Revista Exame

O mundo vendeu, e esses investidores compraram durante a crise

Os investidores que fizeram pequenas fortunas durante a crise de 2008 ao aplicar quase tudo o que tinham em ações

André Machado, assessor de investimentos: já ganhou 500 000 reais (Germano Lüders/EXAME.com)

André Machado, assessor de investimentos: já ganhou 500 000 reais (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de maio de 2011 às 10h27.

O assessor financeiro André Machado, de 43 anos, ficou milionário durante a crise de 2008. Enquanto a maioria dos investidores — de fundos de hedge e de pensão internacionais a pequenos poupadores — corria para aplicações ultraconservadoras, ele colocou 100 000 reais, um terço do que tinha no banco na época, no arriscadíssimo mercado futuro de opções.

Seu objetivo era apostar na queda das ações da Vale. Se errasse, poderia perder ainda mais do que havia aplicado. Como acertou — o valor de mercado da mineradora caiu pela metade em poucos meses —, ganhou 150 000 reais. Quando achou que as ações da Vale haviam chegado ao fundo do poço, no fim de 2008, investiu 150 000 reais na empresa, e embolsou mais 350 000 reais.

“Comprei um carro de luxo e reformei toda a minha casa com o que ganhei”, diz Machado, que passou quase um ano acordando às 4 horas da manhã para acompanhar as ações das principais concorrentes da Vale, a BHP Billiton e a Rio Tinto, listadas na bolsa de Londres, e decidir o que faria com seu investimento aqui. “Nunca sabia com que surpresa eu acordaria, porque o mercado estava muito volátil. Mas achava que tinha uma chance única de ganhar bastante dinheiro”, diz.

Olhando pelo retrovisor, parece óbvio que os últimos meses de 2008 eram o momento ideal para aplicar mais em ações. O Índice Bovespa caiu para 29 435 pontos, o menor patamar em três anos, e dezenas de empresas passaram a ter valor de mercado inferior à soma de seus ativos — o que, na matemática que rege o mercado acionário, significa que estavam extremamente baratas.

Investir quando o pessimismo está no auge é um dos conselhos mais repetidos pelos consultores financeiros — no século 19, quando a Europa estava mergulhada em guerras, o barão Nathan Rothschild, um dos maiores banqueiros da história, disse que “a hora de comprar é quando o sangue corre pelas ruas”.

O problema é que, em meio ao caos que tomou conta do mercado no final de 2008, boa parte dos especialistas fechou os livros de finanças e não recomendou a seus clientes que aplicassem mais na bolsa. Primeiro, porque havia o risco real de ver as ações desvalorizar ainda mais.

Segundo, por um aguçado instinto de autoproteção. “Estávamos sendo processados por investidores que diziam que os havía­mos induzi­do a arriscar demais antes da crise. Tínhamos de ser conservadores”, afirma Peter Weiss, dono da corretora SLW. A maioria dos investidores abandonou o mercado de ações naquela época: os estrangeiros sacaram 25 bilhões de reais da Bovespa, o volume de negócios da bolsa caiu 40% e quase 30 000 pessoas físicas venderam todos os papéis que tinham.


O sangue, portanto, estava nas ruas. “Meus amigos diziam que eu estava louco, mas, para mim, ninguém é mais habilidoso que banqueiro para ganhar dinheiro. Por isso, apostei na retomada desse setor”, diz Júlio Sergio Cardozo, ex-presidente da consultoria Ernst & Young Terco no Brasil.

No fim de 2008, ele aplicou 1 milhão de reais em ações de bancos estrangeiros, como Citi e Deutsche Bank, que haviam caído mais de 40%. Também investiu em papéis de instituições brasileiras, como Banco do Brasil e BicBanco, que estavam em baixa em razão do temor generalizado em relação aos bancos.

Ganhou 1,1 milhão de reais, e mantém boa parte do lucro aplicada nos mesmos papéis. “Minha carteira ainda tem potencial, principalmente com a retomada da economia americana”, diz. O dono de uma consultoria de investimentos de São Paulo conta que vendeu seu carro e o da mulher para investir em papéis de grandes companhias, como Gerdau, Vale e Itaú, em outubro de 2008.

“No escritório, organizávamos espécies de grupos de investimento toda semana: cada funcionário dava uma quantia para fazermos grandes aplicações na bolsa. Depois dividíamos o lucro de acordo com o que cada um havia colocado. Até a faxineira ganhou dinheiro”, diz ele.

Intuição

A melhor explicação para o comportamento dos investidores durante a crise de 2008 vem de estudos de uma área relativamente nova da economia, a psicologia financeira. No livro O Espírito Animal, o americano Robert Shiller, professor da Universidade Yale e um dos maiores estudiosos do tema, diz que é a intuição, e não o pensamento racional, que influencia as decisões econômicas da maioria das pessoas.

“Ainda que achassem que a queda das ações era exagerada, muitos investidores decidiram simplesmente seguir seus instintos e vender, como a maioria estava fazendo”, diz Vera Rita de Mello Ferreira, principal especialista brasileira em psicologia econômica. “É uma reação comum durante as crises.”

Para tentar evitar esse tipo de armadilha, investidores experientes costumam criar uma rotina de aplicações para ser seguida qualquer que seja a situação do mercado. É o que faz o microempresário mineiro Antonio Marcos. Sua regra é colocar 80% do patrimônio em ações quando a bolsa está em queda, e reduzir o valor para apenas 20% se houver valorização.

A grande tacada de Marcos na crise foi aplicar 500 000 reais em ações ordinárias da fabricante de papel e celulose Aracruz em outubro de 2008, quando os papéis custavam 5 reais e a empresa tinha acabado de naufragar devido a operações desastradas com derivativos exóticos. Vendeu tudo três meses depois, com lucro de 130%.


Hoje, esses três investidores que fizeram pequenas fortunas após a quebra do banco americano Lehman Brothers têm aplicado de forma mais conservadora. André Machado, que já voltou a dormir a noite toda, passou a diversificar sua carteira de ações e a fazer investimentos de curto prazo: em meados de abril, comprou papéis da BM&F Bovespa e da Usiminas.

Para ele, essas ações estão baratas em relação à média de seus setores. Antonio Marcos está com quase todo o patrimônio aplicado em CDBs de grandes bancos e títulos públicos para se proteger da inflação. Na opinião dele, quase todas as ações de empresas brasileiras estão caras. Além de manter os papéis de bancos comprados durante a crise, Júlio Cardozo divide seu patrimônio em fundos de ações e de renda fixa. “Está mais difícil ganhar dinheiro na bolsa agora”, diz.

Entre os grandes investidores institucionais, os que mais ganharam dinheiro nos últimos três anos foram os que fizeram apostas de altíssimo risco. O maior exemplo é o gestor americano John Paulson. Desconhecido antes da crise de 2008, ele embolsou 4 bilhões de dólares — o maior bônus já pago em Wall Street até então — ao apostar na falência das hipotecas subprime nos Estados Unidos quando esse segmento estava em ascensão.

No ano passado, bateu seu próprio recorde e ganhou mais 5 bilhões de dólares, obtidos com investimentos pesados feitos no mercado de ouro. “São números que impressionam, mas é importante lembrar que foi esse tipo de investidor, que toma riscos muito acima da média, que ajudou a provocar a crise de 2008”, diz David Laibson, professor de economia e psicologia na Universidade Harvard. “Existem pesquisas que mostram que 70% dos investidores extremamente agressivos, aqueles que compram ações de empresas em dificuldades esperando que elas se recuperem, perdem tudo ou quase tudo o que aplicaram alguns meses depois.”

Em 2005, André Machado teve um prejuízo de 200 000 reais ao apostar na valorização das ações da empresa de telefonia Telemar no mercado futuro. Ele achou que ficaria milionário naquela época, mas acabou mergulhado em dívidas. Sua estratégia deu certo em 2008. O desempate fica para a próxima crise.

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