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Uma viagem à "República de Curitiba", a capital da Lava Jato

De Curitiba, as conduções coercitivas e as sentenças proferidas por Moro têm sacudido o país

Curitiba: cidade se transformou em uma fábrica de más notícias para o poder central (Getty Images)
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AFP

Publicado em 30 de janeiro de 2017 às 14h55.

Última atualização em 30 de janeiro de 2017 às 15h11.

"República de Curitiba. Aqui se cumpre a lei", diz um cartaz em frente aos tribunais da capital do Paraná, cidade transformada em sinônimo da operação que desvendou uma intrincada rede de corrupção, que pôs em xeque parte da elite política e econômica do País.

A mensagem faz parte de um santuário improvisado, erguido em homenagem ao herói local: Sérgio Moro, um juiz de primeira instância que, aos 44 anos, virou um mito, que cresce alimentado pelas duras sentenças que profere no âmbito da " Operação Lava Jato ".

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Da rica Curitiba , cidade com pouco menos de dois milhões de habitantes, as ordens de detenção, as conduções coercitivas e as sentenças proferidas por Moro têm sacudido o País, transformando-a em uma fábrica de más notícias para o poder central, em Brasília, distante 1.300 km.

"Aqui em Curitiba tem uma revolta muito grande com relação a isso [os casos de corrupção revelados pela Lava Jato]. Quando tem alguma prisão de deputados, de senadores... Nossa! É como se fosse uma festa pra gente", conta Daniela Varela, uma advogada de 29 anos, em frente ao prédio onde fica o gabinete do juiz.

Nada demonstrava que um caso que começou como um expediente menor sobre uma rede de câmbio ilegal se transformasse no que muitos consideram a maior investigação contra a corrupção da história.

Recaíram sobre Moro casos como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que enfrenta cinco acusações ligadas à Lava Jato, e que em 2016 sofreu uma condução coercitiva para depor na Polícia Federal.

Nas prisões de Curitiba cumprem penas Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo que leva seu sobrenome, condenado a 19 anos e 4 meses de prisão, e o ex-chefe de gabinete de Lula, José Dirceu, que cumpre 23 anos.

Aguardam uma definição de seus casos, em prisão preventiva, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que chegou a ser o segundo na linha de sucessão presidencial, e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.

"Isto aqui vai virar um ponto histórico", prevê Wanderley Santos, vendedor ambulante de 64 anos, em frente aos tribunais, enquanto pendura camisetas com a frase "Moro na República de Curitiba" - um jogo de palavras com o sobrenome do juiz e a primeira pessoa no presente do indicativo do verbo morar.

Segunda fundação

Curitiba, claro, não é uma República. A cidade foi fundada em 1693 e ainda guarda a forte marca da imigração alemã do século XIX, mas uma piada local diz que foi refundada em março de 2016.

A alcunha "República de Curitiba" foi dada por Lula em conversa telefônica com sua sucessora, Dilma Rousseff (2011-2016).

A conversa, grampeada com autorização de Moro, integra os autos das investigações sobre o ex-presidente, acusado pelo Ministério Público de ser o principal responsável pela rede de corrupção que desviou mais de US$ 2 bilhões da Petrobras.

"Eu, sinceramente, estou assustado com a República de Curitiba. Porque a partir de um juiz de primeira instância, tudo pode acontecer neste país", disse Lula na gravação, divulgada pelo próprio juiz em março de 2016 e que provocou uma crise política.

A expressão, usada pejorativamente, foi adotada amplamente como uma nova identidade pelos moradores da cidade como símbolo do poder republicano que atemoriza os corruptos.

E está por todos os lados: em lojas, adesivos de carros, camisetas e é, até, escolhida por muitos como nacionalidade imaginária ou local de residência em redes sociais como Facebook ou Instagram.

Agora, ônibus turísticos incluíram em seu trajeto uma passagem pelos tribunais e pelo Ministério Público.

Sul tradicionalista

As denúncias da Lava Jato enlamearam o governo de Dilma Rousseff e motivaram protestos durante seu impeachment, em 2016, por adulteração de contas públicas - as chamadas "pedaladas fiscais" -, em um julgamento político sem vínculo direto com o caso.

"O sul é conservador, de direita e tradicionalista, e os membros do poder judiciário tem vínculos com a política desde sempre porque no Brasil o poder se herda. A Lava Jato acabou com o governo de Dilma e quer inabilitar Lula", resume Ricardo Costa de Oliveira, sociólogo da Universidade Federal do Paraná.

A identidade cidadã e a fama do juiz implacável se alimentam mutuamente, auxiliadas pelas escassas aparições, as sentenças severas de Moro e o tradicionalismo do sul do país.

"Um colega o levou uma vez. Estava sem terno e se escondia debaixo de um boné. Ficou quase todo o trajeto sem falar. Mas era ele", contou, admirado, um taxista, ao ser perguntado sobre o agora ilustre curitibano, embora Moro tenha nascido em Maringá, município situado 350 km a noroeste da capital.

Um curitibano que estudou em Harvard e que seus admiradores querem ver no Supremo Tribunal Federal e até mesmo na Presidência da República Federativa do Brasil.

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