A grande questão é como ir adiante, diz Moro sobre Lava Jato
O juiz afirmou que não se resolve corrupção no país "somente com processos judiciais" e que são necessárias reformas para diminuir "incentivos aos crimes"
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de outubro de 2017 às 16h08.
Última atualização em 24 de outubro de 2017 às 16h08.
São Paulo - "A grande questão é como ir adiante." A frase é do juiz federal Sérgio Moro , da Operação Lava Jato, que participou de debate nesta terça-feira, 24, sobre o futuro da ofensiva anticorrupção no Brasil, ao lado dos magistrados italianos Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, dois dos principais nomes da Operação Mãos Limpas - inspiração da investigação brasileira - e do procurador da República Deltan Dallagnol.
"Se fala que a Lava Jato está em risco. Mas há processos julgados, pessoas responsabilizadas, pessoas aguardando pena. Já tem um resultado palpável. A grande questão é como ir adiante. Já há alguns efeitos colaterais positivos: naqueles grandes ajustes em contratos de empreiteiras com a Petrobras, por exemplo, existia uma relação de confiança que acabou", afirmou Moro, durante o Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, nesta manhã, na sede do jornal, em São Paulo.
"Muitos acreditam que a Lava Jato vai transformar o Brasil, mas é preciso ir além da Lava Jato", afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol, quarto convidado do debate inédito realizado pelo Estadão.
O encontro reuniu os dois principais artífices das duas maiores operações de combate a corrupção, da Itália e do Brasil.
Erros e acertos da Mãos Limpas e o futuro da Lava Jato, no Brasil dominaram o debate, que durou mais de três horas.
Os reflexos e reações do mundo político, as polêmicas em torno das prisões preventivas, delações premiadas e foro privilegiado, e a necessidade de uma participação efetiva da sociedade foram temas abordados pelos convidados.
"Não se resolve corrupção no país somente com processos judiciais", disse Moro. "São necessárias reformas para diminuir incentivos (aos crimes). Não quero assumir posição de político, falo como cidadão."
Para Moro, principal atração do debate, a Lava Jato "se insere num ciclo iniciado de uma maneira mais incisiva à partir do julgamento do Supremo Tribunal Federal, em 2012, da Ação Penal 470 (caso mensalão), em que há uma progressiva redução da impunidade".
"Se nós formos olhar isso num termo mais longo, eu acho que há boas razões para se manter uma infinita esperança de que nós estamos num processo de amadurecimento da nossa democracia e do governo de leis do Brasil", afirmou.
"É claro que o cotidiano muitas vezes nos traz revezes e isso é normal em qualquer... não existe um progresso contínuo na história, não existe um fim da história, mas eu acho que há razões para que nós mantenhamos a esperança."
Moro afirmou que "é importante que, para isso, as pessoas se mantenham ativas".
"(As pessoas) sejam menos consumidoras e mais cidadãs nas suas reivindicações. O único recado que eu posso falar sobre isso é que se tem que trabalhar e não se pode perder as expectativas de melhora por conta de pontuais revezes momentâneos que não infirmam um progresso que tem havido nessa matéria."
Lição
A principal lição da Mãos Limpas abordada pelos magistrados italianos, Davigo e Colombo, foi que os resultados da ofensiva anticorrupção iniciada na década de 1990, não resultou num quadro de queda dos crimes no país.
"Houve reações que não foram só da política, mas por parte dos cidadãos que, à medida em que o tempo passava, mudavam a percepção sobre os envolvidos", afirmou Colombo.
Ele relata que, ao fim das investigações, "40% daqueles que foram envolvidos nas investigações, muitos dos quais condenados em primeira ou segunda instância, saíram do processo por prescrição".
"Olhando retrospectivamente hoje, podemos entender que a corrupção na Itália não diminuiu absolutamente", afirmou Colombo.
Em fase de avanço da Lava Jato contra alvos políticos com direito a foro privilegiado, a lição de Davigo é que o silêncio impera no meio e que a Mãos Limpas produziu na Itália uma classe de políticos corruptos ainda mais poderosos.
"Manter o silêncio é um direito para a pessoa que se defende, mas dá um grande poder em relação a seus cúmplices, que fazem carreira política. Isso vai mortificar quem é juiz. É o comportamento típico das associações criminosas: manter o silêncio para beneficiar seus protegidos", disse o italiano.
"Aqueles políticos que ficaram calados, ou que escolheram dizer apenas parte do que sabiam, tiveram carreiras políticas espetaculares. Esse é um aviso que faço porque pode ocorrer o mesmo fenômeno", disse Davigo, que hoje é presidente da seção criminal da Corte de Cassação da Itália.
Reação
Em fase de contraofensiva mais efetiva contra a Lava Jato, Moro e Dallagnol falaram sobre a necessidade de mudanças no Brasil que vão além da esfera judicial.
"O que eu vi na Petrobras é que foi utilizado loteamento de cargos. E não se vê movimentos praticamente para alterar esse quadro. É importante que isso tenha repercussões para que possamos superar quadro de corrupção sistema, são preciso reformas mais abrangentes."
O magistrado afirmou que vê certa audácia de políticos que foram "surpreendidos em esquemas criminais" e continuam audaciosos em relação às investigações.
Para Dallagnol, a Lava Jato tem limitações. "Nossa contribuição é extremamente limitada, se dá dentro de um sistema de Justiça. Nós retiramos algumas maçãs podres do barril com toda limitação que o sistema tem. É preciso ir muito além disso e não solução para isso fora do sistema político."
Segundo o procurador, que coordenada a força-tarefa do Ministério Público Federal que iniciou as investigações da Lava Jato, em Curitiba, em 2014, os crimes continuam e sob forte reação de políticos investigados.
"O dinheiro continua circulando em malas anos depois do início da Lava Jato. Regras são gestadas no Congresso Nacional para beneficiar políticos. Ministros do Supremo soltam e ressoltam corruptos poderosos. Regras estão sendo gestadas no Supremo Tribunal Federal que implicarão enormes retrocessos na luta contra a corrupção."
Em julgamento realizado em 2016, o Supremo admitiu a execução da pena antes de se esgotarem todos os recursos possíveis aos condenados. No entanto, ministros do Supremo têm feito afirmações no sentido de rever a decisão.
Para Moro, é "prematuro afirmar que o Supremo pode mudar a questão da prisão em segunda instância". "Alguns ministros podem mudar de opinião... mas acho que existe uma expectativa da sociedade, da imprensa, de que isso não mude. E não tem nada a ver com Lava Jato."
O magistrado, que aparece em todas as pesquisas eleitorais como um dos principais nomes de uma eventual disputa, mais uma vez negou aspirações políticas.
"O que faremos é continuar nosso trabalho (em 2018). Claro que, como cidadão, há tensão sobre as eleições se aproximando, mas eu vou seguir fazendo meu trabalho. É claro que se espera que as pessoas façam boas escolhas. Há bons políticos. E é importante que se sobressaiam", disse Moro.