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A mão forte da China agora atinge empresários do país

Prestes a realizar uma ampla mudança na cúpula do Partido Comunista, o governo de Xi Jinping amplia o cerco a bilionários ligados a adversários políticos

Presidente chinês Xi Jinping: o governo agora quer reduzir os investimentos externos das empresas  (Goh Seng Chong/Bloomberg)

Presidente chinês Xi Jinping: o governo agora quer reduzir os investimentos externos das empresas (Goh Seng Chong/Bloomberg)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 05h02.

Última atualização em 24 de agosto de 2017 às 11h15.

São Paulo — Com uma fortuna avaliada em mais de 30 bilhões de dólares, o magnata chinês Wang Jianlin tem o perfil típico da nova safra dos superbilionários do país: boas conexões com o Partido Comunista, uma carteira de investimentos diversificada em vários setores da economia e uma sede insaciável de adquirir grandes empresas no exterior. No início de junho, porém, seu conglomerado — o Dalian Wanda, que inclui a maior incorporadora de imóveis e a maior cadeia de cinemas do mundo, além de 187 shopping centers — foi alvo de uma devassa por parte do órgão regulador do mercado financeiro da China.

As autoridades alegam que havia risco de a empresa não conseguir honrar a grande quantidade de crédito tomada para fazer aquisições no exterior, e que isso poderia levar a uma crise. Na sequência, o sistema bancário do país foi aconselhado pelo órgão a não financiar mais o conglomerado em aquisições no exterior.

A ofensiva chama a atenção pelo alvo, mas não foi uma ação isolada. Jianlin, terceiro homem mais rico do país, não foi o único superbilionário chinês enquadrado pelo governo. Neste ano, outros grandes empresários e conglomerados passaram a ser alvos de investigações e pressões do regime chinês.

Outro exemplo é Wu Xiaohui, presidente da Anbang — gigante do setor de seguros que tem empresas e imóveis pelo mundo avaliados em 290 bilhões de dólares, incluindo o mítico hotel Waldorf Astoria, em Nova York. Ele foi afastado do comando do grupo e teve o passaporte apreendido depois de prestar esclarecimentos à Comissão Central de Inspeção Disciplinar, temido órgão do Partido Comunista Chinês encarregado de apurar denúncias de corrupção no governo.

Além dele, as autoridades ampliaram as investigações sobre outros dois gigantes do setor financeiro: o grupo Fosun, controlado pelo magnata Guo Guangchang — considerado o Warren Buffett chinês —, e o conglomerado HNA, dirigido pelo megaempresário Chen Feng, o mesmo que pagou 450 milhões de dólares para comprar uma fatia de 23,5% da companhia aérea Azul em 2015.

O novo capítulo da relação nebulosa entre o governo chinês e os bilionários do país intriga os especialistas ocidentais porque coloca em risco gigantescas empresas da China que cresceram de forma desproporcional nos últimos anos. Desde a crise de 2008, o governo do presidente Xi Jinping vinha estimulando a ida às compras das empresas chinesas mundo afora, como parte de sua estratégia de aproveitar o momento de fraqueza das economias avançadas — que, mergulhadas na recessão, reduziram as importações dos produtos chineses — para aumentar a presença chinesa nos países desenvolvidos.

Com reservas de mais de 4 trilhões de dólares em 2014, fruto do superávit comercial acumulado durante anos, o governo chinês começou a oferecer crédito fácil para expansão dos conglomerados. A onda de aquisições impactou todos os setores da economia. Marcas globais, como Pirelli, Volvo, Club Med, Syngenta, e ícones como o grupo Cirque du Soleil, times de futebol (Inter de Milão, Milan e Atlético de Madrid) e até a bolsa de Chicago passaram por fusões ou aquisições feitas por empresas chinesas. Somente em 2016, o volume de dinheiro que saiu do país chegou a 246 bilhões de dólares — quase quatro vezes mais do que em 2011.

Neste ano, Pequim percebeu que a estratégia estava sangrando as reservas em dólares, necessárias para fazer o controle do câmbio fixo. Cerca de 1,8 trilhão de dólares saíram em apenas 18 meses. O governo então decidiu, sem nenhuma sutileza, interferir no fluxo de capitais. Numa amostra de como a China ainda está longe de ser uma economia de mercado, o regime comunista não só decidiu restringir o investimento externo das empresas como também passou a obrigá-las a fazer negócios vultosos no mercado interno para reduzir rapidamente seu endividamento.

O grupo Dalian Wanda, um dos principais alvos, anunciou no mês passado a venda simultânea de duas joias de seu império para concorrentes diretos na China: uma rede de 77 hotéis espalhados pelo país e 13 parques temáticos com os quais o bilionário Wang planejava desbancar a Disney. Alinhado ao discurso oficial, Wang classificou o negócio conjunto de 9,3 bilhões de dólares como “uma oportunidade excepcional” de reduzir a dívida acumulada pelo Dalian Wanda em aquisições no exterior.

A pressão do governo sobre os conglomerados também tem razões políticas. O país se prepara para fazer uma dança de cadeiras na cúpula do regime, com a realização do 19o Congresso do Partido Comunista, marcado para novembro. O evento, que ocorre a cada cinco anos, deverá consolidar o poder do presidente Xi Jinping, que chega agora à metade do mandato de dez anos, e mexer na configuração do Politburo — comitê de 25 pessoas que controla o Partido Comunista Chinês e toma as principais decisões no país.

Bilionarios em apuros (Divulgação/Exame)

Os bilionários cujos conglomerados foram alvo das investigações têm ligação com a ala do partido que era hegemônica antes da ascensão de Xi Jinping e agora corre o risco de ser defenestrada. Ao se livrar de adversários políticos dentro do partido, o presidente chinês terá mais facilidade para nomear os aliados no Politburo. “É difícil apontar um único motivo que levou o governo a agir contra os bilionários, mas o fator político certamente influenciou. É provável que seja uma combinação entre o esforço para neutralizar um risco ao sistema financeiro, o expurgo político e o ataque à corrupção”, diz Andrew Nathan, cientista político da Universidade Colúmbia, em Nova York, especializado em política chinesa.

A bandeira do combate à corrupção dentro e fora do governo é uma cruzada pessoal do presidente chinês, adotada desde que chegou ao poder em 2012 e que sempre rendeu apoio popular. A corrupção sempre foi encarada na China como de baixo risco nas relações entre políticos e empresários. Com Xi, a realidade mudou. Pela primeira vez em décadas, membros do Comitê Central do Partido Comunista foram tirados dos cargos por receber propina. No total, mais de 1,2 milhão de pessoas — entre funcionários públicos, ministros, empresários, militares e integrantes do partido — foram punidas.

O problema é que a cruzada virou uma arma para se livrar de adversários políticos no regime e uma ferramenta de reforma do Estado. Os maiores troféus são justamente os superbilionários. O temor dos empresários encrencados é ter o mesmo fim de Liu Han, magnata do setor de mineração, amante de carros de luxo, frequentador de cassinos e dono de uma fortuna de 4,6 bilhões de dólares. Liu foi condenado à morte e executado em 2015, acusado de mandar matar desafetos e empresários concorrentes. Na China, a mão forte do Estado é um risco à vida.

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