Revista Exame

Como o Brasil pode reverter o cenário desolador da educação no país

Os gastos com educação cresceram, mas o desempenho dos alunos piorou. Com um choque de gestão, o novo presidente pode reverter o cenário

Escola municipal em Teresina: a capital do Piauí se destaca dando continuidade às políticas desenvolvidas (Prefeitura de Teresina/Divulgação)

Escola municipal em Teresina: a capital do Piauí se destaca dando continuidade às políticas desenvolvidas (Prefeitura de Teresina/Divulgação)

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Flávia Furlan

Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05h18.

Última atualização em 13 de setembro de 2018 às 05h18.

A modesta cidade de Teresina, capital do Piauí, alcançou um feito na área de educação de causar inveja às maiores metrópoles do país. O município, em que vivem 844.000 pessoas, tem a quinta menor renda por habitante entre as capitais brasileiras. E, com um orçamento apertado, só consegue gastar com cada aluno da rede pública de ensino 6.600 reais por ano, perto de 70% do que é desembolsado, em média, pelas capitais brasileiras. Mesmo diante da restrição financeira, Teresina consegue atender em escolas municipais 64% das crianças das séries iniciais do ensino fundamental, até o 5o ano, o dobro do índice de cidades mais ricas, como São Paulo. O restante está na rede privada. E não é só isso: dados mais recentes, divulgados pelo governo federal, mostram que Teresina é a capital brasileira em que os alunos do ensino fundamental têm o melhor aprendizado de português e matemática. Ou seja, a capital piauiense não tem prezado apenas o acesso, mas também a qualidade do ensino.

A rede municipal de Teresina, com 152 escolas do fundamental, vem se reformulando desde a década de 90. Nesse período, foi decisiva a manutenção de políticas públicas — as novas gestões não rasgavam tudo o que havia sido feito pela anterior. É verdade que o fato de terem sido eleitos apenas prefeitos do mesmo partido (nesse caso, do PSDB) facilitou a continuidade. Assim, criou-se uma cultura na gestão educacional na cidade. Para o cargo de secretário de Educação, a praxe passou a ser indicar um profissional da área acadêmica. Os diretores das escolas, eleitos entre os professores, passam, obrigatoriamente, por cursos de gestão e liderança — por outro lado, em 74% dos municípios brasileiros os diretores são indicados por políticos.

Desde 2014, um sistema de avaliação mede o desempenho dos alunos a cada bimestre, com aulas de reforço para os estudantes e também para os professores, quando necessário. Em sala, o foco é aprender bem o básico, embora a capital esteja criando o projeto Escola do Futuro, para desenvolvimento das habilidades não cognitivas das crianças. As escolas que avançam mais em avaliações anuais recebem recursos municipais adicionais — 26% do orçamento da cidade é destinado à educação pública. “Não há influência política: são decisões tomadas por técnicos”, diz Firmino Filho, prefeito de Teresina. “É preciso ter planejamento e foco em resultado, o que nem sempre é muito charmoso de contar.”

Profissionais da EDP, em Portugal: a empresa oferece seus funcionários para treinar os jovens na rede pública de ensino | Horacio Villalobos/Getty Images

Teresina conseguiu melhorar a qualidade da educação de crianças e jovens, mesmo com desafios financeiros. Os gastos do governo federal com a educação, embora tenham caído recentemente devido à crise fiscal, quase dobraram em termos reais nos últimos dez anos. Mesmo assim, os recursos ainda estão aquém dos montantes praticados em países que conseguiram dar uma arrancada no aprendizado. A Finlândia, sempre vista como referência na área de educação, investe cerca de 100.000 dólares em um aluno desde os 6 até os 15 anos de idade. A Coreia, outro exemplo normalmente citado, desembolsa 80.000 dólares. No Brasil, porém, são gastos 40.000 dólares por aluno. Como o Brasil costuma gastar mal o que tem, e ainda com a falta de investimento, o resultado é um aprendizado precário.

O desempenho dos alunos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) — realizado pela OCDE, organização que reúne as nações mais ricas — caiu quatro pontos em ciências, cinco em leitura e nove em matemática de 2009 a 2015, ano dos últimos dados divulgados. “Os melhores alunos brasileiros estão no nível de aprendizado dos piores do Vietnã, país que tem um terço da nossa renda”, diz Priscila Cruz, presidente da Todos pela Educação, ONG que batalha pela causa. “Precisamos combater essa crise de aprendizagem.” Priscila esteve no EXAME Fórum 2018, que reuniu em São Paulo, no dia 3 de setembro, autoridades, especialistas e empresários para discutir uma agenda imprescindível para o Brasil crescer: como evoluir na economia e na educação.

Existem alguns fatores que tornam a discussão sobre a qualidade da educação brasileira vital neste momento. Em 2017, o país homologou uma base comum curricular, que vai exigir que todas as escolas infantis e fundamentais adaptem os programas educacionais a um conteúdo nacional nos próximos dois anos. Hoje, um quinto dos professores diz não ter material adequado para dar aulas, um problema que a base se propõe a ajudar a resolver. A Constituição Federal prevê a vigência do Fundeb, fundo de custeio e desenvolvimento da educação básica, até 2020. Responsável por 60% dos recursos da educação básica no país, e pela totalidade do dinheiro para esse nível de ensino em 1 800 municípios, o Fundeb precisaria ser prolongado e a forma de distribuição do dinheiro rediscutida.

Com o novo presidente da República, pode vir um novo programa para a área. São chances de o Brasil virar o jogo na educação. Pode parecer que quatro anos seja um prazo curto para tudo isso, mas não é bem assim. “Hoje dispomos de conhecimento e experiência para dar saltos de qualidade significativos de modo mais rápido. É uma esperança para quem quiser avançar, e um alerta para quem tentar reinventar a roda”, diz João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, focado em políticas educacionais.

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A cidade tocantinense de Palmas, que está em segundo lugar entre as capitais na qualidade da educação, foi buscar inspiração fora do país. Em 2013, a prefeitura de Carlos Amastha (PSB) investiu no treinamento de 120 professores e gestores da Secretaria de Educação. Boa parte desse pessoal viajou ao exterior para ver de perto escolas públicas reconhecidas pela excelência. Os responsáveis pelas creches foram conhecer o modelo de educação infantil da cidade italiana de Reggio Emilia, tido como o melhor do mundo. E professores do ensino fundamental visitaram escolas em Singapura, onde os jovens de 15 anos tiraram as melhores notas nos últimos exames do Pisa.

As duas viagens deixaram marcas nas escolas de Palmas. Nas paredes das creches abertas de lá para cá, armários com fantasias de boneca e pirata dividem espaço com livros para colorir e bolas com as letras do alfabeto. Desde a mais tenra idade, os alunos ajudam professores e serventes a limpar a bagunça das atividades. A ideia é alfabetizar e dar uma noção de responsabilidade aos pequenos de maneira lúdica, como ocorre na cidade italiana. De Singapura, veio uma receita para manter a obediência em sala de aula de jovens a partir dos 12 anos, que lembra uma rotina militar. A jornada de estudos começa com uma saudação à bandeira. Em abril, a reportagem de EXAME presenciou 900 jovens de Palmas cantarem à capela o hino nacional, antes da entrada em sala de aula, para a alegria de uma dezena de familiares que, na parte externa da escola, gravavam o momento com o celular. Brincadeiras e interrupções da aula são punidas numa escala que pode chegar à expulsão, uma situação que os pais querem evitar a todo custo ante o risco de perder a vaga.

Além da obediência, os educadores da cidade trouxeram um modelo de aprendizado “mão na massa”, em que os alunos aprendem conceitos teóricos em laboratórios que reproduzem o dia a dia de certas profissões. Não é raro ver jovens estudarem operações matemáticas enquanto calculam a quantia de ingredientes de um bolo — algumas escolas têm cozinhas industriais para esse tipo de experimento. A receita melhorou o resultado de Palmas no Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Desde 2013, a pontuação média dos alunos da cidade nos anos iniciais do ensino fundamental passou de 5,8 para 6,6. Nos finais, de 4,9 para 5,8. Para ter uma ideia das conquistas, o patamar atual está acima do que o Ministério da Educação esperava que as escolas da capital tocantinense atingissem em 2021, de 5,5 e 5, respectivamente. “A receita é buscar referências do que funciona e dar autonomia aos gestores para aplicar as medidas da maneira que convém em cada escola”, diz o pedagogo Danilo Melo, secretário de Educação de Palmas.

Creche em Palmas, em Tocantins: as crianças começam a ser alfabetizadas aos quatro anos de idade | Divulgação

Os educadores costumam dizer que não há bala de prata nem salvador da pátria para a educação. Para melhorar, é preciso planejar. Uma proposta da Todos pela Educação, construída para ser apresentada aos candidatos à Presidência da República, mostra sete medidas para atacar a crise de aprendizagem no país. Entre elas está remodelar a carreira do professor, com cursos iniciais mais atraentes, uma vez que só 3% dos jovens no Brasil querem seguir essa profissão, e com uma formação contínua.

O programa passa também pelo desenvolvimento da primeira infância, que, se bem realizado, trará resultados para todas as fases de ensino posteriores. Outra medida é promover a alfabetização: hoje, 55% das crianças brasileiras que estão no 3o ano do ensino fundamental, em geral com 8 ou 9 anos, não sabem ler nem escrever adequadamente. Com isso, o aluno vai passando de ano sem o aprendizado necessário, a ponto de, no 3o ano do ensino médio, só 7% dos alunos terem conhecimento suficiente de matemática. Como meta, a Todos pela Educação diz que o próximo presidente poderia elevar para 100% a alfabetização das crianças de 8 anos e elevar para 70% a fatia de alunos com aprendizado considerado adequado à respectiva série até 2022.

Portugal é um país que conseguiu melhorar a qualidade da educação em pouco tempo, e acabou virando uma referência internacional. O momento de mudanças mais intensas foi no governo de direita do primeiro–ministro Pedro Passos, de 2011 a 2015. No período, Portugal passava por uma grave crise fiscal, assim como os países vizinhos, e teve de pedir socorro a instituições internacionais. O salário dos professores, por exemplo, precisou ser reduzido, e o governo enfrentou a resistência dos sindicatos. A reforma, no entanto, conseguiu ir adiante. A grade curricular foi revisada, com mais horas de estudo de disciplinas como português e matemática, que são as essenciais para o aprendizado contínuo, em detrimento de outras eletivas. Com base no resultado de provas nacionais, as escolas receberam mais profissionais para dar aulas de reforço aos alunos com dificuldade, detectando o mais cedo possível os problemas de aprendizagem.

Com isso, em 2015, os estudantes de Portugal conseguiram pela primeira vez na história ultrapassar a nota média dos colegas de paí-ses da OCDE no Pisa. Além disso, ultrapassaram os finlandeses no teste de matemática de outra prova relevante, da Associação Internacional de Avaliação da Educação. Para obter esses resultados, os portugueses não colocaram mais dinheiro na educação: o gasto por aluno dos 6 aos 15 anos está em 70.000 dólares, em linha com a média dos  países desenvolvidos. “Mudamos a gestão, dando mais atenção ao essencial: ensinar mais e avaliar melhor”, diz Nuno Crato, que foi ministro da Educação de Portugal no governo de Passos.

Estudantes vietnamitas: os alunos com melhor desempenho no Brasil estão no nível daqueles com o pior desempenho no Vietnã | Hoang Dinh Nam/AFP Photo

O ensino médio foi um foco de atenção entre os portugueses. O país instituiu para os jovens uma alternativa ao ensino para o ingresso numa universidade. Foram as chamadas vias profissionalizantes, de preparação dos estudantes para o mercado de trabalho. Com base em pesquisas feitas com as empresas portuguesas, os jovens passaram a ter cursos de formação em uma determinada profissão. Muitas das empresas cedem funcionários e laboratórios para as aulas mais avançadas, enquanto o governo dá as disciplinas básicas. No total, 12.000 empresas portuguesas entraram nessa parceria. A Energias de Portugal, por exemplo, procurou o governo com uma demanda de 5.000 técnicos de redes elétricas em dez anos. A alternativa seria a contratação da mão de obra no exterior. “O governo apenas supervisionava o processo de aprendizagem dos alunos”, diz Crato. Com esse tipo de programa, os portugueses conseguiram reduzir o abandono escolar de perto de 44%, em 2000, a 14%, em 2015.

Manter os jovens na escola também é um desafio no Brasil. Hoje, apenas na faixa de 15 a 17 anos há 903.000 jovens que não estão estudando. Em 2017, 40% dos brasileiros com 19 anos não tinham concluído o ensino médio, um quadro melhor que o de 2005, quando a taxa era de 59%, mas ainda crítico. Sem contar a qualidade da educação. No Ideb, o ensino médio é a etapa em que os alunos têm o pior desempenho: no terceiro ano desse grau, 72% não mostram conhecimento suficiente de português e 93% de matemática.

Nesse ambiente devastador, o caso do Espírito Santo, que tem o melhor ensino médio do país, é alentador. Desde 2015, o estado implementou o projeto Escola Viva, com educação em tempo integral para os jovens capixabas. Cada aluno tem um professor-tutor, que traça um plano de vida. As próprias escolas decidem, para além da grade tradicional, quais disciplinas eletivas vão servir de acordo com as necessidades de cada jovem. Hoje, há 35 escolas que seguem esse modelo, mas a meta é chegar a 300 em 2030. Cada aluno custa 3.500 reais por ano, sendo 2.000 de um apoio do governo federal que começou no ano passado. O valor é 70% superior ao dos estudantes em tempo parcial, mas o abandono é a metade do que ocorre em média. “Gasto mais com o aluno, mas não há perda do investimento porque o aluno não abandona os estudos”, diz Haroldo Rocha, secretário de Educação do Espírito Santo.

A formação de um aluno num ambiente de ensino de qualidade tem efeitos que se espalham pela sociedade. Estudos internacionais mostram que um aumento de 100 pontos nas notas do Pisa, justamente a diferença entre a nota brasileira e a média da OCDE, estaria associado a uma expansão anual do produto interno bruto per capita de dois pontos ao ano, em média. O dado, de um estudo dos economistas Eric Hanushek, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e de Ludger Woessmann, da Universidade de Munique, na Alemanha, considerou a experiência de 50 países de 1960 a 2000. “A relação entre educação e crescimento econômico está ficando cada vez mais importante”, diz o presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, também presente no EXAME Fórum. “Basta ver que as empresas que valem trilhões de dólares, como Amazon e Google, são resultado de uma forte educação e da qualificação da mão de obra.”

Outro benefício está na democracia: países com taxas de escolaridade mais altas vivem em regimes democráticos mais estáveis, segundo mostram estudos internacionais. “O déficit de educação traz três problemas: a violência, que é causada pela baixa escolaridade; a baixa produtividade, que dificulta ao cidadão se adaptar às novas tecnologias; e a deficiência na ética pública e na privada”, diz o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. “Já mudamos de paradigma da corrupção, com o combate saindo do discurso para a prática. Estamos chegando a esse ponto com a educação.” Ou seja, é preciso agir agora para que as próximas gerações de brasileiros desfrutem de uma educação de qualidade.

Com reportagem de Leo Branco


A educação precisa avançar

O Brasil ampliou bastante o acesso à educação, mas agora precisa reter o jovem na escola e melhorar a qualidade do ensino — são determinantes para o país crescer e se tornar mais ético, segundo os palestrantes do EXAME Fórum 2018 | Fotos: GERMANO LÜDERS

Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco: “A relação entre educação e crescimento econômico tem ficado mais evidente”
Priscila Cruz, presidente do movimento Todos pela Educação: “A qualidade da educação não chegou ainda a um nível minimamente aceitável”
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal: “A educação é uma premissa para elevara ética pública e a ética privada no Brasil”

“Uma escola pouco exigente é ruim para todos”

A qualidade do ensino em Portugal avançou após um currículo rigoroso reforçar o estudo de português e matemática, segundo Nuno Crato, ex-ministro da Educação do país | Flávia Furlan

Nuno Crato, ex-ministro da Educação de Portugal: “É importante que o aluno tenha o domínio dos computadores, mas isso não vale nada se ele não aprender matemática” | Germano Lüders

Os primeiros meses do matemático Nuno Crato, de 66 anos, no cargo de ministro da Educação e Ciência de Portugal, em 2011, foram dramáticos. Em meio a uma forte crise econômica, que atingia todo o continente e levou a um socorro do Fundo Monetário Internacional, o país teve de cortar os salários de todos os servidores, inclusive dos professores. Nesse contexto adverso, o governo implementou regras significativas no sistema de ensino, consolidando mudanças que vinham sendo feitas desde 2000. “O currículo estava muito disperso, com disciplinas como projetos e educação cívica”, diz Crato. “Passamos a dar mais atenção ao essencial: português e matemática.” Com um currículo rigoroso, avaliações nacionais e reforço aos alunos com dificuldade, os portugueses conseguiram dar um salto de qualidade na educação. Confira na entrevista a seguir, concedida durante a passagem de Crato por São Paulo para participar do EXAME Fórum 2018. 

Qual foi o avanço da qualidade da educação alcançado por Portugal nos últimos anos? 

Tivemos uma melhora contínua no Programa Internacional de Avaliação de Alunos e, em 2015, ultrapassamos a nota média das nações mais ricas, o melhor resultado da nossa história. Em outra prova, da Associação Internacional de Avaliação da Educação, na primeira edição, em 1985, só estávamos à frente da Islândia e do Irã. Na última edição, deixamos 36 países para trás, inclusive a Finlândia, uma referência na área.

O que foi feito na gestão da educação para que Portugal conquistasse esses resultados? 

Desde 2000, avaliamos todos os alunos ao fim de cada ciclo de ensino. Com base nas avaliações, concedemos créditos às escolas que mais precisam, na forma de mais professores disponíveis para dar aulas de reforço ou montar grupos de estudo. Dessa forma, acompanhamos o aluno desde a primeira dificuldade.

Esse tipo de incentivo aumentou o custo da rede -pública portuguesa de ensino?

O que fizemos foi alocar corretamente os professores na rede. Então, não implicou necessariamente aumento de custos. Isso foi possível porque, desde 2005, fizemos uma reforma para reduzir o número de escolas de menor porte, com os alunos transferidos para as maiores. Ganhamos em escala e pudemos alocar melhor os recursos. 

O conteúdo em sala de aula foi alterado? 

Adotamos um currículo nacional mais claro e exigente. E, ao mesmo tempo, o fluxo dos alunos que passaram de ano aumentou. Uma escola com pouca exigência é prejudicial para todos, e mais ainda para quem vem de um contexto social menos favorecido, porque essa pessoa não pode ter aulas particulares, por exemplo, e acaba ficando para trás. Com a exigência maior no currículo e o reforço das aulas, a média de todos os nossos alunos nos exames do Pisa melhorou.

Como o currículo foi alterado? 

O currículo estava muito disperso, com disciplinas como projetos e educação cívica, que são importantes, mas ocupavam muito tempo na grade. Passamos a dar mais atenção às disciplinas essenciais, entre elas português e matemática. Voltamos à ideia de que, se os alunos não souberem essas disciplinas bem, eles não conseguem avançar em todo o resto.

Focando apenas o básico, Portugal não reduz o ensino de habilidades importantes no século 21? 

Não podemos hipervalorizar algumas coisas. Por exemplo: é importante que o aluno tenha o domínio dos computadores, mas isso não vale nada se ele não aprender o básico, como matemática. Então, só faz sentido ensinar computação em torno de outras disciplinas, assim como habilidades não cognitivas, como o senso crítico e a capacidade de expressão.

No Brasil, um dos principais problemas é a evasão dos jovens da escola. Como Portugal conseguiu resolver essa questão?

Incluímos no ensino obrigatório as vias profissionalizantes. O aluno pode escolher se fará o ensino médio tradicional, para ingressar na universidade, ou o profissionalizante, para sair com uma carreira. Era muito difícil convencê-los a ficar até os 18 anos na escola se eles não tinham condições de cursar uma faculdade. Com a nova proposta, a evasão nas escolas de nível médio caiu de 43,6%, em 2000, para 13,7%, em 2015.

Como o setor privado participa da oferta das vias profissionalizantes?

Foi pedido à indústria que contribuísse com professores e laboratórios. E consultamos as empresas para saber quais cursos dar aos alunos. Elas sabem melhor do que o governo o que precisarão no futuro. Como exemplo, a elétrica EDP, uma das maiores companhias de Portugal, disse que em dez anos precisaria de 5 000 técnicos de rede, ou teria de contratar no exterior. No acordo com a EDP, nós dávamos as disciplinas básicas, e eles as mais avançadas. Nesse modelo, 12 000 empresas colaboraram com a educação em 2015.

Como a crise financeira que atingia a Europa em 2011 afetou a educação em Portugal? 

Lembro que, numa sexta-feira do meu segundo mês de governo, notei que não tínhamos dinheiro para pagar os salários na segunda-feira seguinte. Era uma situação aflitiva e dramática. Tivemos de tirar de outra área para cobrir o rombo. E, com a crise, tivemos de reduzir os salários de todos os servidores, inclusive dos professores. No início, enfrentamos resistência. Mas era isso ou Portugal sairia do euro, e seria o caos.

O investimento em educação teve de ser reduzido? 

O investimento caiu um ponto percentual entre 2000 e 2015, para 3,8% do produto interno bruto. Mas pesquisas mostram que, em determinado nível de investimento, ele não afeta mais os resultados da educação. Luxemburgo gasta duas vezes mais que Portugal e tem o mesmo desempenho na educação. Portanto, nesse caso, é preciso mudar a gestão, como fizemos. 

Esse, então, seria o caso do Brasil?

No Brasil, com o dinheiro que existe, pode-se fazer muito mais. Seria bom investir mais dinheiro na educação do país, mas, sem melhorar a utilização do recurso, ele pode não melhorar o resultado. No curto prazo, o Brasil está no caminho certo, com o currículo nacional. Mas o país precisa se preocupar com a formação inicial mais rigorosa dos professores, focada nas matérias em sala de aula. Em grande parte do mundo há uma tendência de trocar o conhecimento pela metodologia prática, que não serve de nada se o professor não sabe bem o que tem de ensinar. 

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