Mercado privado diz que vacina contra gripe será limitada e teme escassez
Em entrevista exclusiva à EXAME, o presidente da Associação Brasileira das Clínicas de Vacina relata os desafios do mercado privado com a vacinação em 2022
Gilson Garrett Jr
Publicado em 29 de março de 2022 às 17h36.
A partir da próxima segunda-feira, 4, o Ministério da Saúde começa a campanha de vacinação contra a gripe. Alguns estados e prefeituras já iniciaram a aplicação, como é o caso de São Paulo, onde é feita desde o último domingo, 27. E o mercado privado, que tradicionalmente inicia sua campanha antes da etapa pública, não conseguiu adiantar a entrega de imunizantes junto à indústria e ainda teme uma falta de vacinas.
Um dos principais problemas é a logística. Diferentemente da vacina comprada pelo Ministério da Saúde, que vem do Instituto Butantan em São Paulo, o mercado privado busca fora do país. A pandemia de covid-19 levou a uma redução dos voos comerciais em todo o mundo, e, com isso, há menos espaço disponível para o transporte nos porões dos aviões.
Além disso, as clínicas foram pegas de surpresa com a decisão do governo federal em retirar do grupo prioritário as crianças de 5 anos. A justificativa do Ministério da Saúde é que haverá uma campanha contra o sarampo ocorrendo simultaneamente com a da influenza e a aplicação ficaria facilitada.
Geraldo Barbosa, presidente da Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVAC), diz que foram pegos de surpresa com a medida. “Não tinha nem este cenário de rever o esquema vacinal de pessoas que eram contempladas na campanha pública. Tínhamos até uma expectativa de que fosse ampliada porque em 2021 a cobertura foi muito baixa e tivemos sobra de imunizantes”, disse ele em entrevista exclusiva à EXAME.
Ainda de acordo com o presidente da entidade, o mercado privado não tem como responder a esta demanda extra. Em 2021, as clínicas privadas aplicaram 8,5 milhões de doses, e esperavam ter disponíveis 10 milhões em 2022. Mas a projeção para este ano deve ficar em 8 milhões, se tudo ocorrer como o esperado.
A meta do governo federal é aplicar vacina em 76,5 milhõe de doses em idosos acima de 60 anos, trabalhadores da saúde, crianças entre 6 meses e menores de cinco anos, professores, forças de segurança, trabalhadores dos transportes, pessoas com comorbidades, entre outros grupos.
Confira os principais trechos da entrevista que Geraldo Barbosa concedeu à EXAME.
Como está a preparação do mercado privado para a vacinação contra a influenza?
Teremos dificuldade em atender o mercado privado de maneira regular. O acesso ao produto este ano está limitado, então vamos ter concentração de vacina em alguns centros e vamos ter dificuldade em lugares mais afastados. Outra questão é o escalonamento na entrega. Talvez a gente tenha a vacina, mas ela chegue no timing diferente da necessidade. O imunizante contra a gripe tem um momento ideal para ser aplicado. Além disso, algo que nos chamou a atenção é que o governo tirou, de uma outra pra outra, as crianças de 5 anos do público prioritário da campanha no Sistema Único de Saúde. É um público que não foi projetado pelo mercado privado.
Mas qual o principal problema enfrentado pelo mercado privado, que ameaça a disponibilidade?
Basicamente é logística, com a redução no número de voos em todo o mundo por conta da pandemia de covid-19. E a vacina basicamente vem de malha aérea. É uma concentração de alta demanda, com pouco número de voos. É um problema mundial que nos afeta também. Para tentar driblar este problemas, muitas fábricas decidiram fracionar os lotes para não ocorrer de não conseguir embarcar por falta de espaço no porão dos aviões. E se caso não conseguir embarcar, não corre o risco de perder a vacina ou de deixar o lote para trás.
As clínicas privadas geralmente começam antes da campanha pública. Como está o abastecimento neste momento?
As vacinas estão chegando de forma muito atípica. Algumas clínicas já receberam, e outras não. O volume ainda é muito pequeno. Nenhum dos grandes centros do país está abastecido. A expectativa é de que até o fim desta semana de 50% a 60% das clínicas no país recebam um momento para pelo menos começar a campanha.
Qual é o montante de vacinas que o mercado privado vai aplicar em 2022?
Estávamos projetando em torno de 10 milhões de doses. Agora, tudo o que temos de informação concreta deve chegar a 8 milhões. É uma redução significativa, que veio por questões internacionais. Essa vacina foi adquirida em novembro, então trabalhamos com uma projeção futura. Em 2021 a adesão foi muito baixa então e a indústria faz a projeção com base no histórico. Ninguém esperava ter um surto de influenza no fim do ano passado. Esperamos que não falte vacina, mas o que temos da indústria é que não vai ter dose adicional. Se tivermos uma demanda grande, teremos o teto e iremos parar nele.
Historicamente as empresas são os maiores compradores de vacina privada, e para este ano, segue o mesmo padrão? Como está a procura de pessoas físicas?
Percebemos, até por conta da economia, que o mercado corporativo vai ter uma participação menor no número de doses adquiridas. Talvez por conta do home office, talvez porque diminuiu o número de colaboradores, não temos este cenário. Por outro lado, vamos ter uma pulverização de novos centros de aplicação de vacinas. Com a possibilidade de ter vacina contra a covid-19, houve uma explosão de clínicas e centros pelo país. Este ano, o mercado de pessoa física deve quase se equiparar ao corporativo, sendo que este último sempre foi maior.
O Ministério da Saúde retirou o grupo de crianças com 5 anos das que serão vacinadas contra a gripe. Teve alguma conversa com o mercado privado para suprir esta necessidade?
Fomos pegos de surpresa. Não tinha nem este cenário de rever o esquema vacinal de pessoas que eram contempladas na campanha pública. Tínhamos até uma expectativa de que fosse ampliada, até porque em 2021 a cobertura foi muito baixa e tivemos sobra de imunizantes. O mercado privado não tem como responder a esta mudança porque a aquisição foi feita em novembro. Essa alteração é preocupante porque é uma faixa que realmente precisa da vacina, tem contato direto na escola, ele pode transmitir para o idoso, que tem um risco maior.