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Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h49.
Pelo menos 30 grandes empresas se lançaram nos últimos dois anos a um projeto similar: montar sua própria universidade corporativa. A idéia que as seduziu foi a de trazer para debaixo de suas asas a responsabilidade pelo desenvolvimento dos funcionários. O conceito é bonito: num mundo de rápidas mudanças e intensa necessidade de inovação, a capacidade de aprender assume um papel estratégico em qualquer empresa que sonhe com uma certa longevidade. As corporações já descobriram que, nestes tempos de turbulência, o conhecimento tem prazo de validade cada vez menor. Em outras palavras, não dá mais para sustentar o antigo departamento de treinamento e desenvolvimento tal como ele ainda opera na maioria das empresas: um centro de custos. A ordem, agora, é que o treinamento esteja totalmente focado nas necessidades da organização.
Empresas como BankBoston, Carrefour, Embraer e Telemar já instalaram suas universidades. Seguem os passos de pioneiras na área, como Accor, McDonald s, Algar e Motorola. Nestlé e BrasilTelecom preparam as suas. Todas seguem uma mesma receita de sucesso: o lendário Instituto Gerencial da General Electric, localizado em Crotonville, no Estado de Nova York. Crotonville foi o palco usado por Jack Welch para fazer a já famosa revolução na GE. Em seus 19 anos como presidente da empresa, Welch virou um assíduo visitante e professor do centro. Estima-se que, durante esse período, ele tenha falado a cerca de 15 000 executivos da empresa. Nesses encontros, disseminou a cultura, fez pregações sobre o futuro, apresentou seus planos, consolidou-se como um líder. Há poucas dúvidas entre os especialistas em educação corporativa de que este seja um exemplo a ser seguido. O difícil é repetir a façanha de Welch. Para começar, ainda não se descobriu a fórmula da clonagem para que cada empresa tenha o seu Welch. As boas intenções das corporações brasileiras nem sempre estão sendo confirmadas com práticas igualmente boas. Muitas esquecem a principal lição de Welch: o comprometimento do líder com a educação corporativa. Ao contrário do que acontecia com o antigo departamento de treinamento, a universidade corporativa não existirá se o principal executivo estiver alheio a ela.
"O conceito de universidade corporativa está se esfacelando no Brasil", diz a consultora Cristina d Arce, sócia da Quartet-Labe, consultoria de gestão e planejamento estratégico, de São Paulo. "Muitas empresas estão apenas amontoando cursos para dizer que têm a sua." Cristina trabalhou, entre outras, na implantação das universidades corporativas do BankBoston e do Carrefour. As duas são hoje modelos no mercado, porque seguem algumas regras indispensáveis em se tratando de educação corporativa eficiente:
1. O treinamento ficou intimamente ligado à estratégia. Os cursos são preparados e oferecidos para suprir a demanda atual e futura de talentos da empresa. A programação tem de responder à seguinte pergunta: quem serão os profissionais de que a empresa precisará para se manter competitiva no mercado?
2. A universidade corporativa é o centro de disseminação dos valores, da cultura e da filosofia organizacional. É o que (ainda) faz Jack Welch, mesmo estando às vésperas da aposentadoria.
3. Sua implantação ajuda na difícil tarefa de gerir conhecimento, porque cria um sentimento de cooperação, interação social e comunicação entre as pessoas.
O foco no resultado é um dos ingredientes mais fortes da cultura do BankBoston no Brasil. Tradicionalmente, no entanto, as áreas próximas ao cliente eram as que mais demonstravam apego a esse traço cultural. Eram essas áreas, também, as mais cobradas por resultados. O pessoal de suporte, ao contrário, sempre atuou nos bastidores. Como não estava na linha de frente dos negócios, acreditava que poderia privar-se da responsabilidade de trazer lucro para casa. A BostonSchool, como foi chamada a universidade corporativa do banco, tem entre suas metas difundir para 100% dos funcionários a cultura do foco no resultado. Essa é uma das quatro qualidades indispensáveis para todos os 4 000 funcionários do banco. As outras três são trabalho em equipe, orientação para o cliente e qualificação para a tarefa. Cabe à BostonSchool oferecer os cursos necessários para qualificá-los. Cabe aos funcionários aproveitar a chance de manter sua qualificação.
"Estamos mudando a percepção de que treinamento é um mal necessário ou apenas acúmulo de conhecimento", diz Denise Asnis, diretora da BostonSchool. Os cursos oferecidos por Denise contemplam conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e motivação. Não se restringem aos tradicionais programas em sala de aula. Quer desenvolver a capacidade de organização? Colecione selos, orienta o manual de cursos da BostonSchool. Tem problemas para pensar estrategicamente? Aprenda pintura, fotografia, escultura. "O aprendizado de nossos funcionários deve ser contínuo e amplo", diz Denise.
Quem gosta de olhar o assunto sob o ponto de vista puramente financeiro não vai encontrar uma resposta fácil sobre a viabilidade de montar ou não uma universidade corporativa. Mas há indícios de que, com a sua introdução, a conta de treinamento pode cair. Um MBA para um único funcionário feito numa escola de negócios no Brasil custa cerca de 20 000 reais por ano. A BostonSchool conseguiu montar um curso desenhado para suas necessidades por 9 000 reais por pessoa. Além disso, a experiência das universidades corporativas tem mostrado que, quando se compram pacotes de um mesmo curso, o preço pode cair à metade ou mais. Exemplo: um curso individual de informática básica custa cerca de 120 reais na cidade de São Paulo. A BostonSchool o compra por 30.
Mas será que dinheiro deve pesar na hora de decidir se uma empresa vai ou não montar sua universidade corporativa? É claro que recursos saindo do caixa nunca deixarão de ser preocupação de qualquer executivo, em qualquer empresa. Neste caso, porém, a conta tem de ser outra. A universidade corporativa - quando feita corretamente - pode dar à empresa a solução para um problema cada vez mais comum: o dinheiro jogado fora em treinamento errado. "Houve uma época em que as empresas podiam se dar ao luxo de investir sem se preocupar com o retorno. Hoje não dá mais, porque os recursos são escassos", diz Carlos Faccina, diretor de recursos humanos da subsidiária brasileira da Nestlé. Acabou a era, diz ele, do treinamento pelo treinamento. Segundo Faccina, uma solução normalmente usada pelas empresas para suprir a falta de talentos internos é a contratação no mercado. Este é um recurso bom. Mas não suficiente. As empresas precisam formar quem já está lá dentro - sob o risco de minar sua cultura. "A vantagem das empresas do futuro virá da soma de conhecimento com uma cultura diferenciada", diz ele.
A Nestlé terá sua universidade corporativa ainda este ano. Uma das preocupações de Faccina: evitar chamá-la justamente de universidade corporativa. Nem a placa do centro de treinamento da empresa, em São Paulo, será alterada. Ele não quer criar o que chama de um novo "monstrengo". "O que tenho visto no mercado é as empresas mudarem apenas o nome de seu antigo departamento de treinamento. O que a Nestlé fará é uma mudança na maneira de formar pessoas", diz Faccina. Sua meta: despachar os profissionais da empresa para ser treinados nos melhores centros de excelência, no Brasil ou no exterior. A universidade corporativa buscará o conhecimento onde quer que ele esteja, nas universidades ou entre os pensadores independentes.
O que a Nestlé está fazendo é justamente o que recomendam os especialistas no assunto. "Universidade corporativa não é prédio nem um monte de cursos. É criar programas e princípios. É vincular a educação à estratégia do negócio", diz Marisa Eboli, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e um dos principais nomes do país no tema. Por isso, não importa a forma que a empresa dá à sua universidade. O BankBoston e o Carrefour decidiram ter espaço físico próprio para isso. A Nestlé continuará com seu centro de treinamento, mas pretende enviar seu pessoal para onde quer que os cursos estejam. Na Telemar, empresa de telecomunicações com operações que vão do Amazonas ao Rio de Janeiro, quase tudo é virtual.
Recentemente, 400 funcionários da Telemar ficaram grudados no computador ao mesmo tempo, no mesmo site, assistindo ao mesmo programa. Na tela do monitor estava o jornalista Paulo Henrique Amorim. O assunto: economia. Sua palestra, feita na sede da empresa, no Rio de Janeiro, foi transmitida ao vivo graças aos recursos tecnológicos implantados pela Unite, a universidade corporativa da Telemar. A Unite tem recursos para que 2 000 pessoas assistam simultaneamente ao mesmo vídeo. Graças à estrutura da universidade corporativa, cerca de 3 000 novos funcionários foram treinados virtualmente, em questão de meses, para atuar no mercado de telecomunicações. O gerente de contas Helio Okada, 34 anos, é um dos que não desgrudam da tela do computador. Quando entrou na empresa, há oito meses, em Salvador, aprendeu tudo o que podia sobre telecomunicações. Atualmente, é um dos 1 100 funcionários da Telemar que estudam inglês nos cursos oferecidos pela Unite. "Estudo na hora e no lugar que quero", diz Okabe.
Na Telemar, a universidade corporativa foi o modelo encontrado para unificar a linguagem de 22 000 funcionários, oriundos das 16 empresas diferentes que formaram a organização. "Quando cheguei aqui, há dois anos, não sabíamos quem detinha o conhecimento", diz Renata Moura, diretora de recursos humanos da Telemar. "Herdamos 22 000 pessoas e não sabíamos quem elas eram." Certa vez, conta Renata, um vice-presidente precisava de um especialista em telefonia móvel para tocar um projeto. Não conseguiu saber quem, dentro da empresa, detinha tal conhecimento. A Unite virou o grande banco de gestão de talentos da empresa. Aqueles que possuem o conhecimento podem ensinar quem não sabe. A idéia é que as experiências da casa - as boas e as ruins - sejam usadas como exemplo nos treinamentos.
As empresas que adotam universidades corporativas têm descoberto que a demanda reprimida por treinamento é muito maior do que se supunha. Uma demanda que o antigo departamento de treinamento nunca conseguiu detectar. No BankBoston, 85% dos funcionários têm curso universitário. Parece improvável, mas essa população letrada estava ansiosa por cursos básicos de informática. Quando a escola foi criada, em abril de 1999, foram oferecidas dez turmas. Como não havia limite de inscrições, atingiu-se um número suficiente para preencher 54 turmas. Já o Instituto de Formação Carrefour, criado em abril do ano passado, registrou 78 000 inscrições para seus 114 cursos até dezembro. Só 39 000 puderam ser aceitas, devido à capacidade do Instituto.
Um dos mais assíduos freqüentadores da universidade corporativa do Carrefour, no ano passado, foi Odilon Coutinho, então gerente de uma das lojas do grupo em São Paulo. Foram dez cursos em oito meses. Seu entusiasmo com a idéia foi tanto que, em novembro, após a promoção do então diretor do instituto, Coutinho assumiu o posto. Na estrutura montada pelo Carrefour, cada pessoa em cada cargo sabe exatamente qual currículo deve cumprir para estar qualificada para a função que exerce e para atender aos padrões de excelência esperados pela companhia. Um gerente, por exemplo, dispõe de uma lista de 40 cursos. Os temas vão desde atendimento ao cliente a informática e liderança. "O Instituto tem como meta formar as pessoas que vão sustentar os objetivos da organização", diz Coutinho.
Uma universidade corporativa deve estar envolvida em todas as fases da educação. Isso inclui identificar as necessidades atuais e futuras da empresa, elaborar os cursos (muitas vezes em parceria com instituições), e colocá-los em prática. A diversidade do currículo e de oportunidades que a empresa oferece não deve se limitar ao seu pessoal. A verdadeira universidade corporativa treina também clientes, fornecedores e a comunidade onde está instalada. A AmBev, por exemplo, treina distribuidores para que eles não deixem os pontos-de-venda desabastecidos. A Embraer está formando técnicos em São José dos Campos, cidade a 1 hora de São Paulo, onde sua fábrica está instalada. Sua intenção é melhorar a qualidade da mão-de-obra disponível na região. Os técnicos formados podem ou não virar seus funcionários no futuro. A Motorola treina clientes para novas tecnologias. Nos Estados Unidos, a Motorola University já completou 20 anos. A unidade brasileira, inaugurada em 1997, é uma das mais antigas. Aos inúmeros interessados em saber se vale a pena ou não montar uma universidade corporativa, o diretor da Motorola University, Clóvis Cocenzo, dá uma resposta simples: "A universidade corporativa dá certo em qualquer empresa que tenha a educação como uma estratégia". Em outras palavras: não basta cortar a fita de inauguração.