(Arte/Exame)
Nenhuma estratégia de marca planejada para 2020 pôde ser plenamente executada. Em meados do ano passado, quando os executivos de empresas de diferentes setores colocaram suas ideias no papel, ninguém poderia prever a pandemia do novo coronavírus e um período tão atípico e turbulento. O desafio foi se desdobrar para fornecer produtos e serviços relevantes, cuidar dos funcionários e clientes e da saúde financeira da empresa. Quem conseguiu uma boa execução, consequentemente, agregou valor à marca. Um exemplo é o banco Itaú, que fez uma doação de 1 bilhão de reais ao projeto Todos Pela Saúde, administrado por um grupo de especialistas liderado pelo médico Paulo Chapchap, diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês. A instituição também flexibilizou o pagamento de empréstimos de clientes no montante de cerca de 52 bilhões de reais. “Nossa estratégia durante a pandemia se assentou em dois pilares: ser uma marca cidadã e ser uma marca parceira. Mais do que nunca, entendemos que deveríamos colocar em prática a mensagem ‘Feito para você’ ”, diz Eduardo Tracanella, diretor de marketing institucional e atacado do Itaú, referindo-se ao lema que estampa as campanhas de marketing do banco.
Com ações como essas, o Itaú se mantém há quatro anos como a marca mais valiosa do Brasil, segundo um levantamento da consultoria inglesa Brand Finance, especializada em avaliação de marcas — até então, o topo da lista era ocupado pela Petrobras. O ranking de 2020, obtido com exclusividade pela — EXAME, mostra que a marca Itaú está avaliada em 6,8 bilhões de dólares. Na sequência, outras três instituições financeiras ocupam as posições de marcas mais valiosas do país: Bradesco (6,7 bilhões), Caixa (4,8 bilhões) e Banco do Brasil (4,6 bilhões). A Petrobras, que nos últimos anos se viu envolvida no centro de um esquema de propinas, descoberto na Operação Lava-Jato, ocupa o quinto lugar entre as marcas mais valiosas do país (3,7 bilhões).
AS 50 MARCAS MAIS VALIOSAS DO BRASIL
Anualmente, a Brand Finance avalia cerca de 5.000 marcas, ouvindo em torno de 50.000 consumidores em 29 países. Além das métricas de percepção dos consumidores e de outros públicos, a avaliação das marcas leva em conta os investimentos em marketing e o desempenho dos negócios. No fim, a ideia é chegar a um valor que uma empresa estaria disposta a pagar para obter a licença de uma marca que não lhe pertence (leia mais sobre a metodologia abaixo).
Os dados deste ano revelam que, no panorama global, as marcas do Brasil ainda são pouco significativas. Juntas, as 50 principais marcas brasileiras estão avaliadas em menos de 60 bilhões de dólares — valor inferior ao de qualquer uma das marcas internacionais que estão entre as dez primeiras no ranking global. “A diferença de valor se deve ao fato de as marcas brasileiras terem receita menor e marcas mais fracas do que as concorrentes internacionais. O Brasil também tem menos marcas em setores que são altamente lucrativos e nos quais as marcas são muito importantes, em particular na área de tecnologia”, diz Alex Haigh, diretor de valuation da Brand Finance. “Além disso, a desvalorização do real significou que, na comparação global, a receita em dólares diminuiu, reduzindo o valor das marcas que comercializam basicamente no Brasil.” No ranking global das 500 marcas mais valiosas de 2020, há somente quatro brasileiras: Itaú (298o lugar), Bradesco (308o), Caixa (428o) e Banco do Brasil (461o). Na América Latina, o Brasil fica atrás do México em valor e em número de marcas entre as 100 mais valiosas. As marcas que valem mais na região são a cerveja Corona (8 bilhões de dólares) e a petroleira Pemex (6,9 bilhões de dólares), ambas do México.
Pelos critérios adotados pela Brand Finance, as marcas tradicionais, com receitas já consolidadas, tendem a ser mais bem avaliadas do que uma startup ou outra companhia que esteja chegando agora para disputar um lugar ao sol. Um exemplo é a empresa americana de tecnologia Zoom, que se tornou conhecida neste ano graças ao sucesso de seu aplicativo de videoconferência, amplamente utilizado durante a quarentena. A marca está ausente da lista das 500 mais valiosas do mundo, mas é possível que essa situação mude nas próximas avaliações. “Uma marca jovem, de alto potencial, tem uma força elevada, mas alcançará um valor financeiro alto somente quando tiver também receitas consideráveis”, diz Eduardo Chaves, diretor-geral da Brand Finance no Brasil. No segundo trimestre, o Zoom obteve uma receita de 663,5 milhões de dólares, um crescimento de 355% em relação ao mesmo período do ano anterior. Ao todo, a previsão é que o Zoom fature 2,4 bilhões de dólares neste ano.
O ranking de 2020 da Brand Finance não captura os efeitos da pandemia, uma vez que os consumidores foram ouvidos antes do início da crise. No entanto, numa prévia do que deverá vir nas próximas avaliações, a consultoria calculou os impactos da covid-19 nas marcas. No ranking global, desde o início da pandemia, as 500 marcas mais valiosas do mundo perderam quase 910 bilhões de dólares, ou 13%, em relação ao ano anterior. No Brasil, as 50 marcas mais valiosas tiveram uma perda conjunta de 9,5 bilhões de dólares, ou 16%. Essa redução decorre principalmente da perda estimada de receita. Como têm maior peso entre as 50 marcas mais valiosas do país, as instituições financeiras foram as que tiveram maior redução no valor da marca com a covid-19 — quase 4,9 bilhões de dólares. “O mercado financeiro está sofrendo com a desaceleração do crescimento da carteira de crédito, com a piora dos indicadores de inadimplência e com o aumento do custo do risco por causa da pandemia”, afirma Chaves.
Num caso extremo, o coronavírus vai até mesmo acelerar o fim de uma marca. A locadora de automóveis Localiza Hertz foi a marca cujo valor mais cresceu no Brasil entre 2019 e 2020 (62,5%), o que a ajudou a avançar nove posições no ranking. A marca é resultado de uma aliança estratégica firmada no final de 2016 entre a brasileira Localiza e a americana Hertz. A parceria incluía a compra das operações da Hertz no Brasil pela Localiza, o uso de uma marca conjunta e o intercâmbio de reservas — clientes brasileiros em viagem aos Estados Unidos podem reservar um carro nos canais da Localiza e retirar o veículo na Hertz, e vice-versa para os clientes americanos em visita ao Brasil. A pandemia, no entanto, atingiu em cheio a Hertz, que em maio entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. Em agosto, as duas empresas assinaram um acordo de rescisão amigável da parceria. A aquisição dos ativos da Hertz no Brasil, um negócio que custou 337 milhões de reais, não sofrerá mudança. A Localiza terá um período de transição de três meses para retirar a marca Hertz de suas agências. A empresa brasileira não acredita que isso terá impacto em seus negócios. “A Localiza começou há 47 anos e é a maior empresa do setor no mundo em valor de mercado entre as companhias abertas”, diz Bruno Lasansky, diretor de operações da Localiza. “São poucas as empresas que conseguem se tornar um sinônimo de sua categoria, e acreditamos que somos uma delas.”
Tradição, claro, não é tudo. A crise econômica e o desemprego se refletem na decisão de compra dos consumidores. Segundo uma pesquisa da consultoria EY, o preço é o atributo mais importante para 77% dos brasileiros na hora da compra. O levantamento mostra também que 56% passaram a comprar apenas o essencial. Nesse cenário, saem ganhando as marcas que conseguem construir uma narrativa sólida de estar sempre ao lado do consumidor. “A marca é como aquela pessoa que te ajuda em um momento difícil. Você percebe que o discurso é verdadeiro quando ela está disposta a fazer algo de bom e tem uma atitude positivamente marcante”, diz o empresário Nizan Guanaes, fundador da consultoria de comunicação N Ideias. “Há marcas que souberam como se posicionar na pandemia e estão no coração dos brasileiros.” Produtos antes pouco conhecidos do público, como as máscaras N95, da americana 3M, por exemplo, podem ajudar a impulsionar o valor da marca. “Esses itens não faziam parte do dia a dia dos consumidores, mas a empresa ganhou visibilidade e poderá sair mais forte da pandemia se souber manter seus produtos relevantes”, diz Miguel Duarte, líder do segmento de consumo da consultoria EY no Brasil e na América do Sul.
Algumas pesquisas indicam que as marcas que conseguem passar a mensagem de que são movidas por um propósito maior do que a simples busca do lucro conseguem influenciar o consumidor na hora da compra — e, consequentemente, no valor da marca. Um exemplo de empresa que tem apostado nessa linha é a fabricante de bebidas Ambev, que não aparece no ranking como marca institucional, mas tem as marcas Skol, Brahma, Antarctica e Bohemia entre as 50 mais valiosas do país. Com o lema “Juntos à distância”, a empresa promoveu desde o início da pandemia várias ações para ajudar diferentes setores, como de saúde, hoteleiro, alimentício e de entretenimento. Um exemplo é a produção de cerca de 1,2 milhão de unidades de álcool em gel nas primeiras semanas da pandemia no Brasil. Os produtos foram doados às secretarias de Saúde dos 26 estados e do Distrito Federal. Outras iniciativas, como o auxílio para a construção de leitos em São Paulo e a doação de máscaras a profissionais de saúde, somaram 110 milhões de reais em contribuição para o combate à covid-19. As ações desdobraram-se também nas marcas. Brahma e Bohemia, por exemplo, patrocinaram lives com artistas, que incentivaram a arrecadação de doações por parte dos fãs. Somando todas as marcas, já foram realizadas cerca de 360 lives, com mais de 300 artistas, ultrapassando 678 milhões de visualizações dos vídeos. “Percebemos que o comportamento dos brasileiros mudou ao longo dos meses. Primeiro, houve grande preocupação em garantir o suprimento de produtos. Em seguida, em ocupar o tempo livre em casa. Nosso desafio foi nos adaptar para estar junto com eles nesses momentos”, afirma Alexandre Costa, diretor de marketing institucional da Ambev. Como estratégia de negócio, a empresa reforçou as vendas por delivery e comércio eletrônico.
É preciso observar também que a força de uma marca não se constrói ou se mantém apenas com publicidade. As ações da companhia com seus fornecedores e funcionários também são relevantes. No Itaú, por exemplo, cerca de 55.000 pessoas estão trabalhando remotamente. O banco manterá essa dinâmica pelo menos até janeiro de 2021 e, segundo a companhia, os demais estão tomando os devidos cuidados ao ocupar seus postos nas agências bancárias. Na operadora de telecomunicações Vivo, o trabalho remoto também foi uma medida adotada para todos os que poderiam atuar desse modo. Assim, todos os funcionários do call center próprio passaram a trabalhar de casa com os equipamentos necessários em menos de dez dias após o início da pandemia. Para os vendedores que viram as lojas fechar, a solução foi fomentar um canal de vendas pelo WhatsApp, o que permitiu a manutenção do contato com clientes em datas importantes para o comércio, como Dia das Mães, Dia dos Namorados e Dia dos Pais. “Garantir a segurança dos funcionários sempre foi uma preocupação, que se intensificou na pandemia. O trabalho da Vivo foi promover novas medidas e se fazer presente”, diz Marina Daineze, diretora de imagem e comunicação da Vivo. Segundo a executiva, a conectividade se tornou ainda mais essencial para o brasileiro, que passou a buscar planos mais vantajosos, com boa internet para trabalhar ou estudar em casa. Pensando nisso, a empresa lançou produtos com empresas como Netflix e Spotify, além de ter tido um pouco de sorte ao antecipar o lançamento de uma campanha institucional que casou bem com o momento. Em março, quando a pandemia começou a se alastrar no país, a companhia lançou a campanha “Digitalizar para aproximar”. Um dos vídeos mostrava uma neta fazendo um tutorial enviado por carta para que a avó aprendesse a fazer chamada de vídeo. “Produzimos o filme antes da pandemia e coube tanto no momento que os clientes entenderam a mensagem da aproximação pelos meios digitais”, diz Daineze. No ranking de 2020, a Vivo subiu duas posições e passou a ocupar o oitavo lugar, com a marca avaliada em quase 2,2 bilhões de dólares.
Ao redor do mundo, as marcas que se destacam procuram estabelecer um equilíbrio entre preço, confiança, inovação e necessidade de consumo, a exemplo da Amazon, líder do ranking global, com a marca avaliada em quase 221 bilhões de dólares. Para a retomada econômica, especialistas indicam que as marcas continuem se adaptando sem nunca perder de vista as necessidades do consumidor. Uma pesquisa da empresa Rakuten Advertising, por exemplo, aponta que, mesmo com a pandemia, 70% dos consumidores no mundo não pretendem diminuir seus gastos durante a temporada de compras de Natal e Black Friday. Conquistar o cliente, porém, é uma tarefa que envolve um número cada vez maior de variáveis. “Uma marca é feita de produtos, serviços e memórias”, diz Guanaes. “As marcas que estão próximas das pessoas no dia a dia constroem relações mais duradouras, que serão lembradas no futuro.”