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A hora da verdade

Processos de avaliação são difíceis, mas há empresas que conseguem fazê-los funcionar. Conheça alguns exemplos e use-os a seu favor.

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.

Foi como ser atropelado por um trator." É assim que Geraldo Batista Caetano, de 55 anos, vice-presidente de controladoria do grupo mineiro Algar, define a primeira vez em que passou por uma avaliação de desempenho. Na época (isso foi há mais de dez anos), um comitê de oito pessoas da diretoria da empresa se reuniu para comentar sua performance. "Fiquei me perguntando se merecia aquele massacre." Caetano ouviu palavras duras: que era intransigente, que só ficava satisfeito se as coisas fossem feitas à sua maneira... Nos últimos dez anos, a Algar continuou com o mesmo processo de avaliação. Sessões coletivas de feedback são a alma do sistema de medição de desempenho da empresa. Mas, se o formato continua o mesmo, a maneira pela qual é colocado em prática mudou para melhor.

Avaliações de desempenho não são novidade no mundo corporativo. No pós-guerra, elas já existiam para controlar a forma como os funcionários trabalhavam, conforme explica a professora Vera Lúcia de Souza da Fundação Getulio Vargas, em seu livro Gestão de Desempenho: Julgamento ou Diálogo? (editora FGV). Hoje, esses processos são feitos de um jeito diferente e pretendem agir como diferenciador de competências e ajudar no desenvolvimento dos profissionais. Deixaram, enfim, de ser meros métodos de análise quantitativa do trabalho. "É com base nessa fotografia que as empresas podem criar sistemas de compensação mais justos e fazer um levantamento do potencial humano que têm em mãos", diz Cleide Nakashima, consultora de gestão de capital humano da Deloitte Touche Tohmatsu. Para as corporações, a avaliação precisa estar alinhada à estratégia de crescimento do negócio. Na subsidiária brasileira da Siemens, por exemplo, é peça indispensável ao plano de sucessão nos níveis de diretoria -- as informações levantadas ficam num banco de dados do RH para o preenchimento de vagas abertas. Do lado do funcionário, deve estabelecer com clareza as expectativas da empresa em relação a seu desempenho e onde é preciso melhorar para atendê-las.

No final, se o processo for eficiente, há recompensa para ambos os lados. O profissional é recompensado financeiramente e com oportunidades de crescimento por suas realizações. A empresa também ganha porque consegue identificar o capital intelectual que já tem disponível e, portanto, como aproveitá-lo melhor, além de descobrir problemas escondidos. Apesar de velha conhecida, a tarefa de avaliar pessoas e dar feedback ainda é um processo crítico. "A grande maioria dos programas naufraga", afirma Maria de Fátima Alexandre, consultora de avaliação de potencial da TMP Worldwide.

Muita forma, pouco conteúdo

Se essa é uma prática reconhecidamente benéfica, por que muitas vezes ela não dá certo? Há vários motivos. Um deles é a preocupação exagerada com ferramentas de avaliação. "Os responsáveis pelos programas ficam preocupados com formulários e se esquecem das pessoas, cuja participação é vital para o sucesso do procedimento", comenta Fátima. É claro que um formulário bem elaborado é uma ferramenta útil que ajuda a identificar problemas e habilidades com mais profundidade do que um simples bate-papo informal. Mas o mais complicado não é idealizar instrumentos. O difícil é fazer que os funcionários se envolvam e se sintam comprometidos com o processo.

"Eles precisam enxergar algum benefício", diz Fátima. Para ilustrar o que essa falta de comprometimento pode causar, ela cita uma avaliação recente em que esteve envolvida. Na empresa em questão, apesar de todos estarem colaborando, um dos engenheiros reclamou por ser obrigado a largar o trabalho na hora das reuniões. "Ele bateu na mesa e perguntou ao chefe: Você prefere que eu gaste essas horas conversando ou me concentre no projeto x, que pode render milhões de reais para a companhia? " Esse argumento contaminou a equipe, que passou também a achar que tinha coisa mais importante para fazer. "Muita gente ainda acha que o pessoal de RH não tem mais o que fazer, por isso fica inventando besteiras", diz Fátima. O sentimento era parecido entre os funcionários da Siemens há mais ou menos dez anos, quando as avaliações começaram a se tornar estratégicas para o negócio da multinacional alemã no Brasil. Coube à área de recursos humanos elaborar um programa para mudar a situação. O projeto Gestão de RH treinou mais de 900 pessoas em cargos de liderança. "Esse treinamento ajudou-nos a difundir a idéia de que avaliação e feedback são essenciais na motivação e no desempenho, e, como conseqüência, nos resultados da companhia", explica Petros Katalifós, diretor de desenvolvimento e performance da Siemens.

Razão e sensibilidade

Ter sensibilidade para detectar quais são as pessoas que podem oferecer resistência dentro da organização é outro ponto crucial. "Há pessoas-chave que podem influenciar o grupo a aceitar a avaliação", afirma Fátima, da TMP. Trabalhar em conjunto com elas na hora de elaborar o programa ajuda a criar as ferramentas de avaliação ou adaptá-las à realidade de cada companhia. Na Sensormatic do Brasil, braço nacional de uma das maiores empresas do mundo em segurança eletrônica, a solução é caseira e reflete a cultura local. A empresa, que trabalha em parceria com um grupo estrangeiro há dez anos, tem dois sistemas para medir o desempenho de seu pessoal. Um deles começa com uma auto-avaliação individual. Em seguida, o funcionário expõe para as pessoas que trabalham diretamente com ele as conclusões a que chegou sobre seu desempenho. "Se a pessoa merece um aumento ou uma promoção, essa é uma decisão do grupo", explica Domingos Valotta Filho, diretor da Sensormatic. A reunião do comitê é mensal e serve também para lavar a roupa suja quando é necessário, por exemplo, resolver problemas de relacionamento.

Para tratar questões técnicas e falar das chances de desenvolvimento de cada um, há um encontro a portas fechadas entre funcionário e chefe uma vez por ano. Nele, são discutidas metas atingidas, objetivos para o ano seguinte e como o chefe pode ajudar o funcionário a se desenvolver. As conclusões são colocadas em um documento chamado "Contrato de Trabalho", revisado anualmente. Como resultado, a pessoa pode ser promovida, mudar de função ou ganhar um aumento. Mas pode também ser demitida. A vantagem é que, se isso acontecer, não será surpresa para ninguém, já que os chefes realizam encontros informais para saber como os objetivos definidos uma vez ao ano estão caminhando.

Aliás, o fator surpresa é outro dos itens que nunca devem aparecer numa avaliação, a menos que se trate de aumento de salário ou promoção. Katalifós, da Siemens, recorda que, no fim dos anos 80, era costume entre os chefes da multinacional alemã anotar todos os comentários para repassá-los ao funcionário somente na avaliação anual. "Para um sistema de medição de desempenho ser eficiente, o feedback entre chefes e subordinados tem de ser constante e imediato", diz Katalifós. O programa de treinamento em gestão dado às lideranças da empresa mudou essa realidade e ajudou a tornar o processo de avaliação mais transparente.

Hoje, chefes e funcionários têm autonomia para decidir como preferem fazer a avaliação (se ela começa com um auto-exame, se todas as etapas são feitas em conjunto etc.). Mas eles são obrigados a conversar sobre a avaliação, porque o formulário só pode ser acessado -- via intranet -- se ambos usarem suas assinaturas eletrônicas no computador. Denise Soares dos Santos é gerente-geral de uma das unidades de negócios da Siemens no Brasil. Subordinados a ela estão outros três gerentes, cada um com uma equipe de trabalho. Em conjunto, eles decidiram que as avaliações de seu grupo começariam com uma reflexão individual. "Também faço a tarefa de casa antes desse encontro e analiso o trabalho de cada um sozinha. Isso é importante porque ajuda você a refletir mais detalhadamente sobre o desempenho dos outros", conta. As reuniões que se seguem -- com seus subordinados diretos, individualmente, e a três ou mais pessoas quando é hora de avaliar os subordinados destes -- servem para discutir as conclusões.

"Escuto, mas também falo muito. É uma espécie de prestação de conta dos dois lados", diz Denise. Além dessa oportunidade de diálogo -- o pessoal da Siemens não usa a palavra "avaliação" --, há ainda outras chances de conversar. "O material fica à disposição do funcionário na rede, para ser revisado", diz Marcello Zinni, subordinado da gerente-geral. Na Sensormatic, o feedback é constante ainda por outro motivo. Lá, cabe exclusivamente aos chefes a dura tarefa de demitir. Essa é uma atividade que não faz parte das obrigações do RH.

Nem tudo são flores

Feedback negativo, no entanto, é muito difícil de ser dado. De forma construtiva, então, é mais complicado ainda. Por isso, avaliadores -- chefes e executivos, em geral -- precisam ser muito bem preparados para executar essa tarefa. Afinal, chefe não pode simplesmente passar a mão na cabeça do funcionário. "Pegar leve", só para não gerar constrangimentos, torna a avaliação uma perda de tempo. Também não dá para se transformar no trator que atropelou o executivo da Algar, citado no início desta reportagem. Criticar de forma pesada pode levantar um obstáculo de comunicação intransponível -- e criar uma resistência à avaliação ainda maior. "Uma equipe de psicólogos nos ajudou a encontrar o ponto de equilíbrio quando implantamos as avaliações na Algar", lembra Cícero Domingos Penha, vice-presidente de talentos humanos da companhia. Na Siemens, por sua vez, além do treinamento, os líderes recebem um manual de apoio para que entendam os formulários de avaliação e as competências valorizadas pela companhia.

Não bastassem todas essas dificuldades, há ainda um outro senão no que diz respeito ao feedback negativo. Críticas são difíceis de aceitar, mesmo as feitas de forma construtiva e quando a pessoa sabe que precisa melhorar. "Ninguém gosta de ter seus defeitos apontados. Lidar com frustração é uma tarefa extremamente difícil para o ser humano", diz Cleide Nakashima, da Deloitte. E esse é exatamente o risco que corre quem passa por um processo de avaliação. Já que para mudar as outras etapas desse processo o funcionário não tem muita autonomia (afinal, as mudanças citadas acima dependem mais do avaliador e de quem elabora o sistema de avaliação), cabe a ele mudar então sua forma de encarar as críticas e de se preparar antes de passar por uma sessão desse tipo. Os consultores afirmam que é sempre melhor ouvir que revidar. Tentar se defender com a cabeça quente não costuma trazer bons resultados. Reflita sobre o que ouviu. Às vezes, por mais doloridas que sejam, as críticas têm fundamento. Ou você nunca ouviu falar que crescer é doloroso?

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