Ciência

Células e órgãos de porcos mortos "revivem" durante algumas horas

A chocante descoberta pode mudar a forma como a ciência enxerga a morte

Porco de três meses de idade em fazenda de Iowa, EUA. Terça-feira, 17 de abril de 2018 (Daniel Acker/Bloomberg)

Porco de três meses de idade em fazenda de Iowa, EUA. Terça-feira, 17 de abril de 2018 (Daniel Acker/Bloomberg)

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AFP

Publicado em 3 de agosto de 2022 às 18h28.

Última atualização em 3 de agosto de 2022 às 18h41.

Um grupo de cientistas conseguiu retomar o fluxo sanguíneo e o funcionamento por algumas horas de células do corpo de porcos que morreram pouco antes, de acordo com um estudo publicado nesta quarta-feira, 3.

Em 2019, uma equipe de pesquisadores nos Estados Unidos surpreendeu a comunidade científica ao restaurar a função celular do cérebro de porcos horas após sua decapitação.

Em sua última pesquisa, publicada nesta quarta-feira na revista Nature, os mesmos cientistas tentaram estender essa técnica a todo o corpo do animal.

Os cientistas provocaram um ataque cardíaco em porcos anestesiados, interrompendo o fluxo sanguíneo e privando suas células de oxigênio (sem oxigênio, as células dos mamíferos morrem).

Uma hora depois, as carcaças foram injetadas com um líquido contendo o sangue dos porcos (retirado enquanto estavam vivos) e uma forma sintética de hemoglobina, a proteína transportadora de oxigênio nos glóbulos vermelhos.

Os cientistas também injetaram substâncias que protegem as células e impedem a formação de coágulos sanguíneos.

O sangue começou a fluir novamente e muitas células voltaram a funcionar, inclusive em órgãos vitais como coração, fígado e rins, nas 6 horas seguintes.

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A morte, um "processo reversível"?

"Essas células estavam funcionando horas depois, quando não deveriam estar funcionando. Isso mostra que você pode impedir a morte de células", disse Nenad Sestan, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Yale, em entrevista coletiva.

Sob o microscópio, era difícil distinguir um órgão normal e saudável de um órgão tratado pós-morte, acrescentou o coautor do estudo David Andrijevic, também de Yale.

A equipe espera que a técnica, batizada de OrganEx, possa ser usada para "salvar órgãos" prolongando sua função.

Isso poderia salvar a vida de pessoas à espera de um transplante.

De acordo com Anders Sandberg, da Universidade de Oxford, a OrganEx também pode permitir novas formas de cirurgia, dando aos "médicos mais margem de manobra".

Mas a técnica levanta uma série de questões médicas, éticas e até filosóficas.

Poderia, por exemplo, "aumentar o risco de que as pessoas ressuscitadas não consigam sair do suporte de vida", alertou Brendan Parent, bioeticista da Grossman School of Medicine da Universidade de Nova York, em um comentário publicado em paralelo pela Nature.

Questões éticas

Segundo Sam Parnia, do Departamento de Medicina da mesma universidade, esse estudo "realmente notável" também mostra que "a morte é um processo biológico tratável e reversível horas depois".

Tanto que a definição médica de morte pode precisar ser atualizada, diz Benjamin Curtis, filósofo especializado em ética da Universidade britânica de Nottingham Trent.

"Levando em conta este estudo, muitos processos que pensávamos irreversíveis não o seriam", acrescentou à AFP. "E, com base na definição médica atual de morte, uma pessoa pode não estar morta por horas", já que alguns processos continuam por um tempo além da cessação das funções corporais.

A descoberta também pode desencadear um debate sobre a ética desses procedimentos, especialmente porque quase todos os porcos realizaram movimentos poderosos de cabeça e pescoço durante o experimento, de acordo com Stephen Latham, um dos autores do estudo.

"Foi bastante surpreendente para as pessoas na sala", afirmou a repórteres.

A origem desses movimentos permanece desconhecida, mas Latham garantiu que em nenhum momento foi registrada atividade elétrica no cérebro dos animais, o que descarta um retorno à consciência.

Esses movimentos da cabeça são, no entanto, "de grande preocupação", disse Benjamin Curtis, já que pesquisas neurocientíficas recentes sugeriram que "a experiência consciente pode continuar mesmo quando a atividade elétrica no cérebro não pode ser medida".

"Portanto, é possível que esta técnica tenha causado sofrimento em porcos e possa causar sofrimento em humanos se usada neles", acrescentou, pedindo mais pesquisas.

(AFP)

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