Revista Exame

O caçador de bolhas volta a soar o alerta — está tudo muito caro

Faz muito tempo que as ações mundiais não ficam tão caras. Os investidores não querem saber de notícias negativas

A bolsa de Nova York: tudo é motivo
para valorização (Spencer Platt/Getty Images)

A bolsa de Nova York: tudo é motivo para valorização (Spencer Platt/Getty Images)

NB

Naiara Bertão

Publicado em 12 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 12 de maio de 2017 às 14h25.

São Paulo — Além de prêmio Nobel e um dos pais do campo das finanças comportamentais, o economista americano Robert Shiller ganhou fama mundial como caçador de bolhas na bolsa americana. Seu livro de 2000, Exuberância Irracional, mostrava que a euforia em torno das empresas de tecnologia havia levado o mercado americano a patamares irreais. Foi sair o livro e, no mesmo mês, a bolha estourou. Coisa de sete anos depois, lá estava Shiller, de novo, dizendo que algo estava errado: em 2008, os bancos quebraram e a bolsa desmoronou. Pois, hoje, após sete anos de ascensão incontida na bolsa americana — e em boa parte dos mercados do mundo desenvolvido também —, Shiller voltou a soar o alerta. Está tudo caro demais. E é melhor se preparar para a virada.

O índice desenvolvido por Robert Shiller para medir o nível de preços do mercado acionário — que começou no século retrasado e tem como componentes principais o valor das ações e o lucro das empresas — está em seu pico desde o período anterior à crise de 2008. O S&P 500, principal índice da bolsa americana, está em seu recorde histórico. No restante do mundo, a coisa não é muito diferente. O índice MSCI global, que reúne as principais bolsas do mundo, também está no auge. E, num sinal de que estamos de fato vivendo tempos especialmente otimistas, os indicadores de volatilidade — que medem a frequência de solavancos nas bolsas, tanto para cima quanto para baixo — estão em patamares tidos como irrisórios. Em resumo, as bolsas só sobem, e num ritmo que não dá sustos em ninguém.

Por definição, sempre haverá os que acham que está tudo caro, e aqueles que acham tudo barato — ninguém sabe o “valor justo” das ações. Mas, após longos períodos de valorização, começa a surgir aquilo que se convencionou chamar de “mentalidade de bolha”. Quando isso acontece, não há notícia ruim que consiga causar uma desvalorização nas ações. Donald Trump eleito presidente americano? Boa notícia! A inflação voltando para as economias desenvolvidas? Boa notícia! Bombas lançadas na Síria? Boa notícia, sem dúvida! Marine Le Pen enfrentando Emmanuel Macron no segundo turno da eleição presidencial da França? Ótimo para as ações! Desde a eleição de Trump, a bolsa americana já subiu 12% (fenômeno apelidado de Trump-Bump). Nesse caso, pelo menos racionalmente, o otimismo dos investidores se deve à crença de que Trump fará um pacote de investimentos em infraestrutura e corte de impostos.

Deixando a ironia de lado, há, claro, razões muito práticas para a escalada nas bolsas mundiais. Como se sabe, a crise de 2008 levou os países ricos a injetar trilhões de dólares na economia e reduzir drasticamente a taxa de juro, numa tentativa de reanimar o consumo e minimizar os efeitos da recessão. As consequências dessa estratégia são sentidas até hoje, como se pode ver na crônica dificuldade do Fed, banco central americano, em elevar a taxa de juro para mero 1%. “Hoje existem 190 trilhões de dólares disponíveis no mundo para investimentos, três vezes mais do que o PIB mundial”, diz André Rosenblit, diretor da área de ações do banco Santander.

Com tamanha liquidez, é natural que boa parte do dinheiro vá para investimentos mais rentáveis, como o mercado de ações e títulos de dívida corporativa. “Com taxas de juro baixas e até negativas em alguns lugares, a relação entre o preço das ações e o lucro das empresas não fica tão alta assim”, diz Pedro Martins, estrategista-chefe de renda variável para a América Latina do banco JP Morgan. Nos Estados Unidos em particular, a perspectiva de retomada da economia, e dos resultados das empresas, ajuda a impulsionar o valor das ações. Comprovando a tese da “mentalidade de bolha” no dia 28 de abril foi divulgado que a economia americana havia crescido apenas 0,7% no primeiro trimestre do ano. Trata-se do menor ritmo em três anos. Decepcionante, sem dúvida — mas as bolsas fecharam praticamente no zero a zero.

A capacidade de aceitar desaforos é uma característica marcante do “rali” que começou em 2009. Mesmo na Europa a onda de otimismo não parece ter limites. O índice FTSE 100, da bolsa de Londres, está em sua máxima histórica — alguém falou em Brexit? O mesmo vale para a estagnada França, para a Alemanha... Nos mercados emergentes, o cenário é um pouco mais complexo, mas, mesmo que eles estejam longe dos recordes da década passada, também é possível sentir os efeitos da enxurrada de dinheiro. No ano passado, o Ibovespa subiu 39%.

Contudo, o múltiplo de preço sobre o lucro das ações está abaixo da média dos emergentes: 11,2, ante 12,1 da China e 17,8 da Índia. Mesmo assim, as ações brasileiras também parecem bastante resistentes ao vaivém de notícias vindas de Brasília. “Há uma expectativa de virada para o Brasil, e o preço das ações reflete isso. Com juros para baixo, crescimento da economia e expansão do lucro das empresas, a bolsa vai subir”, diz Lucas Tambellini, estrategista de ações do banco Itaú BBA. Brigar com um mercado que -parece querer subir de qualquer jeito é o tipo de atitude que custa caro para qualquer investidor. Mas, aos poucos, alguns dos maiores ícones do mercado financeiro vêm apontando o que consideram um mercado à beira da irracionalidade.

Uma pesquisa feita pelo Bank of America Merrill Lynch com investidores no mundo mostra que 83% deles concordam que as ações americanas estão sobrevalorizadas. O medo de os preços estarem num patamar insustentável já levou esses investidores a diminuir em 21 pontos percentuais sua exposição às bolsas americanas em abril e a aumentar posições nos mercados emergentes e europeus.

Recentemente, o célebre investidor americano Paul Tudor Jones disse, numa conferência a portas fechadas no banco Goldman Sachs, que o atual valor do mercado de ações, quando comparado ao tamanho real da economia, deveria “aterrorizar” a presidente do Fed, Janet Yellen. O megainvestidor George Soros e o bilionário ativista Carl Icahn apostam na queda da bolsa no curto prazo e estão perdendo dinheiro de gente grande com a valorização pós-Trump. Larry Fink, presidente da BlackRock, maior gestora do mundo, disse recentemente que as ações podem cair de 5% a 10% se os resultados das empresas decepcionarem.

No mercado financeiro, não adianta absolutamente nada ter razão — é preciso acertar a hora também. Num de seus alertas mais famosos a quem se atrevia a especular na bolsa, o economista John Maynard Keynes escreveu que os mercados podem permanecer “irracionais” por mais tempo do que um investidor do contra consegue se manter vivo. Por mais que haja motivos para desconfiar que a atual onda de valorização tenha vida curta, as forças que empurram as bolsas mundiais para cima não vão desaparecer do dia para a noite. Em 1998, quando o índice de Robert Shiller atingiu o mesmo patamar de hoje, tudo também parecia bastante caro. Foram necessários mais dois anos de altas expressivas até que a bolha estourasse. Quem ficou do lado de fora resmungando perdeu a oportunidade de ganhar um bom dinheiro. E, no mercado, ganhar é mais importante do que estar certo.

Acompanhe tudo sobre:DinheiroDonald TrumpRobert Shiller

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda