Revista Exame

Inteligência emocional é coisa do passado. A moda agora é...

A psicóloga Susan David, professora em Harvard, lança livro no Brasil em abril sobre o novo conceito: agilidade emocional

Susan David:  “Não suprimir as emoções significa aprender sobre si mesmo” (Foto/Divulgação)

Susan David: “Não suprimir as emoções significa aprender sobre si mesmo” (Foto/Divulgação)

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Aline Scherer

Publicado em 12 de abril de 2018 às 05h06.

Última atualização em 17 de abril de 2018 às 12h47.

sul-africana Susan David cresceu durante o apartheid observando como algumas pessoas conseguem lidar com o caos e com a crueldade em torno delas — enquanto outras, não. Ela se tornou psicóloga, coach de executivos e professora na Universidade Harvard e há mais de 20 anos estuda a capacidade de resiliência dos seres humanos. Entre seus clientes há empresas como a fabricante de alimentos Nestlé, a montadora BMW, o banco JP Morgan e a gigante de tecnologia Google. Por sua tese sobre “agilidade emocional”, recebeu do Thinkers50 — o mais respeitado ranking de pensadores de gestão — o prêmio de ideia mais inovadora de 2017. No livro homônimo, com previsão de lançamento no Brasil em abril (editora Cultrix, 296 páginas, 44,90 reais), Susan ensina estratégias para adquirir tais habilidades socioemocionais.

“Agilidade emocional significa abrir um espaço para reflexão entre o sentimento e a reação”, afirma. Ela cita personalidades como Nelson Mandela, que passou 27 anos preso por lutar contra o apartheid e depois foi eleito presidente de seu país, recebendo o Prêmio Nobel da Paz, e Viktor Frankl, neurologista e psiquiatra austríaco que sobreviveu a um campo de concentração nazista e ficou mundialmente conhecido por sua tese sobre o sentido da vida. Mas ela garante que qualquer um pode aprender a se tornar mais resiliente. De seu escritório em Cambridge, nos Estados Unidos, Susan concedeu a seguinte entrevista a EXAME.

A inteligência emocional é um conceito muito difundido há alguns anos. A senhora criou o conceito de agilidade emocional. Quais as diferenças entre eles?

Há muitas diferenças entre os dois conceitos, três principais. A primeira é que a inteligência emocional fala sobre controlar ou administrar as emoções. Enquanto, a meu ver, as emoções não são boas ou más, e a tentativa de controlá-las geralmente só as torna mais intensas. No caso da agilidade emocional, existe a noção de que não há pecado em relação às emoções. Compreender a razão pela qual a emoção existe, em vez de suprimi-la, significa aprender sobre si mesmo. A segunda diferença é que a agilidade emocional tem foco nos valores. Existem muitas formas de reagir e lidar com determinadas situações. Se alguém está com raiva de uma pessoa no trabalho, pode conversar com ela ou não dizer nada, pode contar a um colega ou pedir demissão. O principal atributo da agilidade emocional é se perguntar qual resposta corresponde mais aos valores pessoais, qual reação está mais conectada com a pessoa ou com o líder que se quer ser. Por fim, diferentemente da ideia de inteligência emocional, a agilidade emocional é um conceito bem prático sobre como as pessoas podem ser mais eficazes diante das mudanças hoje e sobre como lidar com um mundo mais instável.

Capa do livro Agilidade Emocional, de Susan David

(Ed. Cultrix/Divulgação)

No livro, a senhora fala que o oposto de agilidade emocional é rigidez emocional. O que isso quer dizer?

Na língua inglesa, “ágil” significa ser rápido e também flexível, fluido. Quase como um ginasta, que não é somente ligeiro, mas capaz também de fazer movimentos difíceis e ainda assim parar de pé. Rigidez emocional é o contrário, é fazer algo de forma inflexível, fechada, bloqueada, reagir da mesma forma antiga para novas e diferentes situações.

De que modo o contexto atual ajuda ou atrapalha na obtenção dessas habilidades?

O mundo está mudando de forma confusa e num ritmo no qual as pessoas não estão sendo capazes de se adaptar. O ritmo acelerado das mudanças tem elevado os índices de estresse. A depressão está aumentando entre as pessoas — em 2017, a depressão foi a maior causa de incapacitação no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Viver tantas mudanças aceleradas pode nos fazer adquirir maus hábitos, tomar decisões não muito bem pensadas, desenvolver exageros, como comer demais e beber demais. Então, mais do que nunca, é importante desenvolver habilidades que nos permitam ser mentalmente saudáveis, que nos estimulem a evoluir e a mover de forma conectada com nosso coração e com o que é condizente com nossos valores. Especialmente quando o mundo frequentemente diz para fazermos o oposto. 

Como resistir aos estímulos contrários?

Divido as técnicas em quatro etapas. O primeiro passo é notar suas emoções. Sobretudo no ambiente de trabalho, as pessoas costumam dizer coisas como “simplesmente sorria”. Mas, às vezes, as pessoas não estão felizes. O primeiro passo rumo à agilidade emocional é perceber essas emoções, em vez de colocá-las de lado, fingir ou se esforçar para estar feliz. É preciso abrir espaço para as emoções reais, tentar entender esses sentimentos e dar rótulos a eles. Assim se começa a aprender, por exemplo, que se está com raiva porque a justiça é um valor pessoal, e ele foi violado. Pode-se descobrir que a razão pela qual não se gosta de um colega é porque a colaboração é um valor pes-soal e se sente que esse colega não colabora. O segundo passo é se afastar e observar as sensações, reconhecer que é você quem está no controle, e não suas emoções. Nesse exercício, deve-se prestar atenção em seus valores pessoais, o terceiro passo. Se colaboração é um valor importante, você deve buscar saídas para a situação que levem a esse caminho. Em vez de discutir, ignorar ou reclamar de um colega que não colabora, é melhor pensar em como ter uma conversa com ele e pensar sobre como desenvolver uma situação onde haja mais colaboração. O quarto fator é agir de acordo com seus valores pessoais.

Se alguém estiver se sentindo frustrado ou estressado, essa pessoa não está bem. Até que ponto é útil rotular com exatidão o sentimento?

Ao rotular as emoções é possível dar respostas mais eficazes, criar estratégias para mudar. Digamos que alguém esteja triste, mas, ao refletir sobre o motivo da tristeza, percebe que na verdade é uma sensação de perda por ter passado dez anos fazendo um trabalho de que não gosta. Muitos costumam dizer frases como “estou estressado”. No entanto, existe uma grande diferença entre estresse e frustração, entre estresse e a sensação de estar na carreira errada ou entre estresse e a sensação de não saber o que se está fazendo num determinado projeto. Dizer simplesmente que se está estressado pode impedir a compreensão exata do sentimento que está por trás desse estresse.

O líder sul-africano Nelson Mandela: exemplo de alguém que não deixou a emoção comandar as ações | Getty Images

Mas algumas sensações não são justamente uma mistura de emoções? Como separá-las?

Os seres humanos têm emoções complexas e na maioria das vezes as pessoas ignoram esse fato. Por trás do estresse pode existir uma combinação de tristeza com frustração e raiva. Entender melhor uma situação indesejada ajuda a criar estratégias para sair dela.

Quão difícil é aprender a ser uma pessoa com agilidade emocional?

Primeiro, agilidade emocional não se adquire num passe de mágica nem dura para sempre. É uma prática diária. Frustrações na família e no trabalho, entre outros episódios, nos fazem ter de enfrentar nossos sentimentos e praticar as habilidades. Às vezes, as pessoas não conseguem se mover porque ficam presas a certos pensamentos. Por exemplo, posso pensar que estou irritado porque meu colega é um idiota ou porque a empresa me trata mal. Isso não resolve nada. O melhor que eu poderia fazer seria assumir que, além de ter razão, preciso reagir e avaliar se as atitudes que estou tomando estão ajudando a melhorar o cenário.

No livro, a senhora fala que, quando as pessoas se tornam muito boas em algo, tendem a fazê-lo de modo automático. Da mesma maneira, também as emoções podem estar no piloto automático. Por que isso pode ser uma armadilha? 

No dia a dia, as emoções costumam se tornar confortáveis: reagimos da mesma forma a alguns episódios, temos repetidas discussões sobre os mesmos assuntos com nossos parceiros, deixamos empregos diferentes pelas mesmas razões. Nem nos perguntamos por que fazemos o que fazemos. É muito normal entrar em piloto automático. Às vezes, pode ser útil, pois ajuda a economizar energia. Não é preciso estar consciente sobre o ato de calçar meias e sapatos, por exemplo. Mas estar no modo automático em situações importantes nos impede de crescer. Entre as estratégias para ter agilidade emocional, cito duas sugestões, que chamo de pontes e beliscões. A estratégia da ponte é se permitir sentir emoções como desconforto, porque geralmente nos ajuda a crescer. É abrir-se para conversas difíceis, porque na maioria das vezes são conversas também importantes. O beliscão significa experimentar novas situações, aprofundar um assunto que já esteja dominado para continuar evoluindo. Ou seja, sair do piloto automático e integrar níveis de crescimento pessoal, profissional e emocional.

Qual líder seria um bom exemplo de agilidade emocional?

Gosto de citar Nelson Mandela, e uma das razões é que cresci na África do Sul. Ele foi um exemplo de alguém que de tantas maneiras demonstrou ter agilidade emocional. Ele viveu situações de inacreditável discriminação, desigualdade e injustiça. Ele experimentou intensa raiva, mas não fingiu que essa raiva não existia. Foi capaz de se abrir para a própria raiva e para a raiva de seus inimigos e não deixou a emoção dirigi-lo. Nelson Mandela ficou famoso por ter percebido em determinado momento que a única forma de agir de acordo com seus valores seria baixar a guarda, sentar à frente de seu opositor e conversar com ele. Ele tinha emoções muito fortes, mas não as negava nem tentava controlá-las ou colocá-las de lado. Ele refletiu sobre seu propósito e, mesmo estando ferido, seguiu adiante rumo a seu propósito de levar a mudança para seu país.

Na sua opinião, qual o papel dessas habilidades socioemocionais nas empresas ou na sociedade?

Digamos que uma empresa esteja tentando ser inovadora. A inovação envolve ter abertura a falhas. Se a empresa não tem pessoas abertas a emoções desconfortáveis, como a frustração do erro, dificilmente conseguirá ter inovação real. Se a organização fala que se importa com a diversidade, mas nas reuniões um de seus líderes trata mal as pessoas e todos se calam, não haverá inclusão. As empresas não podem fingir ser ágeis — e nunca serão de fato se os funcionários não forem emocionalmente ágeis também. Não haverá inovação, mudança e liderança efetivas, a menos que os trabalhadores estejam abertos às emoções humanas e não se deixem ser governados por elas, mas, sim, por valores próprios. Atualmente, se uma pessoa não está sofrendo de depressão, ela conhece alguém que esteja ou tem um familiar que está. Então, as empresas deveriam estar preocupadas com a depressão, porque isso é uma crise de saúde pública, e as organizações têm o papel de apoiar, seja com trabalhos de integração, seja com políticas corporativas. Elas não devem se intrometer na vida pessoal dos funcionários, mas refletir sobre a pegada psicológica que estão imprimindo neles.

Quais são os exemplos de empresas que estão tendo bons resultados ao ensinar técnicas de agilidade emocional a seus funcionários?

Não posso citar nomes, por questões de confidencialidade. Um de meus maiores clientes, uma empresa de serviços profissionais com 180 000 funcionários, trabalha num ambiente muito conservador. É uma multinacional que tem de lidar com globalização, mudanças de regulações e necessidade de inovar. Essa empresa precisa atrair e manter talentos, e seus principais executivos reconheceram que não conseguirão ser eficazes e bem-sucedidos se não focarem as pessoas que estão enfrentando essas mudanças. Estou ajudando essa empresa a formular estratégias ligadas ao bem-estar dos funcionários, como a flexibilidade de horários e a integração de vida pessoal e profissional. Também atuo no desenvolvimento da agilidade emocional dos gestores. É comum que empresas nessa situa-ção digam aos executivos coisas como: “Estamos mudando, você está a favor ou contra?” Essa pergunta provoca sentimentos confusos, porque a pessoa pode estar empolgada com a mudança e ao mesmo tempo estar preocupada com ela. Então preparo os líderes para conduzir conversas construtivas e provocar suas equipes com perguntas como: “Com as mudanças que estão em curso, como nós queremos ser uns com os outros? Quais são nossos valores enquanto time?” O trabalho incluiu mudanças massivas na matriz e nas subsidiárias e aprendizados com métricas objetivas. Hoje, essa empresa faz parte de um ranking das melhores para trabalhar.

Estoque da montadora BMW: esforço para desenvolver resiliência entre os líderes | Alexander Koerner/Getty Images

Outro tópico muito interessante do livro é sobre pensamento em grupo. O que isso tem a ver com emoções?

Todos somos afetados pelos sentimentos das outras pessoas e geralmente nem percebemos. O exemplo mais prático é quando alguém entra num elevador e vê todos olhando para o celular. Há uma boa chance de essa pessoa também olhar para o próprio celular. Ou quando, num jantar, alguém está tentando ser saudável, mas todos da mesa escolhem uma sobremesa. A chance de que a pessoa peça também aumenta 30%. O problema é que, quando somos influenciados dessa forma, podemos começar a nos comparar com os outros e a querer o que eles querem — que podem ser coisas não necessariamente conectadas com nossos valores. Se alguém está dirigindo certo carro, queremos dirigir o mesmo carro. E talvez ter o mesmo emprego, a mesma casa. Essa pessoa pode estar dirigindo um carro bacana, mas trabalhando o dobro de horas e não passando tempo suficiente com a família, por exemplo. Estamos todos sujeitos ao que é conhecido como “contágio social”, que é a tendência de imitar o  comportamento e as emoções dos outros. É muito importante estar consciente de quando se cai nessa tendência, e afastar-se dela. Quando uma pessoa passa mais tempo pensando sobre quem ela é, o que ela quer e o que é importante para si mesma em relação aos valores, certamente vai se proteger do contágio social.

Há um limite saudável para manter a resiliência em situações difíceis?

Por definição, a resiliência é a habilidade de ser adaptável e responder de forma eficaz à vida e às situações do trabalho. Não é sobre desistir, ou se submeter, ou fingir concordar com algo. É sobre se adaptar, ser forte e psicologicamente saudável para reagir ao ritmo da vida. De uma perspectiva psicológica, não existe ter resiliência demais. Em determinados momentos, essa característica será mais usada do que em outros. Algumas pessoas terão situações em que vão enfrentar mais dificuldades do que as outras. Mas é uma habilidade essencial, todos precisam ter. 

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