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Jucá Maciel, do Tesouro: foco na meta

Camila Almeida O governo terá condições de manter as contas em ordem em meio ao caos político? O cenário já seria desafiador em condições normais, já que meta fiscal do ano prevê um déficit de 139 bilhões de reais — o que vai exigir cortes adicionais de 42 bilhões. Com a reforma da Previdência em […]

PEDRO JUCÁ MACIEL: “A atual dinâmica das finanças públicas é insustentável”, diz subsecretário do Tesouro Nacional / Divulgação

PEDRO JUCÁ MACIEL: “A atual dinâmica das finanças públicas é insustentável”, diz subsecretário do Tesouro Nacional / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 17 de abril de 2017 às 17h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.

Camila Almeida

O governo terá condições de manter as contas em ordem em meio ao caos político? O cenário já seria desafiador em condições normais, já que meta fiscal do ano prevê um déficit de 139 bilhões de reais — o que vai exigir cortes adicionais de 42 bilhões. Com a reforma da Previdência em risco, a situação fica ainda mais difícil. Para entender como estão sendo traçados os planos para a saúde das contas, EXAME Hoje entrevistou o economista Pedro Jucá Maciel, subsecretário do Tesouro Nacional e PhD pela universidade Stanford, com experiência em finanças públicas, política fiscal e crescimento econômico. Para Jucá, o fundamental é entender que as despesas não podem continuar crescendo eternamente, e os cortes fazem parte de uma busca pelo tamanho ideal do estado.

A meta fiscal para esse ano, de déficit de 139 bilhões de reais, parece ambiciosa. Os cortes de 42 bilhões também. O Tesouro está otimista com a possibilidade de conseguir cumprir a meta?
Estamos confiantes de que é possível alcançar a meta este ano. Existe todo um processo regulamentado pela Lei de Responsabilidade Fiscal que define os procedimentos a serem tomados. O monitoramento do atingimento dessa meta é feito bimestralmente, com base na arrecadação e na atualização dos parâmetros macroeconômicos: reavaliamos as receitas levando em conta o que já foi realizado e o que falta em relação ao que foi projetado. É um processo feito ao longo do ano para, eventualmente, ampliar ou reduzir o contingenciamento. Ainda temos pouca informação sobre as perspectivas para o ano, tanto da economia, quanto das variáveis fiscais. Mas trabalhamos com os melhores números para definir os cortes de despesas e esse é o melhor número que a gente tem para cumprir a meta.

Mas 2016 foi um ano muito ruim em relação ao déficit – o maior dos últimos 20 anos – e a projeção de crescimento do PIB para este ano ainda é baixa (0,5%). É possível garantir esse controle das contas num cenário de crise?
Nossos números sobre a projeção do crescimento econômico estão muito alinhados com as projeções de mercado e foram eles que nortearam a definição da meta e o nível de contingenciamento. Esse cenário que tem sido negativo foi considerado. Vamos seguir com ele e, caso a atividade econômica e as receitas frustrem as expectativas, vamos ter que ampliar o contingenciamento. É o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O quanto esses cortes podem prejudicar a retomada do crescimento nos estados – já que muitos declararam calamidade financeira – e no Brasil?Existe toda uma literatura sobre como deve ser feito o processo de consolidação fiscal. Vários países do mundo passam por problemas semelhantes aos do Brasil – com a crise de 2008, ampliou-se muito o nível de endividamento. O plano de convergência desse endividamento para níveis prudentes se dá num horizonte temporal mais longo; não é possível fazer um ajuste de curto prazo com o tamanho de desequilíbrio que existe. Acreditamos que o processo do governo federal é fundamental para a recuperação da economia como um todo, e isso vai ajudar os estados. Temos que voltar ao nível sustentável das finanças públicas para que a economia comece a andar de forma sólida. É claro que existe toda uma discussão sobre a velocidade que deve ser dada a esse processo e sobre qual deve ser a redução do déficit ao longo do tempo. Mas, neste momento, é fundamental restabelecer a confiança no governo para que os agentes econômicos voltem investir e os trabalhadores voltem a consumir. Isso é que vai trazer o crescimento de longo prazo para o país.

Na relação déficit-PIB, o Brasil não está tão mal na comparação com outros países. Sob essa perspectiva, controlar o déficit é uma medida baseada no restabelecimento da confiança ou ele é de fato um problema?
É um problema. Normalmente, o indicador sobre resultado fiscal utilizado no Brasil é o resultado primário. Mas ele é só uma parte: o resultado primário mais a conta de juros dá o resultado nominal. A Grécia tem 250% do PIB em dívidas, Portugal tem 120%, mas a taxa de juros que eles praticam é de 4% ao ano, muito inferior à brasileira. O Brasil tem essa característica e isso sobrecarrega as contas públicas – mas é algo em que o governo está trabalhando. A primeira forma de reduzir os juros é reduzir a dívida e dar perspectiva de credibilidade para a política fiscal. Isso vai trazer um círculo virtuoso para as finanças públicas. O resultado primário é de déficit em torno de 2,5% do PIB. Mas quando se compara o resultado nominal das finanças públicas com o de outros países emergentes, o Brasil está com um nível de déficit muito elevado, em torno de 6,5% do PIB. Numa amostra de 30 emergentes, compilada pelo FMI, o Brasil tem a sexta maior dívida do mundo e a quinta maior carga tributária. Então, o espaço para elevar a carga tributária está cada vez mais limitado; não tem mais como fazer sem provocar distorções na economia que vão minar o crescimento econômico no longo prazo. Então, a solução é realmente fazer um processo de consolidação fiscal concentrado em reduzir a despesa pública. 

O déficit da previdência está em torno de 230 bilhões de reais – mas esse número tem sido questionado por vários especialistas, que alegam que não se tem levado em conta todas as fontes de arrecadação da seguridade social. Qual o tamanho de fato do déficit da previdência?
Essa discussão do déficit terminou distorcendo todo o diálogo sobre a reforma da previdência. Existe ou não existe? Muitos agentes econômicos fazem uma contabilidade criativa para dizer que não existe déficit. Mas, sim, existe, se for considerada a definição de seguridade social na legislação em vigor. Mas a questão mais importante não é se existe ou não. O mais importante é ver o déficit atuarial. Qual a perspectiva de recolhimento das contribuições previdenciárias no longo prazo? E quais as perspectivas de despesa no longo prazo? O ministério da Fazenda faz esses cálculos, está no balanço geral da União. O déficit da previdência hoje em dia é de 2,2% do PIB, e vai passar para 11% do PIB até 2027. Mantendo o regime da forma em que está, será preciso elevar a carga tributária em torno de 9 a 10% do PIB para manter os benefícios – independente de ter déficit hoje ou não. É viável? Será que a sociedade sabe que esse sistema, da forma que está, é insustentável? Eu sinto falta desse tipo de discussão. A economia sempre se ajusta. Quando o governo tem contas desequilibradas, o ajuste vem via crise financeira, aumento da carga tributária ou inflação. E os estudos mostram que quem sofre com mais inflação, mais crise e mais reforma tributária são os mais pobres. Queremos fazer esse trabalho de forma transparente para fazer com que as escolhas sejam feitas de forma clara no parlamento, para que todo mundo saiba quem perde e quem ganha. 

O senhor, enquanto técnico que trabalhou na modelagem do projeto, não se preocupa com as manobras políticas e as exceções que são abertas na reforma?
Todo projeto de lei tem que passar pelo Congresso. Os parlamentares são eleitos pelo povo e têm legitimidade, autonomia e competência para fazer alterações nas leis. Tem todo um processo sobre a regra de transição que pode ser melhorado no Congresso. Esperamos sempre que o projeto seja aprimorado. Mas cada ponto que foge da essência do projeto termina minando a força do mecanismo para trazer a sustentabilidade das contas públicas. O importante é que mantenha a essência, para que não se reduza o poder da reforma ou se antecipe uma possível reforma futura.

O Brasil teve um crescimento nos últimos anos que foi muito baseado em avanços sociais. Os cortes em programas como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e outros programas com caráter de seguridade como a própria previdência não podem afetar o nível de crescimento que o Brasil pode alcançar?
Há dados desde 1991 sobre a despesa pública em relação ao PIB e, desde lá, a despesa cresce como proporção do PIB no Brasil. Essa despesa pública só permitiu esse desempenho de crescimento devido ao aumento da carga tributária. Desde 1991, também temos elevação da carga tributária. Agora que estabilizamos o crescimento dos tributos, apresentamos esse déficit, mas a despesa continua subindo. Essa dinâmica das despesas públicas é insustentável. É preciso equacionar esse problema. A regra do teto vem justamente com esse objetivo. O estado não pode crescer como uma fração da economia eternamente, em algum momento o estado tem que chegar ao seu tamanho ideal. A discussão sobre políticas públicas é fundamental, e é aí onde vamos amadurecer a discussão. Temos que discutir a qualidade do gasto público e a eficiência dos programas. A reforma do teto não diz que tem que cortar despesas do Bolsa Família, mas que é preciso racionalizar a despesa como um todo. Por isso é preciso promover o máximo de reformas possível para melhorar a eficiência do gasto, manter a viabilidade dos programas e inclusive aprimorá-los.

O investimento público caiu 70% no primeiro bimestre do ano. De onde se espera que venham os recursos para o país voltar a crescer?
Na economia existe o que chamamos de multiplicadores fiscais. É uma discussão super interessante e moderna. Existem vários trabalhos que mensuram o quanto o aumento do gasto público, seja em investimento ou em custeio, impacta a atividade econômica. De fato, o investimento público é um instrumento para reaquecer a economia – e esse multiplicador fiscal é ainda mais importante em tempos de recessão do que em períodos de crescimento econômico. O problema é que outros trabalhos mostram que esses multiplicadores, quando o país está numa situação de fragilidade fiscal, chega a zero. Ou seja, a expansão da despesa numa situação de fragilidade fiscal não tem impacto, porque a expansão da despesa provoca um efeito negativo sobre o nível de confiança dos agentes econômicos. Isso tudo tem que ser considerado, mas é importante lembrar que o investimento público é a menor parte do investimento total. E é criando as condições para elevar a confiança que conseguimos expandir o investimento e a economia como um todo.

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