Assertivo, nefasto, vazio: as reações ao discurso de Bolsonaro na ONU
A hashtag #BolsonaronaONU atingiu o primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no Twitter mundial
Clara Cerioni
Publicado em 24 de setembro de 2019 às 15h18.
Última atualização em 24 de setembro de 2019 às 15h30.
São Paulo — A estreia do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (24), em Nova York, atingiu o primeiro lugar entre os assuntos mais comentados do mundo no Twitter.
A hashtag #BolsonaronaONU, o termo UNGA (Assembleia Geral da ONU, em inglês) e "foro de São Paulo", organização mencionada por Bolsonaro em seu discurso, foram os três tópicos mais citados pelos usuários.
Importantes personagens do mundo político se pronunciaram sobre o assunto, tanto para elogiar a postura do presidente brasileiro quanto para criticar o tom combativo que adotou em seus 30 minutos de fala.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que foi mencionado por Bolsonaro como símbolo do combate à corrupção, afirmou que a fala foi "assertiva".
Já o deputado federal e candidato a embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), retuitou um comentário do chanceler cubano Bruno Rodríguez, no qual o diplomata afirma rejeitar categoricamente as falas de Bolsonaro sobre Cuba.
Arthur Weintraub,assessor da Presidência e irmão do ministro da Educação, escreveu que Bolsonaro "falou na ONU o que a ONU não está acostumada a ouvir".
A fala faz referência ao trecho em que o presidente fez uma crítica ao programa Mais Médicos, chamando de “um verdadeiro trabalho escravo, acreditem, respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU”.
Críticas
Apesar dos elogios dos aliados, o discurso do presidente foi criticado por uma série de políticos e figuras públicas, incluindo o governador de São Paulo, João Doria, e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
Na saída de um eventoo tucano, afirmou que a fala foi "inadequada e inoportuna", além de ter faltado "bom senso" ao presidente. "[O discurso] não teve referências que pudessem trazer respeitabilidade e confiança no Brasil no plano ambiental, econômico ou político", disse.
O mesmo tom foi adotado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, que disse não ter assistido ao discurso, mas rebateu um dos argumentos do brasileiro.
Cerca de 30 minutos após o discurso, Macron disse que não se trata de interesse econômico na floresta, mas de pensar no futuro da região que é "um bem comum".
"Eu estava em uma correria e não vi o discurso", disse Macron. Diante da informação de que Bolsonaro afirmou que há interesse colonialista e de exploração da riqueza da região por parte dos que criticam o governo brasileiro, o francês respondeu.
"Eu acho que todos nós só queremos ajudar as pessoas da Amazônia. (…) Temos muitas pessoas envolvidas no (debate sobre) futuro da Amazônia e acho que o que queremos fazer é ajudar as pessoas, com completo respeito pela soberania, ajudando o povo. Não é questão de lobby ou interesse, os lobbies são para destruir a floresta para seus próprios interesses. O que nós queremos fazer é ajudar pessoas para elas mesmas e para o futuro da Amazônia, porque é um bem comum", afirmou
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva afirmou que o discurso "tem um potencial enorme de produzir um efeito ainda mais nefasto para a imagem do Brasil no exterior: uma vergonha globalizada".
Entre parlamentares a principal crítica envolve o trecho em que Bolsonaro questionou a atuação do líder indígena Raoni: "Acabou o monopólio do Senhor Raoni", afirmou.
O presidente disse, ainda, que ele é usado como “massa de manobra” por governos estrangeiros na sua “guerra informacional”.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou a fala como "deplorável". Para ele, o presidente rompeu a tradição multilateral brasileira e errou gravemente ao atacar povos indígenas.
O líder da oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que o discurso foi "vazio de verdades, mas cheio de agressividade e cegueira ideológica".
Organizações ambientais
Organizações ambientalistas criticaram veementemente o discurso do presidente que disse que o seu governo defende a Amazônia.
Em comunicado, o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace no Brasil, Márcio Astrini, disse que falas foram uma "farsa".
Para ele, Bolsonaro tentou convencer todo o mundo que o seu governo protege a Amazônia, mas o que acontece é o contrário. "Na realidade, Bolsonaro promove o desmonte da área socioambiental, negocia terras indígenas com mineradoras estrangeiras e enfraquece o combate aos crimes florestais", afirmou.
No mesmo sentido se pronunciou a organização ambientalista WWF, segundo a qual o discurso do presidente contrariou o próprio espírito da ONU por acentuar o divisionismo e a polarização ao apontar para inimigos imaginários e deixar de reconhecer os problemas urgentes do Brasil.
De acordo com WWF, os próprios dados oficiais mostraram uma tendência de aumento real e preocupante do desmatamento da Amazônia e dos incêndios florestais.
A organização acrescentou que, no seu discurso, Bolsonaro não demonstrou preocupação alguma com as mudanças climáticas nem mencionou o Acordo de Paris, mas deixou claro que não acredita na ciência e que não se compromete em dedicar esforços para reduzir o desmatamento e as emissões de poluentes.
"Ao quebrar a histórica liderança do país na área ambiental frente a outras nações, a sua postura acentua a preocupação internacional e dos mercados sobre a capacidade do Brasil para proteger a Amazônia e contribuir com a redução dos efeitos das mudanças climáticas", encerrou a organização.
O Observatório do Clima afirma que o presidente "envergonha o Brasil e põe o mundo em risco".