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Conselho Federal de Jornalismo é criticado por remendar lei da ditadura

Especialistas ouvidos pelo Portal EXAME afirmam que proposta despreza avanço democrático da Constituição de 1988

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 15h32.

O Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), proposto pelo governo Lula, integra um conjunto de ações para patrulhar a mídia, é anunciado explicitamente como forma de terminar um serviço iniciado no pior momento da ditadura militar e joga no lixo todas as conquistas obtidas a partir da Constituição de 1988, segundo os especialistas ouvidos pelo Portal EXAME. "Essa proposta de uma autarquia que vai orientar, punir, dizer como é que se faz jornalismo, nitidamente interfere não só na atividade quanto em seu conteúdo. É muito patrulhamento", diz Fernando Martins, diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ). E o pior, avalia ele, é que não se trata de uma ação isolada: "Há ainda a proposta de regulação da atividade audiovisual e a intenção de amordaçar Ministério Público e funcionários públicos".

A inspiração do projeto seria no mínimo constrangedora para qualquer simpatizante de um partido que nasceu das greves operárias no final da década de 70. Mas o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, um ex-sindicalista, afirma que o objetivo da lei é suprir "significativa lacuna legal que subsiste desde 1969". Ou seja, o decreto-lei 492 - baixado pela ditadura militar para regular o exercício da profissão de jornalista no mesmo ano em que golpeou o que restara de democracia com o AI 5 - não é o bastante para o governo Lula. Na exposição de motivos que introduz o texto do projeto de lei instituindo o CFJ e os conselhos regionais, Berzoini aponta o que considera uma falha herdada dos tempos do general Costa e Silva: seus poderes fiscalizatórios se restringem "à verificação da existência do registro profissional".

Em qualquer democracia que se preze, vigora ampla liberdade de expressão. E quem fiscaliza a imprensa é a Justiça. "A tutela da atividade jornalística já tem sido feita pelo Judiciário, com a imposição de indenizações vultosas", afirma o advogado Luís de Camargo Aranha Neto. "Isso já leva o jornalista e o veículo a pensar duas vezes antes de publicar matérias sem a profundidade de apuração que se espera." Para o advogado, a defesa que o governo faz da interferência sobre conteúdos é uma regressão no tempo. "Estão jogando tudo que foi ganho desde a Constituição de 1988 na lata do lixo", diz. "Já temos o Código Civil e o Código Penal. Já temos inúmeros casos de empresas de comunicação obrigadas a pagar indenização ou a publicar páginas inteiras em nome do direito de resposta. Esse é o mecanismo democrático", diz Martins, da ANJ.

Mas o CFJ tem ainda outra serventia, no entendimento do governo Lula. O órgão "poderá proteger, de forma indireta, o próprio jornalista, hoje sujeito a demissão sumária caso se recuse a seguir ordens superiores, mesmo as antiéticas ou destinadas a produzir reportagens falsas ou parciais". O raciocínio formulado na exposição de motivos é que "a possibilidade de perda do registro e, conseqüentemente, do emprego (...) reforçará ao jornalista a argumentação para resistir às investidas ilegais e imorais de veículos refratários ao comportamento ético". Tal raciocínio apenas esquece que é do interesse do leitor e das próprias empresas jornalísticas que o comportamento anti-ético seja punido.

De acordo com o governo, os sindicatos e a Federação Nacional de Jornalistas Profissionais (Fenaj) têm como atribuição "apenas" representar os interesses de seus associados, não lhes cabendo fiscalizar sua atuação. "Assim, atualmente, não há nenhuma instituição com competência legal para punir as condutas inadequadas dos jornalistas", lamenta Berzoini. Em outras palavras, combater o chamado exercício irregular da profissão não é o bastante para o governo Lula e seus auxiliares. Os jornalistas - registrados no Ministério do Trabalho ou não - devem ser observados por uma autarquia federal, que vai dizer se determinadas informações foram "mal apuradas" ou apuradas sem ética. Nos regimes democráticos, esse papel é do leitor.

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