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A nova onda das empresas fundadas por "ex-googlers"

É cada vez mais comum encontrar empreendedores que saíram da gigante do Vale do Silício para fundar a própria startup

Deli Matsuo, da Appus: a experiência 
no Google o ajudou a receber um investimento em sua startup (Germano Lüders/Exame)

Deli Matsuo, da Appus: a experiência no Google o ajudou a receber um investimento em sua startup (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2017 às 05h55.

Última atualização em 29 de abril de 2017 às 05h55.

São Paulo – Nos Estados Unidos há um termo para se referir aos funcionários do Google: os googlers. Em 71 cidades espalhadas pelo mundo, de São Francisco a Tóquio, passando por São Paulo, existem mais de 72 000 deles. É gente que costuma ter orgulho da empresa onde trabalha e gosta das regalias sempre presentes nos locais de trabalho, como comida gratuita, dos salários acima da média do mercado e da autonomia para definir projetos.

Para os jovens que desejam entrar no mercado de tecnologia, o Google é um dos lugares dos sonhos. No entanto, uma parte dos googlers desiste dessa vida. São engenheiros e executivos que largaram o conforto dos escritórios para empreender. Não existem dados oficiais a respeito, mas atualmente há pelo menos cinco dezenas de empresas nos Estados Unidos fundadas por ex-googlers. Em escala menor, a mesma tendência começa a ocorrer no Brasil.

Diego Nogueira e Davi Reis, fundadores da WorldSense, startup com sede em Belo Horizonte, estavam na primeira turma de engenheiros contratados pelo Google no Brasil em 2005. Nogueira e Reis passaram quase dez anos trabalhando na companhia, aprimorando os sistemas de busca, de mapas e também o desenvolvimento de algoritmos para o software de publicidade. Em 2015, a dupla pediu demissão, fundou a própria empresa e criou uma ferramenta de propaganda online.

A WorldSense faz o casamento entre, de um lado, os anunciantes e, de outro, blogs e sites de notícias em busca de publicidade. Com seu sistema, encontra palavras-chave do interesse dos anunciantes nos textos e coloca junto delas um link com a propaganda. “Ficamos muito tempo com a ideia de criar esse recurso. Mas só depois que saímos do Google é que conseguimos colocá-la em prática”, diz Reis.

Especialistas são unânimes em dizer que a experiência de trabalhar numa grande empresa costuma ser parte fundamental na formação de um bom profissional. No caso das gigantes do Vale do Silício, essa tendência geralmente é ainda mais forte. Com muito dinheiro e uma imagem positiva, companhias como Google e Apple conseguem atrair alguns dos melhores talentos do mundo. E esse seleto grupo, formado em grande parte por engenheiros, é treinado e motivado a produzir num ambiente de alta excelência.

Quando um desses funcionários decide sair da empresa para empreender, leva com ele todo o aprendizado. Um exemplo é o americano Marc Benioff, fundador da Salesforce, maior empresa de software de gestão de vendas do mundo. Quando perguntado sobre sua formação, Benioff sempre cita o período que trabalhou como estagiário na Apple nos anos 80.

O caso mais famoso envolvendo um ex-googler é o de Kevin Systrom, fundador e presidente do aplicativo de fotografia Instagram. Antes de criar o aplicativo em 2010, juntamente com o brasileiro Michel Krieger, Systrom trabalhou no Google como gerente de marketing. Com a venda do Instagram ao Facebook por 1 bilhão de dólares há cinco anos, Systrom tornou-se bilionário antes de completar 30 anos de idade, algo notável mesmo para o Vale do Silício. “Companhias como Google conseguem formar bons empreendedores porque promovem a troca de conhecimento. As pessoas saem de lá muito preparadas”, diz Alex Cowan, professor de empreendedorismo na escola de negócios Darden School of Business, da Universidade de Virgínia.

Cartão de visita

Para parte dos empreendedores, a vivência profissional em grandes empresas de tecnologia também pode ser a senha para receber investimentos. No ano passado, o fundo First Round Capital, um dos principais grupos que investem em startups nos Estados Unidos, fez uma avaliação de todas as 300 empresas em que havia investido nos dez anos anteriores (o aplicativo de transporte Uber é uma delas).

As startups em que pelo menos um fundador trabalhou numa grande companhia de tecnologia — como Google, Amazon, Apple, Facebook, Microsoft ou Twitter — tiveram, na média, um desempenho financeiro 160% melhor do que as demais. Segundo o fundo, as habilidades adquiridas pelos empreendedores e as redes de contatos formadas por eles são alguns dos fatores que favorecem as startups. Uma das conclusões é que empreendedores que passaram por grandes empresas são mais preparados para enfrentar as adversidades comuns numa startup.

No Brasil, o que chama a atenção é a falta de experiência dos empreendedores, algo que tem dado ainda mais valor aos ex-googlers. Uma pesquisa recente da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas perguntou a investidores em operação no mercado brasileiro o que os leva a negar um investimento numa empresa de tecnologia. Para 93% deles, a falta de uma equipe experiente é um problema. Há outras questões, claro, mas elas não aparecem com tanta frequência. Baixa demanda para os produtos ou serviços oferecidos é apontada por 51% dos entrevistados, falta de inovação por 35% e falhas no modelo de negócios por 12%.

O empreendedor paulista Deli Matsuo acredita que seu currículo pesou quando ele captou 1,5 milhão de reais para sua startup, a Appus, em 2015 (outro 1,5 milhão de reais foi investido do próprio bolso). Durante seis anos, ele foi chefe do departamento de recursos humanos do Google na América Latina. Em 2011, ele saiu para trabalhar na RBS, grupo da área de comunicação com sede em Porto Alegre. Três anos depois, ao participar de um projeto para criar um software de análise de dados para o setor de recursos humanos da RBS, teve a ideia de empreender.

Hoje, a Appus desenvolve programas que usam os dados dos funcionários para fazer um acompanhamento da satisfação no trabalho, do comportamento deles e também para construir planos de carreira mais adequados. “No Google, já se usava ferramentas desse tipo e vi que poderia aplicar a mesma tecnologia em outras empresas”, diz o empreendedor. Entre os clientes estão o banco Itaú, a siderúrgica Gerdau e o Grupo Boticário, de produtos de beleza. A startup tem 20 funcionários e escritórios comerciais em São Paulo e Porto Alegre.

De todos os ex-googlers brasileiros, o mais famoso é Ariel Lambrecht, um dos fundadores do aplicativo de transporte 99 (o antigo 99táxis). Depois de receber um aporte de 100 milhões de dólares da chinesa Didi Chuxing e do fundo americano Riverwood no começo do ano, a 99, com 140 000 taxistas e 10 000 motoristas particulares, consolidou-se como a grande rival do Uber no Brasil.

Antes de criar a empresa, Lambrecht trabalhou quatro anos no escritório do Google em Dublin, na Irlanda, como gerente de produto. Hoje, ele tenta reproduzir na 99 parte do que aprendeu na companhia. Pelo menos uma vez por semana, a 99 organiza confraternizações entre os funcionários para compartilhar o que tem sido feito na empresa. “O principal aprendizado que trouxe do tempo que trabalhei na Irlanda é a transparência. Lá todo mundo sabia o que estava sendo desenvolvido pelos colegas”, diz Lambrecht. Aos poucos, o Google vai fazendo escola no Brasil.

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