Revista Exame

A marcha da reconstrução do Japão

Sujeitos a novos terremotos e a um acidente nuclear grave, os japoneses começam a medir os estragos e planejar o futuro — e o mundo avalia os impactos na economia

O caos deixado pelo tsunami em Sendai: o retrato da devastação do maior terremoto já registrado no Japão e de um gigantesco tsunami (Kiyoshi Ota/Getty Images)

O caos deixado pelo tsunami em Sendai: o retrato da devastação do maior terremoto já registrado no Japão e de um gigantesco tsunami (Kiyoshi Ota/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2011 às 06h00.

John Stuart Mill, filósofo e economista inglês do século 19, se dizia intrigado com a rapidez com que países se recuperam depois de grandes calamidades, como terremotos, enchentes e guerras. Passados os primeiros dias após o maior terremoto já registrado no Japão, com 9 graus na escala Richter, e o tsunami que arrasou parte do litoral da região nordeste do país, o mundo todo torce para que o vaticínio de Mill mostre-se correto também agora.

São poucas certezas em torno do desastre que assolou a terceira maior economia do mundo. Ainda não sabemos a extensão da catástrofe humana. Não conhecemos o tamanho das perdas materiais. E, acima de tudo, não conseguimos avaliar qual o risco de um desastre nuclear de grandes proporções.

Quatro dias após o tremor, quando esta edição foi fechada, funcionários da concessionária Tokyo Electric Power tentavam evitar que os seis reatores da usina de Fukushima, ao norte de Tóquio, vazassem material radioativo em larga escala, depois de algumas instalações terem pegado fogo.

Numa demonstração explícita de impotência, nem o porta-voz da agência nuclear japonesa soube explicar se os problemas na usina decorriam do derretimento de parte dos reatores, de buracos em suas estruturas ou de qualquer outra causa. “Ainda estamos no escuro.

O desastre nuclear pode ser evitado ou pode assumir proporções trágicas”, diz Erwann Michel-Kerjan, pesquisador especialista em catástrofes da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia.

Diante de tanta desinformação, empresas e cidadãos tentam responder da maneira que julgam mais apropriada. Várias multinacionais começaram a retirada de funcionários estrangeiros e suas famílias — caso, por exemplo, de Bosch e BMW. Com medo de um desastre em Fukushima, a Lufthansa cancelou temporariamente os voos para o Japão.

Em parte do país, as prateleiras dos supermercados estavam vazias. Houve uma corrida por itens como pão, leite, papel higiênico, fita adesiva, pilhas e tofu, apesar dos apelos oficiais contra os estoques. Evitar o pânico será prioridade do governo para arrefecer o inevitável dano econômico.


Desde o dia 13 de março, o governo determinou que residências e empresas de diversas províncias — com exceção, por enquanto, da região central de Tóquio — participassem do racionamento de eletricidade, com cortes programados de 3 horas por dia. É o primeiro racionamento imposto à população em 60 anos.

Os impactos na economia, como sabem bem os brasileiros, são imediatos. Devido às dificuldades, as montadoras de automóveis pararam ou reduziram a produção. Em maior ou menor medida, o mesmo aconteceu com as fabricantes de componentes tecnológicos, responsáveis por 40% da produção mundial.

O mercado de ações, sempre com propensão bipolar, entrou em depressão. Vitimado pelo pânico que tomou conta de investidores estrangeiros, o índice Nikkei caiu 10,6% no dia 15, a terceira maior queda de sua história. Isso depois de o banco central japonês ter injetado 250 bilhões de dólares na economia. As principais bolsas caíram em decorrência de uma corrida para aplicações mais seguras.

Nos departamentos de pesquisa de bancos e seguradoras mundo afora, o trabalho de estimar os efeitos para a economia já está sendo feito. A consultoria AIR Worldwide, especializada em avaliação de desastres, estima que as seguradoras e resseguradoras terão de pagar indenizações de cerca de 35 bilhões de dólares, o que, se confirmado, colocará o terremoto de 11 de março como o segundo desastre mais caro da história.

Ainda assim, a opinião dominante é que, se o vazamento de material radioativo for evitado e os estragos ficarem restritos aos causados pelo terremoto, o impacto na economia será inferior ao registrado após a destruição da cidade de Kobe, em 1995, também por um tremor.

“Até o momento, nossa previsão é de um efeito pequeno no desempenho da economia”, diz Masamichi Adachi, economista do banco J.P. Morgan em Tóquio. Enquanto o impacto sobre o PIB japonês no desastre de Kobe foi uma retração de 0,5 ponto percentual em 1995, o prejuízo, segundo o Bank of America Merrill Lynch, seria entre 0,2 e 0,3 ponto percentual neste ano.


Isso levaria a economia do Japão a crescer 1,2% — uma expansão até razoável dado o contexto. A estimativa leva em conta o fato de as áreas atingidas agora responderem por 7,8% do PIB do país, ante 12,4% das regiões afetadas pelo terremoto de 1995 — tudo isso considerando-se que a catástrofe nuclear não aconteça. Caso o pior cenário se materialize, com um vazamento radioativo em áreas densamente povoa­das, prever a dimensão do estrago torna-se virtualmente impossível.

Em larga medida, o terremoto de Kobe seguiu as etapas clássicas após um desastre natural num país rico. Num primeiro momento, a economia sofreu uma retração por causa das perdas na área da infraestrutura. Em seguida, devido ao esforço de reconstrução, os investimentos e a produção aumentaram, puxando o PIB para cima.

Tudo isso numa velocidade assombrosa. Três meses após o tremor, a produção industrial japonesa, que sofrera uma queda de 2,6%, já havia recuperado o nível pré-desastre. Agora, porém, muitos analistas de seguradoras e bancos duvidam de uma solução tão rápida. Takahide Kiuchi, economista-chefe do banco Nomura, acredita que o impacto negativo desta vez será mais longo, mas, mesmo assim, durará apenas alguns meses a mais.

Para Kiuchi, o efeito externo não será muito grande, já que o Japão há muitos anos não tem sido um dos principais motores do crescimento global. Nos últimos dez anos, o PIB japonês teve uma expansão média de 0,8%. “O Japão representa um risco menor à economia global do que a alta do petróleo”, diz um relatório do Nomura.

Cenário incerto

No Brasil, o principal efeito sentido até agora foi a queda das ações da Vale. Na visão dos investidores, as exportações de minério devem cair num primeiro momento. O maior temor é a saída de japoneses que aplicam em fundos brasileiros de renda fixa e variável.


Atraída por oportunidades no Japão ou por sentimento nacionalista, parte dos cerca de 12 bilhões de reais aplicados em ativos brasileiros pode voltar para a Ásia. Mas ninguém sabe a extensão dessa retirada ou mesmo se ela ocorrerá — mais uma dúvida na lista de questionamentos sem respostas.

Por sua natureza pouco previsível, terremotos e tsunamis estão entre os desastres naturais mais letais. Desde 1990, a média anual de mortos é de cerca de 30 000. No caso do Japão, o número oficial de mortos quatro dias depois do terremoto era de 3 771, mas as estimativas apontavam para mais de 10 000.

Ainda que em menor número do que em países como o Haiti, onde um terremoto matou 220 000 pessoas em 2010, as perdas levaram o premiê japonês, Naoto Kan, a caracterizar o momento atual como “a maior tragédia desde a Segunda Guerra”.

A favor do Japão devem pesar a resiliência de seu povo e seu grau de desenvolvimento. Estudos mostram que a qualificação das pessoas é decisiva na recuperação de desastres naturais. “Nossa tecnologia e nosso capital humano serão, novamente, fundamentais na nossa reconstrução”, diz Hideki Toya, professor de economia da Universidade de Nagoya. Sua aposta: o povo que se levantou após a Segunda Guerra saberá reconstruir um país melhor — e mais preparado para enfrentar desastres.

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