Municípios: a era do aperto
Quando foi anunciado, em fevereiro, o circuito por onde passa a tocha olímpica até chegar ao Rio de Janeiro incluía Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte. Quatorze de maio era o dia previsto para o burburinho na cidade, de quase 420.000 habitantes. O custo estimado para promover o evento – e toda a parafernália […]
Da Redação
Publicado em 28 de junho de 2016 às 11h35.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.
Quando foi anunciado, em fevereiro, o circuito por onde passa a tocha olímpica até chegar ao Rio de Janeiro incluía Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte. Quatorze de maio era o dia previsto para o burburinho na cidade, de quase 420.000 habitantes. O custo estimado para promover o evento – e toda a parafernália envolvida nisso, como as cerimônias de abertura e encerramento e o aparato de segurança – era de 200.000. E foi por isso que o revezamento da tocha acabou ficando pelo caminho.
Com os cofres esvaziados pela crise, Betim pediu para sair algumas semanas depois de o prefeito Carlaile Jesus Pedrosa decretar calamidade financeira na administração pública. A cidade terminou 2015 com um déficit de 167 milhões de reais nas contas, ou cerca de 10% da receita que tinha orçado para o ano. Bancar o evento – e qualquer outro que estivesse programado, por prazo indeterminado – tornou-se um luxo ao qual a prefeitura não poderia mais se dar.
Os municípios não escaparam da crise financeira que assola a União e os estados. Um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) com base nas contas de 3.700 cidades indica que 53% delas registraram déficit primário no ano passado. Um déficit indica que as despesas (excluindo as financeiras, como o pagamento de juros) superaram as receitas (também excluindo as financeiras, como o rendimento de investimentos). O indicador é um dos que são avaliados pelos Tribunais de Contas estaduais para atestar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelos prefeitos.
“Os municípios já vinham sendo feridos há décadas pela quantidade de atribuições dadas às prefeituras”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. “E a crise praticamente liquidou a gestão das cidades”. Ziulkoski estima que entre 60% e 70% dos municípios encerre 2016 com as contas no vermelho. O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, se confirmado por investigação, pode render o rótulo de ficha suja aos políticos à frente das prefeituras.
O problema, segundo a CNM, é que as transferências de recursos feitas pela União e os estados para os municípios diminuíram fortemente nos últimos meses. Os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por exemplo, caíram 1,3% até junho. Considerando os efeitos da inflação, a retração real foi muito maior – de 10,5%. Composto por uma parcela da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o fundo é uma das principais fontes de receita para muitas prefeituras, afetada tanto pela redução da atividade econômica dos últimos anos e quanto pelas desonerações para estimular a retomada.
Da mesma forma, o impacto se estendeu sobre as transferências de impostos estaduais, como o ICMS, que incide sobre a circulação de mercadorias, e o IPVA. Como a maioria dos municípios não é capaz de gerar receita própria suficiente para compensar a queda, o resultado é um drama fiscal. As prefeituras podem conseguir caixa cobrando, por exemplo, IPTU, ISS sobre a prestação de serviço ou ITBI sobre a transferência de imóveis. Mas levantamento do site Meu Município, mantido pela Fundação Brava, indica que apenas 19 cidades – de um universo de 5.067 analisadas – conseguem obter receita própria superior às transferências da União e dos estados.
12 cidades em apuros
A saída, para algumas cidades, tem sido recorrer ao mesmo expediente de Betim e decretar calamidade financeira. “O estado de calamidade nos ajuda a justificar algumas atitudes que tivemos de tomar”, diz Luiz Paulo Barros, secretário de Fazenda da cidade mineira. Por lá, foram extintos 200 cargos comissionados. Quem sobrou, teve redução de 20% no salário – o do prefeito teve um corte de 40%.
Os contratos de manutenção – como limpeza urbana e locação de veículos – foram reduzidos, em média, em 25%. As horas extras e as gratificações por substituição de funcionários comissionados foram eliminadas. Qualquer proposta que envolva uma nova despesa agora passa pela Junta de Execução Orçamentária e Financeira, formada pelo alto escalão da prefeitura que, via de regra, as rejeita. Apesar do esforço, o déficit está longe de zerar. Se tudo correr como o esperado, a expectativa é chegar ao fim do ano ainda com um rombo de até 40 milhões de reais.
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De 2015 para cá, pelo menos 12 cidades entraram em calamidade financeira. Algumas são muito pequenas, como Pedra Grande, no Rio Grande do Norte, com seus 3.400 habitantes. Ou Nobres, no Pantanal mato-grossense, com 15.000 habitantes, que decretou calamidade em outubro e renovou o estado em janeiro deste ano.
Outras são bem maiores e conhecidas. A também mineira Itabira, berço da mineradora Vale, assumiu a gravidade da crise em setembro passado – e, para poupar, reduziu o expediente da prefeitura e cortou 25% do salário do prefeito aos secretários. Na serra fluminense, Teresópolis decretou calamidade financeira em fevereiro. Famosa pelos atrativos turísticos – e por ser o berço da Granja Comary, centro de treinamento da Confederação Brasileira de Futebol – a cidade passou a submeter as contas a um Gabinete de Crise, na tentativa de conter os gastos.
Para Guilherme Mercês, economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o problema dos municípios está menos nas atribuições que lhes foram impostas – e mais na má gestão dos recursos que recebem e arrecadam. “A conta que mais cresce no balanço da União é a das transferências”, afirma. A Firjan elabora anualmente um índice de gestão fiscal que elenca os municípios segundo seu grau de excelência no controle das suas contas. Na última edição, apenas 0,3% das cidades avaliadas obtiveram nota suficiente para ter a gestão considerada de “excelência”. Segundo Mercês, é imperativo conseguir gerar receita própria. “Isso depende de os municípios adotarem uma política tributária que atraia as empresas, investirem em infraestrutura e qualificarem a mão-de-obra local”, diz.
Gramado, no Rio Grande do Sul, conseguiu o que – infelizmente – é considerado uma façanha. Em 2015, as transferências corresponderam a apenas 38% da receita total do município, segundo dados reportados pela prefeitura à Secretaria do Tesouro Nacional. Com a economia focada no turismo, a cidade de 35.000 habitantes reajustou a tabela de cobrança do IPTU em 2009 e, novamente, em 2014, em função da valorização dos imóveis. A organização do Natal Luz, evento que reúne em média 2 milhões de turistas por ano, também rende frutos.
O circuito de espetáculos, que antes era organizado por uma associação cultural, passou em 2013 para as mãos de uma autarquia municipal – a Gramadotur. Por lá, em certa medida, até a crise ajudou. Com a alta do dólar e a preferência dos brasileiros por viagens nacionais, só o ISS arrecadado pelo município aumentou 20% no ano passado. “Procuramos importar conceitos da administração privada para a gestão pública, nos antecipando aos eventos”, explica Maurício Selau, secretário adjunto de fazenda do município.
As diferenças são evidentes: em Betim, por conta de uma lei antiga que a prefeitura ainda não conseguiu alterar na câmara, metade dos imóveis residenciais não paga IPTU. Não há orçamento que aguente.
(Mariana Segala)