Revista Exame

J.R. Guzzo: a salvação nacional não vem do governo

Não há esperança de que os responsáveis pela falência do Tesouro Nacional se regenerem. Mas o dinamismo privado tem se revelado maior

Sempre em frente: apesar dos anos seguidos de erros na esfera pública, 184 empresas faturaram mais de 1 bilhão de dólares no Brasil em 2016 (Germano Lüders/Exame)

Sempre em frente: apesar dos anos seguidos de erros na esfera pública, 184 empresas faturaram mais de 1 bilhão de dólares no Brasil em 2016 (Germano Lüders/Exame)

JG

J.R. Guzzo

Publicado em 25 de agosto de 2017 às 13h43.

São Paulo – Eis aí o Brasil de volta, pela terceira vez durante a última meia hora, a mais um de sua extensa lista de problemas de nascença, permanentes e até agora insolúveis — o déficit nas contas públicas, doença inseparável dos governos que gastam mais do que têm. O debate, como de costume, vem dentro de uma nuvem de infortúnios em forma de perguntas. A meta para o rombo de 2017 deveria ser mantida, o que já era muito ruim, ou deveria ser “relaxada” — como, afinal, foi há alguns dias — para permitir um déficit maior, o que é pior ainda? (A possibilidade de trabalhar sem déficit, e portanto sem essas dúvidas, simplesmente não existe — é considerada uma impossibilidade filosófica pelo consenso geral.) Devem-se aumentar os impostos? Devem-se cortar despesas, “contingenciar” verbas, obedecer a um teto para os gastos da máquina pública? Onde segurar as despesas? Como? Em quanto?

A conversa vai por aí afora. Desta vez, na opinião da maioria dos observadores econômicos, chegamos à ruptura. Vem aí o dilúvio universal — e sem um Noé para resolver as coisas. Ou o Brasil decide acertar suas contas, fazer sacrifícios e praticar as melhores virtudes econômicas, ou então... ou então não se sabe o que vai acontecer.

É cansativo. Há dificuldades reais, é óbvio, mas há também a certeza de que nenhuma delas irá embora pela ação dos que controlam ou influenciam o poder público — esperar por isso é quase um suicídio. Mais útil, ainda uma vez, será contar com o tranquilizante histórico das grandes análises feitas pelos grandes economistas de nossa época, nacionais ou estrangeiros — elas acabam se revelando erradas praticamente todas as vezes.

É um conforto, realmente, lembrar que foram quase unânimes em assegurar que a crise econômica da Grécia acabaria com o sistema capitalista no mundo. Ou que achavam importantíssimo o movimento Occupy Wall Street. Ou que garantiram que a economia dos Estados Unidos estava liquidada, que a agricultura era uma atividade economicamente extinta nesta era digital e que a Europa estava sendo destruída pelo caos social, financeiro e étnico ao mesmo tempo. E os junk bonds, lembram-se? Seria impossível sobreviver à crise dos junk bonds. Os “modelos” de todos os países bem-sucedidos estavam “esgotados”. O fim está próximo — arrependam-se enquanto é tempo.

Não aconteceu nada, como de hábito; os males previstos são sempre superados pelos males que ninguém esperava. Da -mesma forma, no caso específico do Brasil, vem se tornando evidente que o dinamismo persistente da economia privada, sua competência, seu esforço e seu talento — e seu instinto de sobrevivência — têm se revelado maiores do que a capacidade de destruição do poder público, das corporações e das classes intelectuais.

Todos os seus esforços, incluindo-se aí 13 anos e meio de dois governos seguidos do PT, não conseguiram impedir que a produção brasileira de grãos saísse de cerca de 50 milhões de toneladas, 40 anos atrás, para os 240 milhões de toneladas da safra 2016-2017. Não conseguiram impedir que 184 empresas em funcionamento no Brasil tivessem faturamento superior a 1 bilhão de dólares no ano passado. Não conseguiram uma porção de coisas.

É a salvação do país. Não há nenhuma esperança, baseada em fatos visíveis, de que os responsáveis pela situação de falência do Tesouro Nacional possam se regenerar. Não têm nem sequer a noção de que são os causadores do problema; são os inimigos do equilíbrio fiscal, mas não imaginam que haja alguma relação entre eles e o rombo. Têm certeza de que a dívida pública é do “governo” e que cabe ao “governo” resolver isso.

Querem, como os procuradores e os juízes — e todos os demais dependentes do erário, se pudessem —, 16% de aumento salarial e acham que isso não tem nada a ver com aumento de despesas, concentração de renda e ruína das finanças públicas. Consideram que é um direito adquirido manter seu padrão de vida, de gastos pessoais e de consumo, e que o dinheiro para isso sai do “governo”, e não do bolso da população. Estão além de qualquer reforma.

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