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Quem pagará a conta da Banda B?

Num clima de competição, vai ser muito difícil repassar a fatura da banda B aos consumidores

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Da Redação

Publicado em 31 de agosto de 2012 às 06h45.

A venda de ar, como definiu o ministro Sérgio Motta, foi o episódio mais importante e mais rendoso do processo de privatização brasileiro. E mais surpreendente: os 2,6 bilhões de reais pagos pela banda B da telefonia celular de São Paulo só não trouxeram perplexidade para quem puxou a carteira, o consórcio liderado pela operadora americana BellSouth e pelo banco Safra. O patamar inicial fixado pelo governo era mais de quatro vezes menor: 600 milhões de reais. E a segunda melhor proposta ficou 1 bilhão de reais de distância da vitoriosa.</p>

Terminado o justo festejo pela pujante cifra arrecadada pelo Tesouro, pergunta-se: quem pagará a conta? Numa tirada de fino humor, a revista inglesa The Economist afirmou que o usuário brasileiro logo saberá para quem vai a conta. Mas aí vem uma outra pergunta: no clima de acirrada competição que se vislumbra com o deslanchamento da banda A, vai dar para enfiar goela abaixo do consumidor a tarifa que se quiser?

Parece difícil. Em primeiro lugar, a BellSouth se comprometeu a adotar tarifas próximas das que são atualmente cobradas pela Telesp. Em segundo lugar, há o mercado. Considere o que ocorreu na Argentina, por exemplo. Quando a telefonia celular foi implantada em Buenos Aires, houve queixas contra as tarifas, que partiram de um patamar alto.

Com duas empresas disputando a preferência do consumidor, os preços vêm caindo gradativamente desde que o serviço começou a funcionar, em 1989. Hoje, é possível encontrar linhas em oferta por valores irrisórios e tarifas que custam mais ou menos 50% do preço de oito anos atrás. Uma das duas operadoras que praticam a guerra de preços na região metropolitana de Buenos Aires é a Movicon. Quem é o principal acionista da Movicon? A BellSouth.

VENDA DE MINUTOS - O sinal mais evidente da mudança que está para acontecer na telefonia celular é a forma que a BellSouth escolheu para ganhar dinheiro com esse serviço. "Nosso negócio não será a venda de linhas", diz Roberto Peón, presidente para a América Latina da BellSouth. "Venderemos minutos de utilização do serviço."


É assim, vendendo serviços, que as empresas de telecomunicações dos países mais avançados ganham (muito) dinheiro. E é essa a direção que o mercado brasileiro deverá seguir de agora em diante. "Para nosso negócio ser lucrativo, teremos de oferecer todas as facilidades para o cliente habilitar o aparelho", diz Peón. Se não houver imprevistos, a banda B estará funcionando dentro de um ano.

Quando começaram a implantar o serviço celular no país, as operadoras estatais primeiro venderam linhas e depois se preocuparam em instalar estações para garantir a operação precária dos aparelhos. A idéia de Peón é seguir na direção oposta: montar a infra-estrutura e depois oferecer as linhas. A intenção da empresa é ter 800 000 acessos ao serviço disponíveis dentro de um ano - um número suficiente para zerar a atual lista de espera da Telesp. Essa será a primeira mudança entre as que chegarão com a banda B. Uma outra mudança diz respeito à qualidade e ao preço do serviço.

A diferença entre a banda B e a banda A, operada pelas Teles estatais, é apenas a faixa de freqüência das ondas de rádio que cada uma delas utiliza. Os usuários da banda B poderão falar entre si e com os donos de celulares da Telesp. Poderão também ligar para qualquer telefone fixo no Brasil ou no mundo. A tecnologia que a BellSouth utilizará em sua rede será digital e terá muitas vantagens em relação à tecnologia analógica atualmente fornecida pela NEC à Telesp.

A tecnologia da BellSouth permitirá que uma quantidade maior de pessoas utilize o telefone simultaneamente, sem o risco de ouvir chiados ou ter de interromper a conversa por queda da ligação. Para conseguir isso, a operadora utilizará todos os meios que estiverem a seu alcance.

Em Los Angeles, uma das cidades americanas que atende, a empresa dispõe de estações celulares instaladas sobre picapes. Sempre que a central detecta uma área com sobrecarga de ligações, uma dessas picapes é mandada para o local com a finalidade de descongestionar o sistema. O mesmo serviço deverá ser implantado em São Paulo.

Os 2,6 bilhões de reais oferecidos pelo consórcio da BellSouth em troca da banda B representam o preço mais alto já pago até hoje por uma concessão de telefonia em todo o mundo. Além do banco Safra, com quem divide a liderança (cada um tem 46% do negócio), estão com a empresa americana o jornal O Estado de S. Paulo e a Splice, produtora de equipamentos eletrônicos, como sócios minoritários. O grupo entrou na disputa disposto a jogar alto para não correr o risco de perder. "Os concorrentes subestimaram o mercado de São Paulo", diz Peón. "Esse foi um dos melhores negócios que já fizemos."


Pagar caro para não ficar de fora dos mercados que considera promissores é, por assim dizer, uma marca registrada da BellSouth. Quando disputou a telefonia celular na Venezuela, nove anos atrás, a empresa pagou 104 milhões de dólares pela concessão. O segundo colocado ofereceu 54 milhões de dólares. Na época, muita gente considerou a proposta vencedora um exagero (exatamente como aconteceu agora em São Paulo). Logo verificou-se que não era: o braço venezuelano da BellSouth, a Telcel, tem sido nos últimos anos uma das operadoras de celulares que mais crescem no mundo. Só em 1995, seu crescimento foi de 50% em relação ao ano anterior.

Presente em 20 países, a BellSouth opera sistemas que atendem a 8,5 milhões de usuários de telefonia celular. No ano passado, seu faturamento foi de 19 bilhões de dólares, o equivalente a cinco vezes a receita da Telesp, maior operadora de telecomunicações do Brasil. Apenas seu lucro líquido do ano passado, de 2,6 bilhões de dólares, seria suficiente para quitar o lance dado por seu consórcio para ficar com a banda B de São Paulo.

PRAZO MAIOR - A aproximação entre a BellSouth e o Safra se deu no final dos anos 80, quando Peón, engenheiro mexicano radicado nos Estados Unidos, chegou ao Brasil para estudar o potencial do mercado. O governo manifestava, na época, uma intenção tímida de abrir as telecomunicações brasileiras, e a BellSouth foi uma das primeiras a demonstrar interesse. A empresa americana e o Safra estiveram juntos em duas tentativas de concessão da banda B em São Paulo, feitas no início dos anos 90. As tentativas fracassaram, mas a parceria os levou juntos para Israel, onde ganharam a concessão da telefonia celular, em 1993.

Segundo os comentários do mercado, a confiança gerada por essa convivência é uma das explicações para a vitória no leilão. Os sócios estrangeiros dos outros consórcios praticamente se limitaram a elaborar a proposta técnica. A lógica dos cálculos financeiros ficou a cargo dos parceiros brasileiros. O Safra e a BellSouth atuaram juntos em todas as etapas, e o resultado, a proposta de 2,6 bilhões de reais, foi surpreendente até mesmo para quem já contava com a agressividade da empresa americana.

O que aparentemente explica o preço mais alto oferecido pela BellSouth é que ela demonstrou menos pressa em recuperar o dinheiro pago pelo direito de explorar o serviço. Os outros participantes estipularam em períodos que variaram entre um ano e meio e dois anos o prazo para ver de volta a seu caixa o dinheiro oferecido em troca da concessão.


A BellSouth estabeleceu um prazo de quatro anos. Mais: a BellSouth não considerou, ao elaborar a proposta, apenas o retorno que terá com a operação brasileira. Também levou em conta o impulso que esse negócio dará à cotação de suas ações no mercado americano. "Nenhum dos concorrentes teve a mesma lucidez", diz um advogado que trabalhou para um dos consórcios derrotados.

UMA VALE - "O processo do leilão foi cristalino, e o resultado, justo", diz Sérgio Fogel, vice-presidente de planejamento do grupo Odebrecht, que disputou o leilão em sociedade com a operadora americana Airtouch, o Unibanco e a empreiteira Camargo Corrêa.

A banda B de São Paulo, considerada neste momento o negócio mais promissor das telecomunicações em todo o mundo, foi a terceira concessão desse serviço feita pelo governo. Outras duas áreas já têm dono. Um consórcio liderado pela Bell Canada e por oito fundos de pensão ficou com a Região Centro-Oeste.

O grupo Vicunha, associado à operadora italiana Stet, ao Bradesco e à Globopar, ganhou a concessão para os estados da Bahia e de Sergipe. Juntas, essas três concessões renderam ao governo 3,2 bilhões de reais, dinheiro que deverá ser usado para abater a dívida pública (veja quadro). Isso é mais do que uma Vale do Rio Doce.

(O governo deverá ganhar mais uma Vale com as outras cinco concessões que ainda estão em disputa.) A diferença é que, no caso da Vale, foram vendidos minas, instalações, locomotivas, navios e mais uma porção de ativos. No caso da banda B, vendeu-se o direito de utilizar o espaço para a emissão das ondas da telefonia celular.

O ar brasileiro vale muito porque, no chão, existem milhões de pessoas que só não possuem telefones porque não têm acesso aos serviços das Teles que o governo começará a vender em 1998. Há no Brasil atualmente pouco mais de 3 milhões de usuários de telefonia celular. As projeções indicam que esse número deverá ampliar-se para 17 milhões até o ano 2003. O atendimento de toda essa demanda exigirá volumes de investimentos nunca vistos no país.

As empresas do setor acreditam que o mercado de telecomunicações como um todo receberá até a virada do milênio investimentos de aproximadamente 100 bilhões de dólares (isso mesmo, 100 bilhões, pouco mais de um terço do faturamento somado das 500 maiores empresas do país em 1996). Atualmente, existem no Brasil menos de 10 linhas para cada grupo de 100 habitantes. Nos Estados Unidos, a relação é de 78 linhas por 100 habitantes. Ou seja, no Brasil há espaço de sobra para esse negócio crescer.


A BellSouth deverá criar em São Paulo cerca de 1 000 empregos diretos até 1999. Outros postos de trabalho virão da cadeia dos fornecedores de tecnologia. No dia 14 de julho passado, a Northern Telecom (produtora de equipamentos de telefonia celular que, no Brasil, opera em associação com a Promon Engenharia) publicou no The Wall Street Journal um anúncio de página inteira sobre a vitória da BellSouth no leilão da banda B de São Paulo.

Motivo: os equipamentos que colocarão no ar os sinais da banda B serão fornecidos pela Northern. Esses equipamentos representam a maior parte dos 500 milhões de reais que o grupo da BellSouth deverá investir para colocar o serviço em operação, além dos 2,6 bilhões pagos pela concessão.

Outras empresas estão interessadas na telefonia celular. A Proceda, uma associação para a área de computação entre a construtora Andrade Gutierrez, a canadense SHL e o grupo argentino Macri, também quer participar da festa. A tecnologia da SHL para controle e emissão de contas de telefones celulares é uma das mais modernas do mundo. "É um dos muitos negócios promissores que o mercado de telecomunicações oferece", diz Sebastião Esteves Alpha, presidente da Proceda. "Para nós e para todo mundo que for competente."

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