digna a uma vida de privilégios". A virada começou cedo, aos 8 anos, quando o pai, um metalúrgico da Mercedes-Benz, avisou-lhe que deveria largar os estudos. Sem dinheiro para bancar o material escolar dos dois filhos, a família optou pela alfabetização do caçula. Inconformada com a decisão, Vânia -- que acabara de receber uma medalha pelo excepcional desempenho escolar -- passou a freqüentar as aulas em outra escola, escondida dos pais. A teimosia para superar as limitações financeiras acabou virando um traço de caráter. Vânia fez dois cursos na USP: graduação em física e pós-graduação em matemática aplicada. Hoje é professora nessa universidade.

Vânia exercitou a perseverança também no terreno profissional. Trabalhou no Banco Mercantil de São Paulo, na Volkswagen, na Itautec e no Grupo Solaris. Em 1993, tornou-se a primeira funcionária da 3Com no Brasil. Com uma rotina de 14 horas diárias de trabalho e centenas de viagens por ano, chegou ao mais alto posto da companhia no Brasil. Há seis meses, colocou toda sua experiência no papel. Distribuiu currículos para organizações não-governamentais e empresas com atuação social, oferecendo-se para cargos executivos na área digital. Recebeu algumas propostas de empresas locais, mas nada no perfil desejado. As ONGs internacionais responderam polidamente que restringem, por ora, a atuação na América Latina. Enquanto o emprego na área de tecnologia não vem, Vânia dedica seu tempo às ações comunitárias. Trabalha contra a exclusão digital apoiando iniciativas de entidades como Amcham, Sociedade para o Desenvolvimento da Tecnologia da Informação (Brisa) e Sampa.org. "Na São Paulo de hoje, a menina pobre que fui correria risco de morte se fosse à escola escondida dos pais", diz. "Outros merecem a chance que eu tive."

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