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Política x Justiça no depoimento de Lula

Independente dos desdobramentos dentro da sala de audiência em Curitiba, o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desta quarta-feira é um marco no Direito nacional. Não necessariamente pelo que sairá da fala de Lula, das perguntas feitas por Moro ou de evidências apresentadas pelo Ministério Público Federal, mas pelo cenário de pressão em […]

EX-PRESIDENTE LULA ANTES DE DEPOR: encontro com a militância do PT em tentativa de politizar o processo judicial /  (Nacho Doce/Reuters)

EX-PRESIDENTE LULA ANTES DE DEPOR: encontro com a militância do PT em tentativa de politizar o processo judicial / (Nacho Doce/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 10 de maio de 2017 às 17h35.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.

Independente dos desdobramentos dentro da sala de audiência em Curitiba, o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desta quarta-feira é um marco no Direito nacional. Não necessariamente pelo que sairá da fala de Lula, das perguntas feitas por Moro ou de evidências apresentadas pelo Ministério Público Federal, mas pelo cenário de pressão em cima da Justiça. EXAME Hoje consultou dois experientes juristas, com mais de 20 anos de atuação. Nenhum deles se recorda de um caso com impacto parecido.

O julgamento do mensalão, que prendeu a atenção do país, tinha características diferentes. Dois motivos diminuíram o poder inflamável naquele momento. Primeiro, o então ministro Joaquim Barbosa, relator da ação no Supremo Tribunal Federal e que ocupava certa forma o lugar que hoje Moro ocupa na opinião popular, não tinha um caráter tão personalista no processo. Enquanto Moro decide sozinho as condenações em primeira instância, Barbosa era um dos 11 votos do colegiado da Suprema Corte. Vale a salvaguarda: o que fosse decidido no Supremo era determinação final. Na Lava-Jato, as condenações de Moro serão revisadas em todas as instâncias. Segundo ponto: no mensalão, em momento nenhum houve escrutínio com um ex-presidente da República. Por si só, a dimensão do caso muda de patamar.

O clima, portanto, é diferente. E muito mais tenso. Por hoje, foram dispensados todos os funcionários da Justiça Federal do Paraná. Os arredores do prédio foram isolados e cercados por um poderoso efetivo policial. Moradores da região tiveram que ser cadastrados para ter acesso às suas casas. As atenções, portanto, voltam-se para a atuação das partes do processo. “O clima de final de Copa do Mundo é uma situação preocupante, colocando Lula como adversário de Moro, um super-herói e seu inimigo”, diz o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP Gustavo Badaró.

Diz o jurista que a politização do evento surge na esteira das opiniões políticas insufladas de lado a lado desde a reeleição de Dilma Rousseff e da cobertura massiva da mídia. “É temeroso identificar a audiência como uma briga, um ajuste de contas ou a luta do século. O que se espera é que Sergio Moro seja mediador do processo e Lula, com o domínio que tem da oratória, defenda-se. Tudo dentro da normalidade”, afirma. “É uma situação que o pré-jogo vai ser mais emocionante que o jogo”.

Para Alamiro Netto, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, é natural que um processo de natureza criminal que envolve uma figura pública tenha certa dose de politização e vitimização. O que tira o episódio do eixo de normalidade são o peso e medida do caso. Além de o ex-presidente contar com uma forte militância, o discurso político se reforça quando os juristas responsáveis pela Lava-Jato entram no jogo. “Houve algumas decisões no decorrer da investigação que fugiram da praxis judiciária. Certas ou erradas, essas decisões municiam e trazem combustível para uma ideia de fechamento de cerco ao ex-presidente”, diz.

Entrariam neste balaio exemplos como a divulgação do grampo a Lula em conversa com a ex-presidente Dilma Rousseff, prova considerada posteriormente ilegal pelo Supremo; a condução coercitiva do petista no ano passado, sem convocação prévia para prestar esclarecimentos; e a obrigação de comparecimento do ex-presidente aos depoimentos das mais de 80 testemunhas que arrolou ao caso, mais uma medida revertida em instâncias superiores. “Tudo isso não significa que haja de fato uma perseguição, mas violar regras processuais e deixar de lado a discrição, indo às redes sociais ou fazendo apresentação de PowerPoint na denúncia causam estranheza”, diz Netto. “Não à toa é difícil decidir onde termina a política para começar a Justiça.”

Julgamento político

Com a situação posta, a estratégia de Lula é a de tornar o julgamento um ato político, pois isso pode servir ao ex-presidente principalmente em dois propósitos. O primeiro é o de tentar pressionar, com a militância que traz em seu escopo, a decisão que virá da justiça – e, em caso de falha, colocar-se como injustiçado. O outro é, ao aumentar a polarização, fortalecer sua imagem de grande líder da esquerda no país. Tudo, é claro, pensando tanto nas eleições de 2018 como no projeto político que traz em seu legado.

Dessa forma, Lula fomentou essa ideia de colocar o julgamento no campo do debate, quando na verdade deveria ser algo estritamente jurídico. “É uma corrida política ampliar o tema do julgamento, que seriam as acusações contra ele, para algo mais amplo, como o que foi o governo dele, a proposta para o futuro que tem. O jogo é transformar um julgamento da questão específica em um julgamento da obra completa como ex-presidente”, diz o cientista político Ricardo Sennes, sócio-diretor da consultoria Prospectiva.

Dessa forma, uma possível condenação ao ato de receber propina torna-se, para os militantes e simpatizantes, uma condenação à sua ideologia. “Existem dois momentos em uma campanha eleitoral: tornar-se conhecido e pedir voto. Lula é conhecido, mas, neste momento, está tentando aumentar sua imagem como vítima, como uma pessoa perseguida por ser pobre, não ter cultura, ser aquele que pode resolver os problemas do Brasil e não querem deixar”, diz Carlos Manhanelli, diretor da consultoria em marketing político Manhanelli Associados e presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos.

Segundo Manhanelli, Lula sempre foi o “homem simples, que emerge da massa para comanda-la”, então coloca nas entrelinhas de seu discurso uma conotação de honestidade, de que não existem provas de nada do que é acusado. A aposta é que, por um tempo, esse debate no campo das ideias continue. “Por enquanto, a cabeça da população não raciocina eleição, então o que acontecerá é uma tentativa de vencer guerra de discursos para salvar a imagem, que é o que importa no momento. Por isso, a tentativa é de preservar a imagem, mesmo que a condenação venha”, diz o consultor.

Para isso ser efetivo realmente nas eleições de 2018 e até mesmo no futuro do PT, outras coisas entram em jogo, como o julgamento em segunda instância do processo. Caso seja condenado, ele pode ficar impedido de se candidatar, o que alteraria completamente os planos da legenda. Mesmo em condições, a candidatura de Lula ainda não é algo certo, embora o ex-presidente se coloque como pré-candidato sempre que possível. Isso porque, de acordo com o Datafolha, 45% da população não votaria nele de jeito nenhum. Historicamente, nunca um candidato se elegeu no Brasil com rejeição superior a 30%.

Capitalizar-se como vítima da situação também seria útil na tentativa de transferir votos para um candidato à presidência com menor rejeição. “No cenário atual, a chance de Lula estar no segundo turno é grande, mas a de ser eleito é quase zero. Do ponto de vista do partido, o mais lógico seria que lideranças com grande capacidade de voto se concentrassem nas eleições para o parlamento, para trazer consigo uma grande quantidade de outros candidatos e garantir força política pensando no futuro”, diz Sennes. É impossível adivinhar o que acontecerá até 2018, mas algo é certo: Lula só tem a ganhar se transformar seu processo em um julgamento político. E é isso que vai continuar a fazer.

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