Por que Moro e Lava Jato não são unanimidade entre juristas
Apesar do elevado apoio popular, algumas práticas de Moro na condução da Lava Jato são consideradas questionáveis por um grupo de juristas
Talita Abrantes
Publicado em 22 de março de 2016 às 16h03.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 14h57.
São Paulo – Nem políticos ou partidos da oposição. Foi o juiz Sergio Moro , da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR), que protagonizou a aclamação unânime dos manifestantes dos atos contra o governo Dilma do último dia 13, os maiores já registrados da história do Brasil.
Se as eleições presidenciais fossem hoje, Moro ficaria em quarto lugar com 8% dos votos, segundo levantamento do Instituto Datafolha entre os dias 17 e 18 de março.
Em termos práticos, ele deixaria pra trás veteranos da política como o senador José Serra (PSDB), o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) e o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).
Apesar do elevado apoio popular, Moro não gera consenso entre a própria classe que representa. Para um grupo de juristas, apesar de eficazes, algumas das práticas do juiz na condução da Lava Jato são questionáveis. Entenda quais são elas:
Grampos
A última saraivada de críticas veio depois que Moro retirou o sigilo de interceptações telefônicas que mostravam diálogos entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e autoridades que detêm foro privilegiado, entre elas a presidente Dilma Rousseff.
Para juristas consultados por EXAME.com, Moro não tinha competência jurídica para deliberar sobre conteúdos que envolvam personalidades com foro especial. Na prática, caberia somente ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar esses casos.
“Não é ilegal em si a captação da conversa da presidente”, afirma Heloísa Estellita, professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Notando que isso aconteceu, o que ele tinha que fazer era mandar os autos para um juiz competente que, então, tomaria as decisões adequadas”.
Além da questão do foro especial, os especialistas afirmam que Moro também errou ao liberar o sigilo de gravações que não tinham relevância para o processo – como a conversa entre Lula e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, ou o diálogo entre Marisa Letícia, esposa do ex-presidente, e o filho, Fábio Luiz.
“A lei é clara: toda interceptação demanda sigilo. Quando o conteúdo é inútil, não tem qualquer relação com o processo, deve ser inutilizado, destruído. A divulgação constitui crime”, afirma o advogado Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil.
Segundo os juristas, a mesma providência deveria ter sido tomada com relação à gravação da conversa entre a presidente Dilma e o petista, ocorrida duas horas depois que o juiz Sergio Moro decidiu pela suspensão dos grampos telefônicos sobre o petista.
Thaméa Danelon Valiengo, procuradora da República com atuação no Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público, discorda.
“Quando o juiz determina que se parem as interceptações, há um delay (demora) no tempo que existe para comunicar as empresas também. A partir do momento que a empresa recebe o comunicado, é preciso interromper imediatamente. Tudo que é captado é considerado válido, não há dúvida”, afirma.
Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, a operadora de telefonia Claro recebeu e-mail com a decisão de Moro às 12h46, mas cumpriu a determinação somente às 23h33 do mesmo dia 16 de março.
Condução coercitiva
A condução coercitiva de Lula, no dia 4 de março, também foi alvo de críticas de um grupo considerável de juristas. Até autoridades, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, manifestaram seu descontentamento com a ação.
O coro é unânime ao afirmar que a condução coercitiva só é válida se o investigado ou a testemunha for notificado do pedido de depoimento e se recusar a depor. Algo que, no âmbito da Lava Jato, não aconteceu com o ex-presidente.
“A condução coercitiva é o último recurso. Não é o padrão, não é o comum. Ninguém intima para comparecer imediatamente”, afirma Alamiro Velludo Salvador Netto, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).
Desde a primeira fase da operação, em março de 2014, foram realizadas 117 conduções coercitivas. O argumento do Ministério Público Federal é de que a medida visava a segurança do próprio ex-presidente.
“Assim, para a segurança pública, para a segurança das próprias equipes de agentes públicos e, especialmente, para a segurança do próprio senhor Luiz Inácio Lula da Silva, além da necessidade de serem realizadas as oitivas simultaneamente, a fim de evitar a coordenação de versões, é que foi determinada sua condução coercitiva”, afirma nota do MPF sobre o assunto.
Apesar de amplamente criticada, a decisão de Curitiba é endossada por procuradores da República. Para Thaméa Valiengo, o método conta com as devidas restrições, já que toda decisão judicial tem que ser devidamente justificada.
Para a procuradora, além de uma tentativa de manter a segurança de Lula e evitar manifestações, foi agravante para o pedido o fato de que por duas outras vezes o ex-presidente foi intimado pelo Ministério Público de São Paulo para depor em investigação do caso da Bancoop, mas não compareceu.
“Corrupção é um crime de difícil prova física, então a investigação precisa ser mais sofisticada. A coleta de provas não é clara como a de homicídios”, afirma. “Não há constrangimento, pois há uma cautela para decidir pela prisão de alguém. Nada é pedido indiscriminadamente”.
Para a procuradora, a maior prova de que a ação foi correta foram os confrontos violentos entre opositores e apoiadores de Lula. Caso a prestação de esclarecimentos fosse previamente agendada, os conflitos seriam muito mais intensos, segundo ela.
Delação premiada e prisões preventivas
A Lava Jato é a primeira grande investigação do Brasil a usar sistematicamente a delação premiada como instrumento de apuração – a prática só foi regulamentada em agosto de 2013. O resultado: sobraram dúvidas e críticas entre os advogados de defesa envolvidos no caso.
“Falta um regramento legal mais detalhado do processo de negociação. Não existe, é uma coisa obscura”, afirma o advogado Rogério Taffarello, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Ele responde pela defesa do engenheiro Shinko Nakandakari, apontado como um dos operadores do esquema de corrupção da Petrobras, e do executivo Salim Schahin, acionista do Grupo Schahin. Ambos fecharam um acordo de colaboração com a Lava Jato.
Recentemente, foi apresentado na Câmara um projeto de lei para regulamentar as colaborações. O texto assinado pelo deputado federal Wadih Damous (PT) foi encaminhado à CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e aguarda a nomeação das comissões para tramitar.
A principal medida seria proibir as delações de acusados presos, que, de acordo com o parlamentar, fechariam acordos com o MPF sob coação.
“A Lava Jato adquiriu o hábito de obter a delação prendendo: deixam o acusado mofando na cadeia e quando fecha a delação ele é imediatamente solto”, afirma o deputado.
Apesar de defender a colaboração premiada como instrumento jurídico, Davi Teixeira, professor da Faculdade de Direito da USP, concorda com as críticas do deputado.
“Prende-se para obter a delação. Feita a delação ocorre um ato mágico: todos aqueles falsos pressupostos para a prisão somem. Isso é totalitário. Não é um direito penal democrático”, diz o especialista, que já defendeu o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, no caso.
A procuradora Thaméa Valiengo, porém, rebate as acusações. “Qualquer prisão é decretada por outros motivos, como risco de fuga, intervenção na investigação do crime”, afirma a procuradora. “Em última instância, há o direito de permanecer calado”. Via de regra, diz ela, os casos de colaboração partem da defesa.
Neste mês, a Lava Jato completou dois anos de andamento. Até agora, quase 3 bilhões de reais desviados da Petrobras foram devolvidos aos cofres públicos.