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Como vivem os refugiados sírios no Brasil

Os sírios já são a quarta nacionalidade que mais busca as terras tupiniquins como refúgio


	Mohamed, refugiado sírio no Brasil: “Pode tirar foto, meus parentes todos morreram”
 (Reprodução/Gabriela Loureiro/Brasil Post)

Mohamed, refugiado sírio no Brasil: “Pode tirar foto, meus parentes todos morreram” (Reprodução/Gabriela Loureiro/Brasil Post)

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Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2014 às 07h57.

Guerra civil, fuga, burocracia e caridade: essa é a trajetória dos sírios que vêm para o Brasil como refugiados de uma guerra civil terrível sem iminência de um fim. Os sírios já são a quarta nacionalidade que mais busca as terras tupiniquins como refúgio. Hoje são 333 pessoas da Síria refugiadas no Brasil.

O número de refugiados sírios têm aumentado drasticamente no país: de 38 em 2012 para 284 em 2013. Em setembro do ano passado, o Brasil foi o primeiro país das Américas a oferecer asilo humanitário especial aos sírios - o que promete aumentar ainda mais o número de pedidos.

A medida rendeu os parabéns da agência da ONU para refugiados (ACNUR). Porém, uma vez em solo brasileiro, os sírios enfrentam uma série de dificuldades para conseguir se manter aqui sem depender de caridade.

Um dos motivos para a procura do Brasil como destino são as raízes familiares. Estima-se que três milhões de brasileiros têm ascendência síria, principalmente devido a uma onda de imigração que ocorreu no início do século 20.

Conforme a situação foi se deteriorando, o Brasil começou a ser considerado um destino possível, uma terra de oportunidades, um país aberto e em franco crescimento que poderia abrigar as vítimas de uma guerra sangrenta que já matou mais de cem mil pessoas. Depois do asilo humanitário, o Brasil parece ainda mais brilhante para esses refugiados.

Chegando aqui, porém, a realidade não é tão fácil. Para conseguir o asilo, é preciso esperar o atendimento da Polícia Federal, que pode levar meses por causa da quantidade de pedidos. Depois da solicitação, o refugiado recebe uma carteira provisória, e, então, pode trabalhar para se manter. O desafio, aí, é encontrar um emprego falando pouco ou quase nada de português.

Até lá, o refugiado sírio precisa contar com a boa vontade dos brasileiros. A maioria acaba passando por instituições de caridade, que ajudam no processo da documentação, mas não têm condições de dar casa e comida.

Em São Paulo, onde mais de um terço dos pedidos de refúgio (134) foram feitos, a maior ajuda vem da comunidade síria. Muitas vezes, esse contato acontece através de mesquitas ou igrejas ortodoxas cristãs. A mesquita do Brasil, por exemplo, já encaminhou 20 sírios que chegaram até eles a apartamentos cedidos ou empregos temporários.

O Brasil Post conversou com quatro refugiados sírios que estão enfrentando problemas para se manter no país. Os nomes usados na reportagem são falsos para proteger a identidade dos entrevistados. Conheça a história deles:


Mohamed, 36 anos

“Pode tirar foto, meus parentes todos morreram”, diz Mohamed no começo da entrevista. Muitos sírios têm medo que seus parentes sejam perseguidos no país se for divulgado seu nome verdadeiro ou fotografia. Dos cinco irmãos de Mohamed, duas caçulas de 13 e 15 anos foram sequestradas pela inteligência síria, dois morreram e um está refugiado.

A mãe, que já sofria de problemas pulmonares, morreu no ataque de gás sarin na cidade de Duma. O pai, com 70 anos, está no Líbano. Ele fugiu com o filho de cinco anos e a mulher, que acaba de ter um bebê.

Mohamed diz que, ainda na Síria, ele filmava os ataques do Exército sírio e enviava para grandes redes de televisão, como Al Jazeera e BBC. Assim como seus dois irmãos que morreram lutando pelo Exército Sírio Livre, ele é um oposicionista. Por isso, foi preso e torturado durante quatro meses. Ele faz questão de mostrar as cicatrizes em várias partes do corpo.

Quando foi sequestrado, Mohamed acordou em uma poça de seu próprio sangue. Recebeu eletrochoques em partes sensíveis do corpo, inclusive nos genitais. Depois que ele desmaiava de dor, era acordado com um balde de água gelada e a tortura continuava. No final dos quatro meses, foi dado como morto e jogado em um mato perto do centro de tortura.

Um membro do Exército Sírio Livre, que recolhe os mortos e entrega os corpos às famílias, achou Mohamed e o encaminhou a uma barraca médica quando percebeu que ele ainda respirava.

Ele acordou quando era costurado em uma cirurgia sem anestesia enquanto um religioso lia o Corão. Foi o bastante para Mohamed: fugiu da Síria.

Hoje, Mohamed está bem de saúde física, ainda que seu psicológico continue abalado. Ele precisa de remédios tarja-preta para controlar a ansiedade. Vive à base de caridade.


Salam, 25, e Jood, 35, Kamel

O jovem casal Kamel tem origem palestina, mas ambos nasceram na capital síria, Damasco. Eles viviam em um assentamento palestino no centro da cidade.

Jood dava aulas de árabe e inglês em uma escola infantil no assentamento. Salam estudava árabe em uma universidade de Damasco. A família de Jood conseguiu fugir para o Líbano, a de Salam continua em Damasco. Ela conversa com eles por Skype uma vez por semana.

Quando Jood fala que eles vão trabalhar para trazê-los ao Brasil, Salam explode em lágrimas. Sua família foi avisada que entrou na “lista negra” de um dos grupos rebeldes porque não quis pegar em armas para lutar contra Assad.

Além disso, eles estão no Brasil há um mês, mas sabem que vai ser difícil conseguir um emprego.

Os dois conseguiram fugir para o Egito em março de 2013. Em Giza, cidade das pirâmides, onde eles estavam abrigados, a realidade também era bastante problemática - o Egito enfrenta seus próprios desafios.

No final do ano, Jood pesquisou na internet um destino para onde eles poderiam ir e descobriu que o Brasil estava oferecendo asilo humanitário para os sírios. Embarcaram assim que puderam e chegaram aqui em janeiro.

Quando questionados sobre o que pensam a respeito do Brasil, o casal demonstra gratidão. “O que vocês sabem sobre a Síria? Vocês não sabem nada. Mesmo assim, nos acolheram. Vocês são bons”, diz Jood.


Ahmed, 54

Ahmed morava em Damasco também. Levava uma boa vida: tinha quatro casas, dois carros - tudo foi queimado nos conflitos. Mas não gostava do autoritarismo do governo.

“Na Síria, não há liberdade. Lá eu não podia falar a palavra leão, porque se a polícia me ouvisse, pensaria que eu falava de Bashar Assad (presidente) e me prenderia por 15 dias”, disse.

Quando a situação ficou intolerável para Ahmed, ele pegou sua família e o dinheiro que lhe restava e fugiu para o Líbano. Em Beirute, viu seus 30 mil dólares de economia escorrerem pelas mãos com aluguel e comida.

Lá ele conversou com libaneses, e alguns deles lhe disseram que o Brasil era um bom lugar para ir, faziam comércio lá e ganhavam muito dinheiro.

Ahmed ouviu dizer que teria liberdade, permanência rápida e ajuda financeira e idealizou uma terra de oportunidades. No entanto, 14 meses depois de se acomodar em São Paulo, ganhou apenas uma cesta básica e vive amontoado com a família em uma casinha insalubre. Consegue sobreviver com a ajuda de uma amiga brasileira.

Se você deseja ajudar os refugiados sírios em situação de vulnerabilidade, é possível fazer uma doação à instituição Cáritas brasileira. Mais informações aqui. Caso queira contribuir com as crianças sírias, pode doar dinheiro ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) por aqui.

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