Bruno Leonardo, VP de educação corporativa Exame: treinamentos ou workshops isolados , embora sejam iniciativas válidas e positivas, ainda não são suficientes para sustentar os desafios do futuro (muitas vezes nem do presente) (Divulgação/Exame)
Vice President of Corporate Education da Exame
Publicado em 18 de outubro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 24 de outubro de 2024 às 17h37.
Em junho de 1971, a capa desta mesma revista na qual tenho o prazer de escrever hoje publicou a seguinte manchete: “Quem sabe usar o computador?”. Alguns anos depois, em maio de 1995, o destaque era a internet, e como ela mudaria a vida das empresas. E agora, mais recentemente, em 2023, a capa da revista EXAME falava sobre a chegada da inteligência artificial à vida real. Essas manchetes nos apontam duas coisas importantes:
1. A história nos mostra como essa transformação sempre foi parte do ambiente de negócios.
2. A velocidade das mudanças está cada vez maior.
Se da primeira para a segunda capa temos mais de 20 anos passados, da última capa mencionada (a de 2023) até hoje temos pouco mais de um ano e inúmeras atualizações sobre o mundo da IA. Vemos que, ao longo das décadas, a disrupção tecnológica sempre esteve presente, mas o que mudou foi a velocidade com que essas transformações acontecem. E o resultado é claro: as habilidades de hoje podem não ser suficientes para os desafios de amanhã, o que torna o upskilling uma necessidade, e não mais um diferencial.
Segundo a pesquisa Global CEO Survey da PwC, 45% dos CEOs acreditam que suas empresas não serão viáveis se continuarem no caminho que estão hoje nos próximos dez anos. Esse dado só reforça a necessidade do olhar cada vez maior para o tema da capacitação, mas levanta também uma reflexão importante: quanto estamos dispostos a transformar nossas organizações para nos prepararmos para um futuro do trabalho que se acelera continuamente?
Por que treinamento não basta?
A mentalidade da educação corporativa como uma “caixa” que o RH precisa preencher faz com que muitas empresas acreditem que alguns treinamentos ou workshops isolados vão resolver o gap de habilidades. Embora elas sejam iniciativas válidas e positivas, ainda não são suficientes para sustentar os desafios do futuro (muitas vezes nem do presente).
Em um segundo nível de maturidade, a crença é que, a partir daí, o próximo passo seria estruturar uma universidade corporativa, oferecendo programas mais estruturados de aprendizado contínuo, com ferramentas, conteúdos variados e metodologias mais claras para oferecer aos seus colaboradores.
Em termos ainda mais modernos e maduros de universidades corporativas, podemos também falar sobre o conceito de capability academy — academias que têm o objetivo de desenvolver habilidades críticas para o negócio. Como exemplo de uma capability academy, posso citar com honra a TIM AI Academy, de letramento em inteligência artificial construída pela empresa de telefonia para todos os seus colaboradores, que contou com a participação de conteúdos da EXAME Corporate Education. Depois de tudo isso é que se começa a pensar na cultura.
É importante pontuar que todas essas ações são válidas e necessárias, e muitas vezes até pouco vistas em muitas organizações, infelizmente. Mas o que eu quero destacar aqui como algo conflitante é a ordem de priorização e importância dessas ações. O que muda o jogo é a cultura de aprendizagem forte. Ela deve ser o ponto de partida, o centro da estratégia de desenvolvimento organizacional.
Antes das estratégias de aprendizagem, a cultura de aprendizagem
O que realmente transforma o jogo é a cultura de aprendizagem. Esse conceito vai além de uma simples estrutura de treinamentos. Trata-se de criar um ambiente seguro, propenso à experimentação, ao erro honesto e à resolução de problemas de maneira contínua. Empresas que prosperam nesse cenário são aquelas que constroem uma cultura onde aprender é uma prioridade, e não uma obrigação.
Como o próprio nome sugere, ela tem tudo a ver com cultura. Ou seja, com um conjunto de valores, rituais e, principalmente, práticas que definem e regem o comportamento das pessoas na organização.
Em uma organização que tem uma cultura de aprendizagem forte e saudável, os colaboradores são incentivados a assumir a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento por meio de reconhecimento e pela inspiração das lideranças, que também buscam o seu desenvolvimento contínuo.
Você pode até estar se questionando quanto à existência da cultura de aprendizagem na sua organização. Talvez não exista uma universidade corporativa ou o mínimo de rotina de treinamentos, mas, mesmo sem saber onde você trabalha, eu posso lhe afirmar: ela existe. Ou seja, toda empresa tem uma cultura de aprendizagem, o que muda de uma para a outra é o nível de maturidade.
Como sabemos, a famosa frase “a cultura devora a estratégia no café da manhã” significa que não adianta termos as melhores estratégias de aprendizagem se elas são inúteis sem uma cultura que sustente esse esforço. Mas como fazer isso? Aqui vão breves dicas:
1. Aprendizagem é amiga do erro: entender que o erro não deve ser temido, e sim abraçado, é uma mudança de mentalidade importante, e isso implica investir em um ambiente seguro para as pessoas da organização. Lembrando que também não existe inovação sem erro.
2. Liderança é um dos maiores exemplos: se um líder demonstra compromisso com o seu próprio desenvolvimento, certamente isso terá impacto em todo o seu time e até mesmo em seus pares.
3. É o medo ou a paixão por aprender que move você? Com uma cultura de aprendizagem fortalecida, as pessoas aprendem porque entendem que é importante para elas.
Tudo começa pela cultura de aprendizagem, e inspirados no conceito de Simon Sinek criamos o nosso próprio golden circle, em que ela é o nosso “porquê”. Ou seja, é a partir da cultura de aprendizagem que as outras estratégias são construídas. Sem uma cultura forte de aprendizagem, os obstáculos mais famosos continuarão sendo protagonistas: “não tenho tempo para aprender”, “não sou reconhecido por isso”, “não tenho suporte ou orientação”, e por aí vai.
O tripé que sustenta a cultura de aprendizagem de qualquer organização
Muitas vezes, coloca-se no centro da cultura de aprendizagem o protagonismo dos indivíduos em seu desenvolvimento contínuo, o que é, sem dúvida, essencial. No entanto, com base na minha experiência de 20 anos em educação, vejo que a verdadeira sustentação dessa cultura depende de um tripé composto de três pilares: o RH, a liderança e o aprendiz. Cada um desses agentes desempenha um papel claro para que a cultura de aprendizagem se fortaleça.
• Os desafios do RH incluem: fornecer acesso a recursos de aprendizagem, criar ambientes inclusivos e oferecer tecnologias fluidas para facilitar o aprendizado.
• Os desafios da liderança incluem: ser comprometido com a cultura, reconhecendo e recompensando seus colaboradores no processo, além de criar um espaço amigável ao aprendizado.
• Os desafios dos aprendizes incluem: assumir o seu protagonismo no processo de aprendizagem, incorporando o desenvolvimento contínuo em sua rotina e compartilhando conhecimento para todas as áreas da organização.
Apesar dessas responsabilidades claras, um dos maiores obstáculos apontados para a aprendizagem organizacional é a falta de tempo. No entanto, acredito que essa questão está mais ligada à falta de priorização. Portanto, se quisermos preparar nossas empresas para o futuro, não basta apenas focar treinamentos pontuais, achando que vamos ganhar constantemente novas habilidades para nossa organização. É necessário investir nesse tripé que sustenta a cultura de aprendizagem e garantir que ela seja uma prioridade estratégica. Somente assim estaremos realmente preparados para enfrentar os desafios imprevisíveis do futuro do trabalho.