Sobre decisão de Fachin, generais adotam silêncio e temem nova polarização
Oficiais do Exército avaliaram que o novo entendimento pode beneficiar "extremistas" das duas vertentes, tanto de esquerda quanto de direita, mas ponderaram que, no momento, não cabem manifestações públicas
Estadão Conteúdo
Publicado em 10 de março de 2021 às 09h44.
Última atualização em 10 de março de 2021 às 09h44.
A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva provenientes da 13.ª Vara da Justiça Federal em Curitiba desagradou aos militares. Influentes generais da reserva temem que o caso alimente o extremismo e têm feito apelos por "equilíbrio" diante da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que, na prática, reabilitou politicamente Lula como pré-candidato ao Palácio do Planalto, em 2022.
Oficiais do Exército avaliaram que o novo entendimento pode beneficiar "extremistas" das duas vertentes, tanto de esquerda quanto de direita, mas ponderaram que, no momento, não cabem mais manifestações públicas sobre o caso por parte de comandantes da ativa, como ocorreu em abril de 2018. Na época, antes do julgamento de um habeas corpus de Lula pelo Supremo, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, publicou mensagem no Twitter que jogou pressão sobre ministros da Corte.
"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", questionou Villas Bôas, na ocasião. O episódio foi detalhado em livro com depoimento do general, lançado pela Editora FGV. A obra provocou novo debate sobre o episódio, no mês passado, após Villas Bôas dizer que o tuíte contou com o aval do Alto Comando do Exército.
Fachin respondeu que a pressão era "intolerável e inaceitável". Villas Bôas, hoje assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, ironizou a demora da reação: "Três anos depois...". O ministro do STF Gilmar Mendes retrucou o que considerou um deboche: "Ditadura nunca mais".
Ex-ministro da Secretaria de Governo, o general do Exército Carlos Alberto dos Santos Cruz disse ao Estadão que, embora a decisão de Fachin chame a atenção, as Forças não podem se precipitar. Santos Cruz observou que o momento é diferente daquele de 2018, quando Lula recorria ao STF na frustrada tentativa de evitar a prisão, e Villas Bôas dizia que o Exército julgava "compartilhar do repúdio à impunidade". Bolsonaro não era presidente, mas já estava em campanha.
"São tempos distintos. Lá era véspera de uma decisão, aqui já é decisão tomada", afirmou Santos Cruz. "Até o plenário (do Supremo) se manifestar, tem um caminho a percorrer juridicamente. Tenho absoluta certeza de que o Exército não tem nada a ver com isso. É preciso ter equilíbrio, uma posição racional."
Fachin determinou o envio dos processos de Lula para a Justiça Federal em Brasília - a escolha de quem herdará os processos será feita por sorteio (mais informações nesta página).
Risco
No Ministério da Defesa, a decisão de Fachin foi recebida com incredulidade. Um oficial da ativa das Forças classificou a anulação como "absurda" e disse que isso sela a derrocada do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, figura tida em alta conta no meio militar.
Entre os militares mais aborrecidos circulou até um questionamento, em tom de cobrança, para que se manifestassem novamente, repudiando a anulação das condenações. Até a noite desta terça, 9, porém, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, preferiu nada comentar. Ele foi assessor na Corte, durante parte do período em que o ministro Dias Toffoli era presidente do tribunal. O ministro mantém interlocução com os magistrados até hoje.
O general de Exército da reserva Sérgio Etchegoyen disse que as pessoas, em geral, estão "indignadas" e "chocadas" com a decisão. "Por que essa decisão monocrática que se sobrepõe a dois tribunais colegiados não é um risco à democracia? Ou é um risco para a democracia só quando um general fala?", afirmou o general, que foi ministro de Michel Temer. "Conceitualmente, a tese de que Curitiba estava virando juízo universal é antiga e é possível que esteja certa, só acho que um cidadão sozinho (Fachin) anular decisões... É o cara mais poderoso do mundo." O ex-ministro também discordou da possibilidade de novas manifestações das Forças Armadas. "Agora, para quê? Não faz nenhum sentido."
Vitória do banditismo
O presidente do Clube Militar, general Eduardo José Barbosa, divulgou nota em que critica a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula. Com o título "Lugar de ladrão é na cadeia", ela diz que, no Brasil, "aqueles que julgam são alinhados políticos daqueles que são julgados". Para ele, "novos processos em outras varas são uma artimanha grotesca para que o meliante fique definitivamente impune".
Ao concluir, afirma que "a comunidade criminosa do País e seus aliados mundo afora devem estar festejando a vitória do banditismo". Barbosa foi eleito no clube na chapa de Hamilton Mourão, que se afastou em 2018 para ser o vice de Jair Bolsonaro. Ele foi colega do presidente da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), na turma de 1977.